Diário dos Fundos de Pensão - Surgem de vários lados sinais claros de que o Judiciário, inclusive os tribunais superiores, começa a compreender melhor o que são e como funcionam os fundos de pensão. Isso a seu ver está de fato acontecendo?
Luis Ricardo Marcondes Martins - Ao longo dos últimos anos o segmento da previdência complementar fechada vem enfrentando expressivo crescimento da judicialização. Muitas destas ações ajuizadas de maneira prematura e por desconhecimento das especificidades do contrato previdenciário, indicaram a necessidade de ampliar e aprofundar o debate sobre a matéria com os membros do Poder Judiciário. Assim, em decorrência de uma união de esforços envolvendo diversos atores e profissionais do sistema, liderados pela Abrapp, informações técnicas foram levadas aos magistrados permitindo que os processos fossem decididos de forma harmônica com as premissas do nosso regime, impedindo assim sua descaracterização. Observamos atualmente decisões judiciais proferidas pelas mais diversas cortes de Justiça, em especial o STJ, responsável por apreciar a legislação federal regedora da previdência complementar, analisando com brilhantismo os complexos conceitos da previdência complementar.
Diário - A Abrapp e suas associadas empreenderam reconhecidamente ao longo do tempo uma árdua luta no intuito de levar todo o esclarecimento possível a magistrados, desembargadores e ministros. Quais das iniciativas consideraria as mais importantes?
Luís Ricardo - Acredito que este resultado exitoso seja fruto de uma união de esforços de diversos atores do sistema, assim entendido as entidades, as associações, os órgãos do Governo (em especial a SPPC e a PREVIC), de diversos profissionais que militam na área (referência especial aos advogados), e principalmente de lideranças e formadores de opinião, que no momento certo tiveram a sensibilidade de que algo mais deveria ser feito para levar ao Judiciário o melhor entendimento do tema. A coordenação e o envolvimento dos dirigentes da ABRAPP, somada a ampla atuação e mobilização no âmbito das cortes superiores em Brasília, notadamente no STJ, foram iniciativas fundamentais para a consolidação deste novo cenário. E aqui não poderia deixar de registrar a visão estratégica do Dr. Devanir (Abrapp), o envolvimento direto do Dr. Jaime Mariz (SPPC) e do Dr. Carlos de Paula (PREVIC), além do competente e árduo trabalho conduzido pelo escritório do Dr. Adacir Reis.
Diário - Lembra de algum desses momentos em particular, algo que ficou gravado na memória pelos frutos que gerou?
Luis Ricardo - O histórico julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal que, segundo a diretriz trazida com o parágrafo 2º do art. 202, da CF, reconhecendo a competência da Justiça Comum para julgar questões envolvendo a previdência complementar, é um momento que ficou na memória, até porque naquele dia tive o privilégio de assistir no plenário do STF o julgamento. Este tema trazia muita insegurança para todo o sistema, pois decisões contraditórias eram proferidas nos processos que tramitavam entre a justiça comum e a trabalhista, acarretando inclusive custos administrativos elevados para as entidades. Com aquela decisão, por 6 (seis) votos a 3 (três), cuja tese vencedora coube a então Relatora originária Ministra Ellen Gracie (já aposentada), foi definido o caminho a ser trilhado quanto a qualquer tema envolvendo o contrato previdenciário for objeto de discussão no Judiciário.
Diário - Entre as decisões recentes da Justiça destacaria alguma em particular, como símbolo desse novo momento?
