Por Bruna Chieco
A Supervisão Baseada em Risco (SBR) está no centro da agenda regulatória da previdência complementar fechada, mas sua adoção plena pela Previc ainda depende da modernização da base legal brasileira. O alerta foi feito pelo Diretor-Presidente da Abrapp, Devanir Silva, durante webinar sobre o tema promovido em parceria com as Comissões Técnicas Sudoeste e Sul de Assuntos Jurídicos.
A Diretora Vice-Presidente responsável pelo Colégio de Coordenadores de Assuntos Jurídicos da Abrapp, Alexandra Granado, fez a abertura do evento que reuniu especialistas brasileiros e internacionais para discutir práticas, desafios e experiências globais sobre a SBR.
Um dos pontos colocados por Devanir foi a urgência na atualização do Decreto nº 4.942/2003, que regula o regime sancionador. “Não basta termos instrumentos parciais ou iniciativas pontuais, precisamos de um modelo integral, consistente e previsível que atravesse toda a atuação supervisora”, defendeu.
Devanir reitera que o decreto foi importante, mas está defasado frente à complexidade atual do sistema e a lógica de supervisão por riscos, e uma versão proposta está sob análise da Casa Civil. “Esse é um dos pilares para viabilizar a adoção plena da supervisão baseada em risco pela Previc. O decreto procura tipificar de uma maneira mais clara e moderna as infrações, com melhor definição do que é, quem responde e em qual medida”, discorreu.
O decreto também trata de dosimetria mais proporcional e transparente e traz um escalonamento em níveis de penalização, tornando o regime mais previsível e formalizando o Termo de Ajuste de Conduta, instrumento alinhado à lógica preventiva e corretiva da supervisão por riscos, explicou Devanir.
O Diretor-Presidente da Abrapp apresentou uma visão estratégica e institucional sobre a supervisão baseada em risco e destacou as características centrais, como priorização por impacto, visão prospectiva e diálogo regulatório. “A supervisão baseada em risco aponta para um modelo preventivo, proporcional e orientado por materialidade. O objetivo final é corrigir rotas, fortalecer governança e preservar a saúde dos planos antes que problemas se materializem”, explicou.
Devanir destacou ainda que a SBR atua como instrumento de diálogo regulatório e indução de boas práticas, exigindo como contrapartida a gestão baseada em riscos pelas entidades. “A entidade precisa manter e mapear riscos estratégicos, atuariais de crédito, de mercado, de liquidez, os riscos operacionais, os legais e também os reputacionais”, enfatizou.
Metodologia da Previc – A SBR foi implementada pela autarquia em 2009, com apoio do Banco Mundial, com o objetivo de otimizar recursos escassos por meio de uma metodologia que superou a supervisão baseada apenas em regras para focar em riscos e condutas. “Nossa perspectiva de supervisão não é punitiva. A gente tem um instrumento de punição, mas a nossa perspectiva é uma supervisão que oriente ao risco, porque o risco é importante para a entidade”, destacou o Diretor-Superintendente da autarquia, Ricardo Pena.
A metodologia atual de supervisão pela Previc é dividida em três perspectivas: preventiva, protetiva e punitiva, segundo relatou Pena. A primeira é estruturada a partir de um programa anual de fiscalização que divide as entidades em uma matriz de risco considerando porte e complexidade, organizadas em quatro segmentos (S1 a S4).
A segmentação define a intensidade proporcional da supervisão entre fiscalização permanente para S1, periódica para S2 e diligências para os demais grupos em ciclos de sete anos, complementadas pelo monitoramento indireto permanente de dados de investimento, atuariais, contábeis e de governança.
Já a protetiva caracteriza-se pelo trabalho de proximidade com as entidades através de reuniões técnicas com órgãos de governança, comitês e equipes, pedidos de informações e apresentação de relatórios previamente discutidos, tudo em ambiente de previsibilidade.
Essa perspectiva pode gerar recomendações, pontos de atenção, determinações e termos de ajuste de conduta, orientando as entidades na gestão de riscos, o que, segundo Pena, adiciona valor e é fundamental no regime de capitalização para o objetivo de longo prazo de pagar benefícios. “A metodologia de supervisão permite também influenciar comportamentos, práticas e atitudes dos dirigentes a partir de orientações, da comunicação”, reiterou.
A punitiva é exercida com parcimônia, disse Pena, por meio do poder sancionatório, garantindo direito de defesa e possibilidade de correção antes do julgamento. Pena enfatizou que o objetivo “não é autuar dirigentes, não é arrecadar multa”, mas utilizar o instrumento apenas quando necessário.
