Por Martha Corazza e Jorge Wahl
“Se por um lado não podemos dizer que chegamos ao ideal, por outro lado temos condições de afirmar, sim, que possuímos agora regras de solvência sem dúvida avançadas”, disse ontem o Presidente da Abrapp, José Ribeiro Pena Neto, ao abrir em Brasília o Seminário sobre as Novas Regras de Solvência, evento ao qual estiveram presentes perto de centena e meia de dirigentes e técnicos de entidades e que teve a sua transmissão ao vivo pela internet assistida por um público que ultrapassou a marca de 400 pessoas. Sentado ao seu lado na mesa que abriu os trabalhos, o titular da Previc, Carlos de Paula, resumiu assim: “a missão, mesmo não sendo nada trivial, foi cumprida”, disse ele, chamando a atenção para a complexidade do tema e do que isso exigiu de preparo técnico dos envolvidos nos debates, parabenizando em seguida as equipes da Abrapp, SPPC e Previc. No mesmo espírito, seria preciso reconhecer também a contribuição do Ministro Miguel Rossetto (Trabalho e Previdência Social) e do Secretário Carlos Gabas (Previdêncial Social) à construção do novo regramento, acrescentou em seguida o Secretário Jaime Mariz, que teve as suas palavras no mesmo momento endossadas por todos.
Foram ao todo 3 apresentações, que ofereceram a visão do órgão regulador e os reflexos para o sistema, um quadro geral do novo tripé regulatório e exemplos comparativos dos impactos da nova norma, tendo como expositores Fábio de Sousa Coelho, Diretor de Assuntos Atuariais, Contábeis e Econômicos da Previc, Sílvio Rangel Silveira, Coordenador da Comissão Ad-hoc de Precificação e Solvência da Abrapp, e Antonio Fernando Gazzoni, Diretor da Mercer Human Resource Consulting, e muito espaço para debates e esclarecimento de dúvidas. Mesmo quem assistiu a transmissão pela Internet teve suas perguntas respondidas.
Muitos subsídios - José Ribeiro começou lembrando que os debates a respeito da precificação de ativos e passivos e da questão da solvência começaram a ser travados mais intensamente desde 2011, tendo a Abrapp desde o primeiro momento ajudado a subsidiar esse debate promovendo eventos e atraindo especialistas para dele participar. Agradeceu a todos - atuários, contadores, advogados e outros profissionais - que deram a sua contribuição, como Sílvio Rangel,Coordenador da Comissão Ad Hoc de Precificação e Solvência, e um de seus integrantes, Antônio Fernando Gazzoni, Diretor da Mercer Human Resource Consulting. Estendeu o agradecimento aos técnicos da Previc e SPPC, que “entenderam as razões das propostas apresentadas pela sociedade civil e que melhor traduzem as realidades que conhecem melhor do que ninguém”.
De Paula reconheceu que na Previc inicialmente existiram algumas dúvidas, que se desfizeram com os esclarecimentos recebidos das equipes da Abrapp. “Foi uma discussão que exigiu bastante de todos nós”, observou, acrescentando que valeu a pena por se chegar a um conjunto de regras que favorecem o equilíbrio, mesmo porque respeitam a natureza das entidades. Notou que poderão ser necessários alguns complementos, que viriam sob a forma de novas instruções.
Mariz lembrou que as novas regras nasceram não da preocupação em dar resposta às dificuldades geradas por uma conjuntura difícil como a atual, mas sim do desejo de resolver de forma equilibrada tanto possíveis superávits como eventuais déficits. Nunca houve um foco exclusivo num ou noutro ponto.
Observou que 2015 acabou sendo um bom ano. Além das novas regras que passaram a reger a solvência, o CNPC também aprovou o resgate parcial de reservas no caso de participantes de planos instituídos que enfrentam emergências financeiras. “Nem assim a competição entre entidades fechadas e abertas ficou equilibrada, mas foi dado um passo importante na direção de um maior equilíbrio”, concluiu Mariz.