Luis Ricardo - Quanto as recentes decisões judiciais, destacaria algumas. Por exemplo, a relativa ao CDC. Essa decisão histórica mostra que o Judiciário realmente está compreendendo melhor o funcionamento das entidades fechadas de previdência complementar. Foi um trabalho árduo, pois se trata de uma súmula. A Abrapp, como disse, com o apoio do sistema e, em especial, de um grupo de fundos de pensão, sob a condução do escritório do Dr. Adacir Reis, buscou uma convergência de esforços, com a realização de seminários, palestras, audiências e sustentações orais, além da elaboração de petições, artigos, pareceres, livros e memoriais. A Súmula 321 veio em 2005, na sequência das discussões sobre a aplicação do CDC para o sistema financeiro. Mas como todos sabemos, as entidades associadas à Abrapp não são empresas que praticam suas atividades no mercado de consumo. Nos últimos anos o STJ enfrentou grandes questões relacionadas aos fundos de pensão. Todos esses julgamentos propiciaram que as Leis Complementares 108 e 109 fossem debatidas em profundidade pelo STJ, a ponto de seus integrantes concluírem que se há uma legislação especial que disciplina o sistema e protege os participantes dos planos previdenciários, não há razão jurídica para se aplicar o CDC, um diploma legal importante, mas que se volta para regular outras realidades do mercado consumidor.
Outro ponto diz respeito ao prazo decadencial para anulação de negócio jurídico. Tivemos, recentemente, outra boa notícia, que diz respeito a prazos para ajuizamento de ações. Até recentemente, o STJ entendia que as ações sobre previdência complementar, questionando alterações contratuais, podiam ser interpostas em qualquer tempo, porque envolveriam prestações previdenciárias de trato sucessivo. Isso trazia uma insegurança muito grande. Depois de um grande debate no STJ essa jurisprudência mudou. Em uma divergência inaugurada pela Ministra Maria Isabel Gallotti, depois encampada pela maioria dos Ministros da Seção de Direito Privado, o Tribunal passou a considerar que a impugnação da chamada situação jurídica fundamental, em ações em que se questiona o próprio fundo de direito consubstanciado em alteração contratual, incide o prazo decadencial de quatro anos a contar da data de alteração do contrato previdenciário. Em outras palavras, para as ações judiciais que, a pretexto de majorar benefício, pretendem na verdade desconstituir ou invalidar o próprio negócio jurídico pactuado, opera-se a decadência. Com isso, em tais situações, perde-se depois de certo tempo o direito de levar a questão ao Judiciário, o que é bom para o nosso sistema, que precisa de previsibilidade. Essa discussão começou no caso da MBM Previdência Privada e avançou para o caso da Funcef, no RESP 1.310.114/RS, cujo acórdão foi publicado na semana passada e estabeleceu na sua ementa: “O prazo para ajuizamento de ação vindicando anulação de pactuação firmada entre entidade de previdência privada e ex-participantes, participantes ou assistidos de plano de benefícios de previdência privada é de quatro anos”. Todos os advogados que contribuíram para essa evolução jurisprudencial estão de parabéns, em especial os da Funcef e os da Abrapp.
Dentre os temas debatidos no Judiciário, registraria ainda a discussão envolvendo a impossibilidade de cobrança das contribuições sociais do PIS e da COFINS, fundamental para a desoneração do sistema.
Ora, as entidades fechadas de previdência complementar não têm finalidade lucrativa e não possuem outro objetivo senão pagar benefícios para seus associados. Há uma discussão sobre conceito de faturamento, receita bruta e receita própria. De um modo geral, é preciso enfatizar que faturamento é um conceito típico de sociedades comerciais, que desenvolvem atividade mercantil. Isso não tem nada a ver com as entidades fechadas de previdência complementar. O conceito de receita própria também é impróprio para nosso setor. Por consequência, a cobrança de PIS e COFINS nos parece indevida. A Funpresp-Judiciário e a Funpresp-Executivo, assim como os demais fundos de pensão, estão sendo obrigados a onerar seus planos de benefícios com o pagamento de tais tributos. A Abrapp, por meio de nossa advogada Patrícia Linhares, pediu o ingresso como amicus curiae em vários recursos extraordinários que tramitam no Supremo Tribunal Federal. Já participamos de audiências com alguns ministros do STF. Em primeiro lugar, pretendemos mostrar que não podemos ser alcançados pelo leading case dos bancos, em que se problematiza a base de incidência para PIS e COFINS. Em segundo lugar, pretendemos convencer os ilustres membros do STF que essa cobrança de PIS e COFINS, no caso do nosso setor, é indevida. Na verdade não tem base de incidência. Nossa tese já conta com um parecer favorável do Procurador Geral da República e estamos esperançosos em virar esse jogo no Supremo.
