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Por Samuel de Jesus Monteiro[1] de Barros e Fernanda Paes Leme[2]
O setor de seguros brasileiro vive um momento de inflexão regulatória relevante. As mudanças aprovadas entre o final de 2024 e o início de 2025, com vigência entre 2025 e 2026, não são meros ajustes técnicos, mas sim, representam uma reconfiguração profunda das relações entre seguradoras, consumidores e o Estado, como seu regulador.
A Lei nº 15.040, sancionada em 9 de dezembro de 2024 e publicada no Diário Oficial da União no dia seguinte, entra em vigor em 11 de dezembro de 2025. Trata-se do novo marco legal dos seguros privados no Brasil, -revogando todo o capítulo de contrato de seguro do Código Civil, além de dispositivos sobre prescrição e artigos específicos do Decreto-Lei nº 73/1966. A nova legislação estabelece que contratos de seguro devem ser interpretados em favor do segurado em caso de ambiguidade, proíbe o cancelamento unilateral de apólices por parte das seguradoras e impõe prazos rígidos para análise de sinistros. Além disso, a prescrição passa a contar da negativa do sinistro, e não do evento danoso, o que altera substancialmente a dinâmica jurídica do setor, inclusive introduzindo certa insegurança. A lei regula a cessão de carteiras, contrariando a prática do setor e a regulação da própria Susep..
No plano institucional, a Lei Complementar nº 213, sancionada em 15 de janeiro de 2025 e publicada no DOU em 16 de janeiro, reformula o Sistema Nacional de Seguros Privados. Ela regulamenta as Associações de Proteção Veicular (APVs), cria as Administradoras de Operações de Proteção Patrimonial Mutualista (PPMs) e amplia a atuação das cooperativas de seguros. Essas entidades passam a operar sob supervisão da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), com regras específicas de governança, responsabilidade e fiscalização. A norma também reforça os poderes sancionadores da SUSEP e estabelece medidas preventivas para insolvência, além de ampliar a contratação de resseguro por cooperativas.
No campo da saúde suplementar, a Resolução Normativa nº 623, aprovada pela ANS em 16 de dezembro de 2024 e publicada no DOU em 27 de dezembro, entrou em vigor integralmente em 1º de julho de 2025. A norma reformula o atendimento aos beneficiários de planos de saúde, exigindo canais digitais acessíveis 24/7, registro formal e rastreável de todas as demandas, e justificativas claras para negativas de cobertura. A resolução também estabelece prazos objetivos para resposta a solicitações assistenciais e administrativas, promovendo maior transparência e resolutividade no relacionamento entre operadoras e consumidores.
Essas mudanças são conduzidas por um conjunto de entidades reguladoras e fiscalizadoras que compõem o Sistema Nacional de Seguros Privados. O Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) é o órgão normativo superior, responsável por estabelecer diretrizes gerais e aprovar resoluções complementares. A SUSEP, autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda, executa essas diretrizes, fiscaliza o mercado de seguros, previdência complementar aberta, capitalização e resseguro, e zela pela solvência das entidades supervisionadas. Já a ANS, criada pela Lei nº 9.961/2000, regula os planos de saúde e seguros saúde, sendo responsável por normatizar, controlar e fiscalizar a assistência suplementar à saúde no Brasil. A CNseg, por sua vez, atua como representante institucional das seguradoras, promovendo o diálogo entre o setor e os órgãos reguladores.
Do ponto de vista dos negócios, os impactos são múltiplos e exigem das seguradoras uma resposta estratégica. Operacionalmente, será necessário revisar contratos, redesenhar fluxos de atendimento e adaptar sistemas às novas exigências. Juridicamente, a exposição a litígios aumenta, especialmente em casos de não conformidade com os prazos e procedimentos definidos pelas novas normas. Estrategicamente, os produtos precisarão ser repensados, os canais de distribuição reavaliados e o posicionamento de mercado ajustado diante da entrada de novos competidores, como cooperativas e PPMs. Economicamente, há um potencial aumento de custos operacionais, especialmente nas áreas de tecnologia, compliance e atendimento, o que pode pressionar margens em carteiras de alta sinistralidade.
Mais do que um desafio regulatório, o que se apresenta é uma oportunidade de reconstrução institucional. As seguradoras que souberem interpretar essas mudanças não como imposições, mas como vetores de inovação e confiança, estarão mais bem posicionadas para liderar o setor nos próximos anos. Em um mercado cada vez mais orientado por dados, transparência e experiência do cliente, a regulação deixa de ser um obstáculo e passa a ser um diferencial competitivo.
Nos próximos artigos vamos tratar cada uma dessas regras, apresentando oportunidades de ganhos, onde haverá aumento de custos e como as seguradoras, corretores e agentes do setor devem se preocupar e como agir.
[1] Samuel de Jesus Monteiro de Barros é Doutor em Administração pela IAE Bordeaux/Fr, Especialista em Finanças e Tecnologia, Reitor do Ibmec RJ. Linkedin: linkedin.com/in/samuel-barros-2a846935
[2] Doutora em Direito Civil. Professora Titular de Direito Civil do Ibmec. Coordenadora da Graduação em Direito do Ibmec RJ. Advogada
(07.11.2025)