Incentivos regulatórios alinhados - Resultado de um processo de intensa discussão técnica, a Resolução CNPC 22 surgiu como resposta à necessidade de adequar o modelo de solvência dos fundos de pensão, trazendo uma dinâmica mais adequada e que ofereça os necessários incentivos regulatórios alinhados com o perfil de investidores de longo prazo dessas entidades. A afirmação foi feita nesta quarta-feira pelo diretor de Assunto Atuariais, Contábeis e Econômicos da Previc, Fábio Henrique de Sousa Coelho, durante o seminário sobre as novas regras de solvência. Ele lembrou que os efeitos desfavoráveis da conjuntura dos mercados nos últimos três anos, somados a uma dinâmica pouco adequada de solvência contribuíram para fazer com que o sistema saísse de um déficit total de R$ 8,64 milhões em 2011 para R$ 31,52 milhões em 2014 enquanto o superávit foi reduzido de R$ 42,05 milhões para R$ 25,63 milhões no mesmo período. O quê produziu incentivos regulatórios desalinhados com o perfil dos investidores institucionais de longo prazo e levou ao exacerbamento de uma visão curtoprazista nas decisões de alocações de recursos dos planos. Por conta disso, os gestores passaram a privilegar investimentos com maior previsibilidade de retorno a curto prazo, sem dar o necessário tempo para o retorno de aplicações de longo prazo que permitiriam buscar um retorno melhor. A dinâmica de solvência adotada até agora tem refletido um problema que preocupa reguladores em todo o mundo tanto em relação a empresas e bancos quanto a fundos de pensão, por conta da ciclicidade dos ajustes em momentos de crise. “É nesses momentos que, pelo efeito pró-cíclico, surge uma defasagem entre o período de requerimento e de acumulação de capital, o quê torna essencial o aperfeiçoamento dos incentivos regulatórios”, afirmou o diretor da Previc.
No novo modelo trazido pela Resolução CNPC 22, o equacionamento dos déficits e a destinação de superávits passam a seguir um novo conceito, fundamentado no duration (duração do passivo) de cada plano de benefícios. Atualmente a duration média dos planos administrados pelos fundos de pensão brasileiros varia de 12 a 13 anos, informa Coelho. A nova norma trata exclusivamente dos planos que geram resultados, ou seja, os planos de Benefício Definido e a parcela BD dos planos de Contribuição Variável. A ideia é tratar o equacionamento de déficits e a destinação de superávits de maneira coerente com a duração do passivo de cada plano e suas respectivas características. O limite máximo de déficit sem que houvesse necessidade de equacionamento, que era de 10%, passa a ser equivalente à duration menos 4 x 1% e foi eliminado o gatilho de três anos para déficits consecutivos que tornava obrigatório o equacionamento.
Na norma anterior, havia necessidade de equacionamento do valor integral nos casos de déficits superiores a 10% ou para déficits consecutivos durante três anos, enquanto no novo modelo só haverá necessidade de equacionamento para os déficits que ultrapassarem o limite de duration menos 4. “O tratamento dos déficits sofreu um expressivo aperfeiçoamento porque no modelo anterior não eram contempladas as características específicas de cada plano, tratando a todos de forma idêntica, já a partir da nova Resolução há equidade no tratamento quando se usa a duração como diferencial”, observou o diretor da Previc. Outro aspecto relevante é a limitação ao duration de quatro anos, ou seja, para planos com duration inferior a quatro anos, os eventuais déficits terão que ser equacionados anualmente de maneira integral, com contratos de dívida com garantias reais correspondentes à responsabilidade do patrocinador. Uma preocupação que não existia na regra anterior. Além disso, os planos de equacionamento passam a prever apenas fluxos de contribuições lineares ou decrescentes, não permitindo mais os fluxos crescentes.
Superávits - O tratamento dos superávits também sofreu uma adequação compatível com o novo conceito, lembrou o diretor da Previc. No modelo anterior, era obrigatória a redução efetiva da taxa atuarial e a alteração da tábua, ainda que adequadas ao plano, com reflexo nos planos CV (redução de benefícios) e BD (aumento de custos). Na atual norma, será possível deduzir da reserva a ser destinada o correspondente a 1% de redução de taxa atuarial e alteração da tábua atuarial, sem alterar as hipóteses adotada pelo plano. A regra, portanto, traz a possibilidade de proporcionalização das regras de solvência em função de características individuais dos planos (duração do passivo), destacou Fábio Coelho. Além disso, foram introduzidas salvaguardas essenciais frente ao efeito dos cenários adversos dos mercados e da alta volatilidade dos retornos de modo a não comprometer a visão de longo prazo dos investimentos.