Diário - Este ano realizamos o 10º Encontro Nacional dos Advogados das Entidades Fechadas de Previdência Complementar, com a participação de mais de 300 pessoas. Há vários anos, na verdade, o ENAPC tornou-se um dos maiores eventos do sistema logo após o Congresso anual. No que esse tipo de mobilização ajudou?
Luís Ricardo - O ENAPC já está consolidado como evento de destaque no nosso calendário. Penso que os diversos e controvertidos temas debatidos nesses 10 (dez) últimos anos de sua realização, com a presença maciça de advogados das entidades, dos maiores estudiosos da previdência complementar proferindo palestras magníficas, verdadeiras aulas, contando inclusive com Ministros do STJ, se revelaram fundamentais para um melhor entendimento da previdência complementar, ajudando para que decisões judiciais discorressem acertadamente sobre os princípios maiores do regime, expressamente estabelecidos no art. 202 e parágrafos, da Constituição Federal.
Diário - Qual o papel do CEJUPREV nesse esforço?
Luis Ricardo - A participação do CEJUPREV foi essencial, até porque um dos seus objetivos é justamente a promoção de iniciativas para a disseminação da doutrina jurídica da Previdência Complementar aos membros do Poder Judiciário. Ele foi criado justamente para enfrentar o fenômeno da judicialização, objetivando fomentar o conhecimento e estimular o debate. Vale lembrar que desde sua criação, em 2010, o CEJUPREV vem participando ativamente de eventos em parceria com associações e escolas de magistrados, realizando seminários, mesas-redondas, disseminando as teses jurídicas e incentivando a elaboração de vasto material doutrinário para os crescentes desafios em assuntos jurídicos da previdência complementar. Atualmente coordenado pelo Dr. José de Souza Mendonça, profundo conhecedor do nosso sistema, vários trabalhos já foram publicados sob a condução do CEJUPREV, todos fundamentais para essa melhor compreensão pelo Judiciário. Destaco as seguintes publicações: "Fundamentos Jurídicos da Previdência Complementar"; “A Inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar”; “Dicionário de Previdência Complementar”.
Diário - Acredita que com isso a judicialização vai começar a preocupar menos no futuro?
Luis Ricardo - Há clara demonstração de que os membros das mais altas cortes estão ficando esclarecidos sobre como funcionam os fundos de pensão, e como seus complexos e peculiares institutos devem ser aplicados. A consolidação dessa correta jurisprudência, principalmente no âmbito do STJ, certamente vai reduzir o número de processos judiciais. Mas não é o suficiente. A judicialização tem que ser debatida nas faculdades de direito, de modo a desestimular o próprio advogado a incentivar seu cliente a ingressar em juízo. Precisamos buscar outras alternativas para solução dos conflitos, como a mediação, conciliação e arbitragem. A Previc, com o objetivo de solucionar conflitos entre os fundos de pensão, patrocinadores, instituidores e participantes, criou a Comissão de Mediação, Conciliação e Arbitragem (CMCA), e este é o caminho. Aqui vale destacar o competente trabalho que vem sendo desenvolvido pelos Procuradores que atuam na Previc, sob a liderança do procurador-chefe Fábio Lucas e o do coordenador Danilo Ribeiro, que vêm atuando ativamente pelo fortalecimento da previdência complementar, e que também enxergam na CMCA da Previc, uma saída para diminuição da judicialização, até porque, desde a criação desta Comissão, mais de 80 (oitenta) casos de conflitos já foram solucionados.
Fonte: Diário dos Fundos de Pensão, em 30.09.2015.