Complementarmente, a Previc introduziu em 2023 a supervisão temática, uma abordagem com ciclos bianuais que investiga temas relevantes para todas as entidades, como remuneração variável, comunicação com participantes, auditorias externas, cibersegurança, critérios ESG, buscando conhecer dificuldades e subsidiar regulações futuras mais horizontais e adequadas aos novos riscos do setor.
Vitor Sanches, membro da Comissão Sudoeste de Assuntos Jurídicos da Abrapp, propôs reflexão sobre a expansão da SBR para além da fiscalização, incluindo atividades de licenciamento da Previc, com adequação de exigências conforme porte e complexidade das entidades. Como exemplos de SBR já aplicada ao licenciamento, mencionou a habilitação automática de conselheiros das entidades S3 e S4 e o licenciamento automático de regulamentos de convênio e adesão de modelos certificados.
Aspectos jurídicos da SBR – O membro da Comissão Técnica Sudeste de Assuntos Jurídicos da Abrapp, Roberto Eiras Messina, falou em sua apresentação que o risco não é uma exclusividade da previdência complementar, mas algo que faz parte da própria vida. Segundo ele, o ponto central é saber como administrá-lo.
Nesse sentido, defendeu que a supervisão baseada em risco não deve tratar o risco como um fator de aterrorização ou de culpabilidade, mas sim como um elemento da equação, direcionando o olhar para a gestão, especialmente para as ações adotadas e para os responsáveis pela mitigação desses riscos.
Messina destacou como muito importante a iniciativa da Previc de consolidar, em 2023, um conjunto de normas que fazem parte da Resolução Previc nº 23/2023. Ele lembrou que o texto traz de forma expressa os conceitos de supervisão baseada em risco, citando o artigo 228 e o artigo 241, este último ao ressaltar a importância de não se coletar informações desnecessárias no processo de gestão.
O palestrante também resgatou a Resolução CGPC nº 13/2004, que, segundo ele, já estabelecia os princípios da SBR ao afirmar, no seu artigo 1º, a necessidade de se enxergar a entidade e suas atividades como um todo. Para Messina, é equivocado insistir em avaliar a gestão a partir de atos isolados.
Ele também apontou os investimentos como um bom elemento para testar a metodologia da supervisão baseada em riscos. “Para os investimentos, é fundamental saber escolhê-los”, afirmou, ressaltando a necessidade de compreensão de diferentes veículos de aplicação.
O palestrante defendeu ainda que a prioridade do marco regulatório não deve ser a punição, mas a orientação, e a fiscalização deve ter definições mais objetivas, focada em compliance, qualidade, monitoramento de riscos e prestação de informações, como prática constante de aperfeiçoamento.
Experiências internacionais – A perspectiva global sobre a SBR foi apresentada por Dariusz Stańko, representante da International Organisation of Pension Supervisors (IOPS), que compartilhou dados e experiências de diversos países membros da organização. Segundo pesquisa apresentada, cerca de 80% dos supervisores membros já utilizam a metodologia, com práticas cada vez mais difundidas desde 2022.
Stańko destacou que os benefícios da SBR vão além da otimização de recursos, incluindo “o aumento da probabilidade de identificar as questões antecipadamente e tratá-las adequadamente”. O representante da IOPS enfatizou ainda o papel da SBR como incentivo ao aprimoramento contínuo.
Entre as lições aprendidas compartilhadas pela IOPS, ele destacou que a implementação da SBR “deve ser gradual, progressiva, mas nunca levar mais do que três anos” para alcançar plena maturidade, e alertou para desafios comuns na implementação. “Alocação interna de recursos, coleta de dados, expectativa das partes interessadas e o arcabouço legislativo de política pública. É preciso ter uma legislação sólida, robusta para desenvolver o sistema”.
Stańko apresentou experiências de países como Austrália, onde a autoridade supervisora APRA utiliza um modelo com cinco estágios de supervisão, agrupando entidades em quatro camadas com base em porte, complexidade, atividades críticas, sustentabilidade e interconectividade. Na Holanda, destacou o sistema “intensamente automatizado” com pontuações de risco automáticas posteriormente validadas por julgamento humano.
O representante da IOPS também mencionou a adoção crescente da SBR em países africanos, como Quênia (desde 2011), Nigéria (2017), África do Sul (2018), Uganda (2023) e Gana (2024). “Fico muito feliz em ver que a própria indústria está considerando aperfeiçoar a sua prática em SBR e não a percebe como um ônus, mas sim uma ferramenta que permite cumprir os objetivos a que se propõe”, concluiu Stańko, ressaltando a importância do diálogo entre supervisor e indústria.
Fonte: Abrapp em Foco, em 10.12.2025.