Por Voltaire Marenzi. Advogado e Professor.
A Lei Complementar nº 213/2025 regulamentou o setor de seguros no Brasil, especialmente as cooperativas de seguros e a proteção patrimonial mutualista. A lei exige que essas entidades se enquadrem em novas regras, como a gestão obrigatória por administradoras autorizadas pela SUSEP e a manutenção de reservas financeiras. A legislação também alterou o Decreto-Lei nº 73/1966 e a Lei da Previdência Complementar, entre outras.
De outro giro, vale sublinhar, que a proteção patrimonial mutualista teria sido implementada já na antiguidade em que se disseminaram as instituições de assistência mútua e continuaram a subsistir na Idade Média. Elas socorriam as viúvas e os órfãos, providenciando funerais dos associados e até ressarcindo danos causados aos seus membros em consequência de incêndios, inundações, roubos, mortalidade do gado e outras calamidades.[1]
Outro dado relevante a ser destacado diz respeito a dicotomia registrada por Pontes de Miranda, quando afirma:
“Todavia, é preciso que não se confundam os seguros feitos em sociedades cooperativas e os seguros mútuos. Naquelas, o seguro pode ser feito pela cooperativa, sem que resulte da própria entrada do sócio. A entrada do sócio não determina o seguro, como se daria no mútuo de seguros. No seguro mútuo, a qualidade de sócio não é só pressuposto necessário, é pressuposto suficiente e determinante”.[2]
Ao abordar as sociedades de seguros mútuos, Ovídio A. Baptista da Silva, entendeu de outra forma ao afirmar:
“Não é outra, aliás, a conclusão a que chegou o egrégio Clóvis Bevilaqua, sobre a questão capital da distinção entre seguro denominado a prêmio fixo, precariamente definido, aliás pelo Código Civil Brasileiro, e o seguro mútuo.
E, ato contínuo, arremata:
“Na essência, forma verdadeiramente cooperativa de seguro, na qual os próprios segurados, afinal, se auto seguram através da mutualidade, por eles próprios constituída para esse fim e sem a menor semelhança com as sociedades comerciais”.[3]
Enfim, não obstante os autores acima mencionados tenham um viés um tanto distinto, a meu ver, quanto a natureza jurídica destes dois institutos a proteção patrimonial mutualista determina nesta nova legislação um marco regulatório às entidades de proteção patrimonial, como as associações de proteção veicular, estabelecendo, destarte, um novo arranjo a ser devidamente regulamentado pela SUSEP.
Deveras. A gestão dessas entidades deverá ser feita por uma administradora de operações autorizada e fiscalizada pelo órgão fiscalizador do seguro.
Ademais, a nova norma expande as operações permitidas para as cooperativas de seguros, além daquelas já existentes, modificando regras para a eleição e posse de administradores e conselheiros estatutários de entidades abertas de previdência complementar.
Assim, há base jurídica clara para que a Susep exerça atribuições normativas e de fiscalização em relação às cooperativas de seguros e aos grupos de proteção patrimonial mutualista.
Apesar dessa autorização legislativa, permanece o princípio basilar de que o regulador não poderá extrapolar a lei como tenho comentado em várias ocasiões, quanto à aplicabilidade do princípio legal da hierarquia das leis.
Neste pensar, a Susep só poderá editar normas infra legais dentro dos contornos e finalidades definidos pela LC 213/2025 e pelas demais leis pertinentes à espécie.
As normas regulamentares não podem inovar criando obrigações, proibições ou categorias que não tenham respaldo na lei maior a teor do artigo 59 da nossa Constituição Federal.
Consequentemente, mesmo que a lei estenda sua competência legislativa, essa extensão não equivale a um “cheque em branco” – pois a atuação normativa do órgão fiscalizador do mercado deverá ser pautado de maneira condizente com o que balizou o legislador constituinte.
Dado que a Susep está promovendo audiência pública em sede de regulamentação das associações e cooperativas de seguro, se entende que a manifestação deverá contemplar:
- Reconhecimento de que a Susep tem competência legal para regular essas entidades, com base na LC 213/2025.
- Exigência de que o regulamento proposto seja estritamente compatível com o texto legal: objetivos, destinatários, ramos de atuação, papel das administradoras, supervisão etc.
- Vigilância sobre eventuais normas-ponte (de transição) que devem respeitar prazos e condições previstas na lei
- Insistência no princípio da proporcionalidade, de modo que exigências regulatórias (capital mínimo, reservas, auditoria, contabilidade) sejam compatíveis com o risco da operação e sua dimensão.
- Monitoramento do impacto sobre os direitos dos participantes ou associados – sobretudo para que a regulamentação não imponha ônus indevidos que extrapolem a lei.
Portanto, a Susep está amparada pela LC 213/2025 para editar regulamentos sobre cooperativas de seguros e proteção patrimonial mutualista.
Porém, o fato de haver nova competência não retira nem flexibiliza os limites constitucionais do poder regulamentar: legalidade, reserva legal, proporcionalidade, e segurança jurídica.
É o que penso.
Porto Alegre, 29 de outubro de 2025.