O consultor Antonio Fernando Gazzoni, da Mercer Human Resource Consulting e um dos membros da Comissão Ad-hoc de Precificação e Solvência, lembrou que no caso de destinação de superávit os parâmetros mínimos exigidos não foram alterados, o que mudou foi o aperfeiçoamento de sua aplicação. Entre as melhorias introduzidas pela nova norma ele lembrou que o plano de benefícios poderá manter suas premissas aderentes em caso de destinação de superávit. A constituição de reserva de contingência até o limite de 25% do valor das provisões matemáticas ou até o limite calculado pela fórmula a seguir, o que for menor: Limite da Reserva de Contingência = (10% + 1% × duração do passivo ) × provisão matemática. O plano de benefícios poderá manter suas premissas em caso de destinação, observando os testes de adequação de hipóteses. “Na destinação de superávit, o plano deverá deduzir da reserva especial a destinar os valores correspondentes à diferença positiva entre as provisões matemáticas calculadas com as hipóteses mínimas exigidas na norma e as hipóteses efetivamente utilizadas no plano. O impacto das premissas mínimas deve ser deduzido da reserva especial”, completou Gazzoni.
Compatível com o tratamento diferenciado trazido pela nova regra e confirmando a ideia de que cada plano é um caso, as simulações feitas por Gazzoni mostraram, entre outros pontos, que planos superavitários sem reserva especial hoje e com duração do passivo inferior a 15 anos podem passar a ter reserva especial na nova regra. Ao mesmo tempo, planos superavitários com reserva especial hoje e com duração do passivo inferior a 15 anos terão com certeza aumento da reserva especial na nova regra. Por outro lado, planos superavitários e com duração do passivo maior ou igual a 15 anos não terão alteração das reservas de contingência e/ou especial dentro do novo modelo.
Tempo é o diferencial - A adoção do conceito de duration e, portanto, de tempo, é o grande diferencial da nova regra, lembra o coordenador da Comissão Ad-hoc de Precificação e Solvência que discutiu o assunto no âmbito do CNPC, Sílvio Rangel. O tempo é a grande diferença entre os produtos financeiros e os previdenciários porque num produto financeiro o resgate iminente justifica a visão de curto prazo e a marcação a mercado, mas não se pode tratar da mesma maneira os recursos de participantes de diversas faixas etárias. “Não é razoável imaginar ter a mesma estratégia de investimentos para todos eles e era fundamental que um novo conceito de solvência viesse complementar a mudança nas regras de precificação dos ativos e passivos dos fundos de pensão, já concretizada em 2014”, afirmou Rangel. Ele reforça o fato de que a norma anterior influenciava as políticas de investimento incentivando o curto prazo e as reações pró-cíclicas. “A discussão regulatória não pode ser só técnica mas deve buscar também o equilíbrio do ambiente regulatório e a regra de solvência estava inadequada”. A mudança, lembrou Rangel, não pode ser vista isoladamente mas como parte de um tripé que deverá mudar a visão das próprias políticas de investimento das EFPC daqui para a frente: a adequação das normas de precificação de ativos, de passivos e de solvência.
Rangel observou que, ao contrário de alguns questionamentos, a nova regra não significa uma zona de conforto para quem estiver deficitário. “É importante lembrar que o critério agora apenas distribui melhor o equacionamento ao longo do tempo, ele fica mais equilibrado do ponto de vista geracional porque o déficit pertence a todas as gerações de participantes, mas quem não conseguir gerar resultados melhores terá que equacionar o déficit do mesmo modo”. Vale lembrar que o limite de déficit previsto pelo novo modelo decairá mais rapidamente em reais do que em percentuais, o que mantém clara a necessidade de fazer o equacionamento e está longe de produzir uma “zona de conforto”, afirmou Rangel.
