Evento da FenSeg lista cuidados relevantes que subscritores devem observar antes da aceitação
O Seminário de Riscos de Engenharia, iniciativa da Comissão de Riscos de Engenharia da Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg), realizado nesta terça-feira (27), no auditório do Sindicato das Seguradoras de São Paulo, chamou a atenção do público-alvo – funcionários de seguradoras e resseguradoras – para aspectos técnicos relevantes na subscrição de riscos de obras de engenharia. Entre os mais citados estão a necessidade de uma vistoria prévia detalhada; a importância de conhecimento de aspectos variados como condições geológicas do solo, situação dos imóveis na vizinhança do empreendimento; e a verificação da qualidade do fator humano.
Fabio Carbonari, consultor e professor em cursos técnicos voltados para a área de seguros, incluindo o MBA em Gerência de Risco e Direito Securitário na Escola Nacional de Seguros, fez um desafio e uma provocação à plateia. “Não dá para fazer uma inspeção prévia a toque de caixa, pressionado pela área comercial. Também não dá para fazer bem-feito sem algum conhecimento técnico sobre os possíveis riscos dos empreendimentos. Vocês têm de estudar, se aperfeiçoar sempre”, comentou Carbonari, na abertura de sua palestra sobre “Solos e Fundações – análise das exposições de risco”.
Para o especialista, uma boa inspeção prévia não pode ser feita no escritório, mas é preciso “pôr o pé na lama”, ir ao local ver se tudo o descrito pelo construtor está em conformidade. “Tem construtor sério no mercado e eles merecem um bom tratamento das seguradoras. É preciso uma seleção prévia dos bons construtores para oferecer uma cobertura ampla. Cláusulas de exclusão são para quem precisa, para quem vai dar problema.”
Fábio Carbonari apresentou uma lista de procedimentos básicos antes de subscrever o risco em uma apólice de uma obra de engenharia: pedir a escritura do terreno; solicitar o código de obra daquele município; pedir a sondagem do terreno (solo e subsolo); ver quem é o topógrafo contratado, para verificar sua qualidade; pedir o projeto arquitetônico e o projeto básico; verificar qual a preparação de canteiro de obras, como almoxarifado, banheiro e tapumes; solicitar o cronograma executivo da obra e o laudo da vizinhança. “Tem gente que acha que o laudo do entorno não é obrigatório, mas pela ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) ele é sim, tem de ter em mãos”, comenta.
Para uma inspeção prévia bem-feita, destacou Carbonari, é preciso que a ficha de informações solicitada para a construtora seja completa e preenchida corretamente. “Hoje tem umas fichas por aí muito pequenas, incompletas. Não pode. Vocês não podem aceitar pressão da área comercial para agilizar a subscrição de risco com base apenas em uma visita ao terreno baldio onde será a construção”, critica, lembrando que é importante solicitar itens como laudos sobre solos, ventos, condições climáticas etc.
Outros detalhamentos importantes que sejam fornecidos pelo construtor, antes que a seguradora aceite o risco, são a planta da fundação, o número de estacas projetadas e sua profundidade e os prazos para cada etapa da obra. “O construtor, por regra, tem de guardar três contraprovas do concreto usado, por caminhão, por pelo menos cinco anos, mas ninguém pergunta onde está o material, como é armazenado etc.”, chama a atenção Carbonari.
O engenheiro criticou a exclusão nas apólices de Responsabilidade Civil (RC) da cobertura de trincas nas casas vizinhas ao empreendimento. “Os principais problemas começam na terraplanagem, no cravamento de perfis laterais no terreno afetando o entorno. Tirar a cobertura de trincas não é certo, mas também não pode incluir uma franquia baixa, de R$ 15 mil, porque o construtor vê que o valor é irrisório e faz a fundação de qualquer jeito, sem cuidado”, explicou Carbonari. “A cobertura precisa existir e a franquia tem de ser mais cara para que o construtor cuide do próprio risco.”
O professor citou um exemplo de economia, feita pelos construtores, e que acaba em sinistros. Durante o processo de fundação de um edifício, quando seriam necessárias várias estacas – soldadas uma a uma para se atingir a profundidade desejada - o construtor decide trocar por uma única de dimensão maior. Neste caso, quando a estaca atinge o ponto de “nega”, em que não é mais possível penetrar no solo, ela começa a envergar. “Dá problema no entorno da obra. Isto mostra que a seguradora precisa pedir documentos sobre o material a ser usado e guardá-lo. Só assim consegue medir adequadamente o risco de engenharia naquele empreendimento", declarou ele.
Fábio Carbonari pediu especial atenção aos empreendimentos cuja fundação utiliza a técnica de solo grampeado, mais rápida e que ganha área para garagens subterrâneas, por exemplo, mas que afetam muito os imóveis do entorno.
Demérito Moura Rebello, engenheiro civil e professor na área de seguros, mostrou um levantamento sobre os principais fatos que geram sinistros em obras de engenharia civil. Realizado por Rebello em 2011, o estudo analisou 16 anos de sinistros e mais de mil ocorrências, com foco apenas em obras de engenharia privada. Dos sinistros, 61% se referem à cobertura por RC e, dentre eles, 54% são de obras com fundações e 7% sem fundações.
