Por Rogéria Gieremek (*)
Apesar do aniversário de um ano da Lei Anticorrupção (nº 12.846/2013), seu texto ainda aguarda a regulamentação desde o primeiro semestre de 2014 na Casa Civil da Presidência da República. Entretanto, é inegável que essa norma já traz consequências para a sociedade brasileira, especialmente para as empresas.
Uma delas é o surgimento de uma nova forma de encarar o Compliance, que deixa de ser visto apenas como um custo a mais, para tornar-se fonte de recursos ou auxiliar para a realização de negócios.
Desde o advento da lei, multiplicaram-se os cursos sobre Compliance e Lei Anticorrupção brasileira. Isso porque há cada vez mais pessoas interessadas em saber sobre o assunto para entender em que medida essas regras podem modificar ou impactar suas vidas e das empresas nas quais trabalham.
Para tanto, os escritórios de advocacia e as empresas de consultoria estão se aparelhando e oferecendo assistência às companhias nessa matéria. Nunca se discutiu tanto a confecção de códigos de conduta, políticas e procedimentos, a fim de normatizar padrões aceitáveis de atuação e postura e estabelecer punições para o descumprimento. Canais de denúncias e investigações também são oferecidos e precificados como linhas de negócios para esses players.
Enquanto as multinacionais já estão familiarizadas com essas práticas – sujeitas às normativas internacionais anticorrupção, como o FCPA e a UK Bribery Act –, as sociedades brasileiras não se mostravam tão preocupadas com o claro estabelecimento de regras voltadas a dar transparência aos negócios e a evitar qualquer ato que pudesse dar a impressão de tratar-se de corrupção.
Agora, graças à lei brasileira, as empresas têm procurado entender melhor os mecanismos de Compliance, a fim de garantir que tenham lugar num mercado que começa a valorizar as melhores práticas. A boa governança corporativa necessariamente deve compreender normas e políticas voltadas a assegurar a higidez nos negócios. Assim, ao contratar um fornecedor ou parceiro comercial, as empresas fazem (ou deveriam fazer), além das pesquisas usuais a fim de verificar a situação econômico-financeira e a reputação profissional da prestadora de serviços/fornecedora de bens, uma due diligence de Compliance, com o objetivo de evitar unir seu nome a alguém que possa estampar as manchetes dos principais jornais e revistas do País por atos de corrupção.
A existência de um sólido programa de Compliance também pode significar a diferença entre conseguir ou não um bom contrato. E nem se diga que, pelo fato de a lei brasileira – ao contrário do que acontece no Reino Unido – regular apenas a contratação entre o Poder Público e os particulares, essa seja uma preocupação somente das empresas que têm negócios com o Governo. Todas as organizações, em alguma medida, relacionam-se com a administração pública: todas, obrigatoriamente, pagam impostos; todas devem obter licenças e alvarás de funcionamento, cumprir posturas municipais, estaduais e federais relativamente às normas ambientais etc. Por isso, a preocupação com a transparência e a regularidade dos negócios passa a ser praxe nas contratações.
Não se pode esquecer que uma das penalidades da lei brasileira (e, talvez, a mais dura de todas elas) é a perda do direito ao recebimento de incentivos fiscais, doações e empréstimos feitos por empresas ou instituições financeiras públicas – como BNDES, dentre outras -, quando se sabe que há grandes corporações que se valem desses valores para realizar investimentos e melhorias nos seus processos produtivos. Obviamente, esses organismos também estão adotando mais cautela na hora de definir a destinação de seus recursos.
Portanto, além de evitar perdas (financeiras e de imagem), Compliance passa a ser também um auxiliar importante na captação de recursos e nas contratações, além de forte aliado na retenção e atração de talentos que queiram trabalhar para organizações limpas, nas quais possam desenvolver as suas funções com orgulho e a certeza de não estar praticando ou colaborando com qualquer ilegalidade.
(*) Rogéria Gieremek é Advogada há 27 anos é Mestre em Direito pela PUC/SP. Atualmente é Presidente da Comissão Permanente de Compliance do IASP – Instituto dos Advogados de São Paulo, membro do Jurídico de Saias e Head de Compliance Latam da Serasa Experian.
Fonte: Jus Econômico, em 29.01.2015.