Esforço de equacionamento - A nova regra não significa tolerância ao déficit indefinidamente, ressaltou Gazzoni. “A redução gradativa da duração do passivo e das provisões matemáticas resulta em cada vez maior necessidade de equacionamento até que o plano se equilibre”, afirmou o consultor. Isso exigirá maior esforço de ajuste nos primeiros anos. Além disso, ao contrário da regra anterior, que permitia déficits a qualquer tempo, a nova modelagem não tolera déficits para planos que tenham duration inferior a quatro anos.
Um aspecto destacado pelos especialistas durante o seminário foi o fato de que nem sempre serão necessários diversos planos de equacionamento sucessivos para chegar ao equilíbrio. “As simulações feitas hoje e que mostram a necessidade de vários planos para equacionar déficits levam em conta um cenário em que o mercado continuará hostil, sem possibilidade de obter melhores rentabilidades, mas considerando a perspectiva de recuperação dos mercados, será possível atingir o equilíbrio sem ter que disparar tantos planos”, explicou Rangel. Em uma das simulações apresentadas por Gazzoni, por exemplo, um plano com taxa de juros de 5% e rentabilidade futura esperada de 5%, portanto sem qualquer ganho, duration de 12,22 anos e prazo de equacionamento de 18 anos para um déficit técnico inicial de 10%, poderia levar 42 anos para chegar ao equilíbrio, com a implementação de 14 planos de equacionamentos mínimos não consecutivos até o equilíbrio total. “Ele chegaria a uma situação de equilíbrio no ano 43 ou duration de 4,3 anos. Mas cada plano é um caso e uma história diferente, seja em relação ao superávit como ao déficit”, lembra o consultor.
Prazos e responsabilidades - Entre as principais dúvidas levantadas pelos representantes do sistema que participaram do seminário pessoalmente ou via web esteve a questão do prazo para implementação dos planos de equacionamento. De acordo com a Resolução 22, o prazo é de 60 dias a partir da aprovação pelo Conselho Deliberativo. A adoção da nova regra, explicou Fábio Coelho, é opcional para o exercício de 2015 e será obrigatória apenas a partir do exercício de 2016. No caso das EFPC que já estavam com planos de equacionamento em curso relativos ao exercício de 2015 e queiram adotar a nova sistemática ele reconhece que o prazo está curto porque essa decisão terá que ser aprovada pelas instâncias internas de governança, mas afirmou que a Previc está examinando diversos pleitos para ajustes temporais.
Surgiram dúvidas também em relação ao modo de contabilização do novo critério mas Sílvio Rangel lembrou que nada mudou no caso do déficit contábil. “O sistema está elaborando proposta para a criação de um Demonstrativo de Solvência, que seria complementar e incluiria déficits e superávits a serem destinados do ponto de vista da solvência, sem mexer na contabilidade, o que dará maior clareza para que todos possam compreender os números”, disse Rangel.
Outra dúvida diz respeito à eventual incompatibilidade entre o novo conceito e as normas relativas a investimentos, ditadas pela Resolução CMN 3.792 que não levam diferentes durations em conta na hora de estabelecer limites. “Não sei se a norma geral deveria incluir esse tipo de diferenciação para os investimentos, mas as normas internas das EFPC, que definem os limites de alocação deveriam considerar esse conceito e ajustar suas decisões de investimento ao horizonte de tempo de cada plano”, observou Sílvio Rangel. Para Fábio Coelho, seria difícil incluir isso na norma geral, mas a própria mudança trazida pela Resolução 22 já abrirá novas perspectivas para as decisões de investimento ao adequar as regras de solvência às necessidades de longo prazo. A flexibilização da norma de solvência vem acompanhada do exercício da responsabilidade pelos gestores dos fundos de pensão, lembrou o diretor de Análise Técnica da Previc, José Roberto Ferreira. “A responsabilidade é essencial e se um gestor perceber que haverá incapacidade de gerar determinado alfa ao longo do tempo, o que poderá representar um problema estrutural para o plano, esperamos que haja responsabilidade suficiente no ato regular de gestão”.
Fonte: Diário dos Fundos de Pensão, em 10.12.2015