O executivo mostrou como são feitos os processos de contenção do terreno para posterior escavação e os sinistros derivados de técnicas equivocadas. “É nesta fase, de contenção de terreno para viabilizar a escavação e tirar a água do solo, que os sinistros ocorrem”, comenta Rebello.
O levantamento mostrou que o grande vilão é no momento do processo de injeção da nata de cimento para a ancoragem da protensão. “Depois, os maiores problemas ocorrem no processo de rebaixamento do lençol freático, seguindo pela escavação inadequada em alguns tipos de solo”, diz.
Erros nestes processos, segundo o professor, tendem a provocar movimento no solo do entorno, afetando a vizinhança com rachaduras e até desabamentos. “No rebaixamento do lençol freático, por exemplo, se vai tirando água em excesso, como ele é contínuo, sai também água debaixo da vizinhança e fica um buraco, afetando os imóveis na superfície”, disse, lembrando que este processo não pode ser interrompido e as casas só podem ser consertadas após a estabilização do terreno.
Demétrio Rebello também chamou a atenção para o terceiro fator de causa de sinistro de RC, segundo o levantamento, que é o fator geológico. “Quando encontrarem um terreno com argila orgânica fiquem atentos ao aceitar um risco porque vai dar problema, é o pior solo que existe”, comenta. “Também fiquem atentos a projetos que exigem um rebaixamento do lençol freático acima de três metros, que é também um sinal de alerta” diz Rebello, que encerrou sua participação no evento lembrando da necessidade de se avaliar o fator humano, muitas vezes deixado de lado pelas seguradoras. “Vai ver quem é o construtor, contrate um bom regulador de sinistro, também um inspetor experiente que consiga prever eventuais sinistros naquela obra.”
Com o tema “Regulação de sinistro envolvendo fundações e serviços correlatos” o engenheiro civil e coordenador da Assessoria da Diretoria – Riscos Especiais da ADDValora, José Luiz Dantas Lucariny, apresentou situações que dificultam a regulação de um sinistro. “Tem ainda muito texto que gera dúvida nas apólices de Responsabilidade Civil. Tem apólice com mais de 100 folhas e o ideal é algo mais direto, enxuto”, comentou Lucariny, mostrando textos de uma apólice do IRB como exemplo.
O especialista deu especial atenção às exclusões. “O texto de eventos cobertos é relativamente simples, mas aí surgem vários itens de exclusão, agrupados de diversas formas.” Lucariny chamou a atenção para um item específico, mas que raramente as seguradoras utilizam para não pagar um sinistro, que é a exigência de comunicação adequada do evento e entrega da documentação. “O segurado tem de comunicar rapidamente a ocorrência para que o regulador do sinistro possa começar a agir. O segurado tem a obrigação de agir rápido para não piorar o dano, assim como deve entregar ao regulador os documentos necessários, também, o mais rápido possível, o que nem sempre ocorre.”
Ele citou alguns itens de exclusão que constam das apólices e que geram problemas, como danos ou despesas não indenizáveis, se referindo a “quaisquer despesas correspondentes a alterações, ampliações retificadas e melhorias nas coisas seguradas, mesmo que junto com despesas indenizáveis”; e à cláusula adicional de manutenção do local – normalmente de até um ano após a obra terminada. “Um bom perito é importante para auxiliar o regulador do sinistro, ele conhece várias questões técnicas de engenharia”, comentou Lucariny, lembrando a importância de acompanhar a obra porque os riscos vão mudando, flutuam de acordo com as etapas da construção. “A seguradora tem de pedir antes da obra toda a documentação possível sobre o projeto, como será executado e em que prazo. Tudo precisa ser documentado”, recomendou.
Lucariny citou alguns cases de projetos que geraram importantes sinistros e que foram difíceis para o regulador atuar. Um deles, em uma hidrelétrica, o vertedouro auxiliar seria, pelo projeto, feito parte de concreto e parte escavado na rocha. Mas a construtora reduziu a parte do concreto e não avisou à seguradora. O risco foi agravado por um problema geológico, já que havia uma junta-falha na rocha. “Quando abriram o vertedouro, mesmo com vazão mínima, causou desplacamento na rocha na parte não coberta por cimento”, disse Lucariny, complementando: “A discussão foi longa e só foi decidido o pagamento da indenização por meio de arbitragem.”
Outro caso, em numa estrada perto de um morro, a pista sempre ficava deformada, consertavam, e a deformidade voltava. O segurado avisou à seguradora, que alegava que a pavimentação foi malfeita. A recusa do pagamento pela seguradora levou a uma contestação pelo segurado, para quem o morro estava empurrando a estrada para cima. “Fui lá e vi uma fenda enorme como as de geleira, o morro estava abrindo”, lembrou Lucariny. “Contratamos outra perícia e afirmaram que o morro estava em deslizamento em cunha, empurrando a estrada para cima. Foi uma regulação longa, desgastaste e de alto custo, que precisou de um terceiro laudo para a decisão final.”
Fonte: FenSeg, em 28.10.2015.