Por Marcos José Gregory Zimmermann[1]
1. INTRODUÇÃO
O seguro paramétrico vem se consolidando como um produto inovador no mercado securitário, por oferecer abordagens diferenciadas na gestão de riscos e alternativas ou complementações aos modelos tradicionais de seguro rural. O presente artigo objetiva investigar o conceito e o impacto dessa modalidade, explorando seu aproveitamento e vantagens para setor do agronegócio, bem como, quais os principais desafios a serem enfrentados para sua operacionalização e solidificação no mercado.
A agricultura, como se sabe, é uma atividade altamente dependente de fatores do clima. E as intensas mudanças climáticas evidenciadas nos últimos anos impactam negativamente a produção em diversas regiões do mundo, afetando a economia global e a segurança alimentar.
São exemplos dessas mudanças e das implicações para o mercado as novas ondas de seca no oeste dos Estados Unidos, que reduzem a produção de frutas e cereais na região que é considerada o cinturão agrícola do país[2]. Também os verões cada vez mais quentes e secos na Europa, fazendo com que países mediterrâneos como Espanha e Itália registrem inéditas quedas de produção em vinhedos[3] e olivais. Na África Subsaariana, as secas prolongadas na região do Sahel têm reduzido, a cada ano, as produções de cereais, como o milho[4]; A Índia tem experimentado ondas de calor extremas, que afetam a produtividade de culturas como trigo e algodão[5]. E no Brasil, alternâncias de chuvas intensas e secas prolongadas afetam, cada vez mais, a produção de soja e milho, principalmente na Região Sul – esta, inclusive, afetada pelas grandes inundações ocorridas no ano de 2024.
Tratando-se de circunstância aleatória, que foge do controle dos produtores, a adoção de estratégias que minimizem os impactos adversos torna-se cada vez mais relevante e o instituto do seguro se evidencia como uma ferramenta de mitigação de riscos econômicos dos agentes e um importante catalisador da atividade rural no Brasil.
Mas, na medida em que a sociedade em geral lida com os efeitos cada vez mais severos dessas mudanças climáticas e a redução da produtividade agrícola, o mercado segurador se encontra, também, frente a grandes desafios, tanto de operação quanto de concepção de novos produtos e subscrição de riscos aptos a reduzir as consequências dessas transformações. Além disso, o avanço da tecnologia tem gerado, cada vez mais, impactos relevantes para a evolução das ciências atuariais.
Faz sentido, portanto, uma diferente abordagem operacional ou que novos tipos de cobertura de seguro sejam apresentadas ao mercado como forma de ampliar coberturas, tornar mais compreensível e objetiva a delimitação de riscos asseguráveis, oferecer a abrangência específica exigida por novos modelos de negócio e, sobretudo, agilizar os processos de indenização securitária, após ocorrência do sinistro.
O seguro paramétrico, simplificando a base operacional e viabilizando a subscrição de riscos, principalmente, pela consideração de novas tecnologias até então menos aplicadas no cálculo atuarial (como sensoriamento remoto e de dados via satélite, big data, etc), apresenta-se como uma complementação viável ou mesmo um alternativa ao modelo tradicional, reduzindo custos específicos e ampliando o acesso à proteção securitária de um público que, na dinâmica moderna do agronegócio, busca uma cobertura cada vez mais personalizada. Além disso, viabiliza um regramento e uma regulação de sinistro mais célere e transparente, o que é absolutamente salutar na proteção financeira do negócio.
O produto ganha importância, também, considerando as atuais dificuldades operacionais que envolvem o modelo tradicional do seguro rural, decorrente de novos e muitas vezes inesperados custos de atividade, que acarretam em desequilíbrios econômicos dos contratos. Tais desiquilíbrios, conforme se sabe, são potencialmente nocivos ao contrato de seguro, por afetarem diretamente o mutualismo, como elemento essencial do negócio. Acabam gerando desgastes entre as partes contratantes, aumentam a litigiosidade e oneram, não apenas cada contrato individualizado, mas todo o mercado securitário, reduzindo, ao cabo, o grau de confiança do público consumidor.
De toda forma, tratando-se de modelo relativamente novo, principalmente no Brasil, mostra-se importante solidificar alguns conceitos-chave da estrutura técnica do seguro paramétrico. Persistem, hoje, muitas dúvidas a respeito de seu alcance de mercado e de sua natureza jurídica, de modo que presente artigo buscará responder a algumas destas questões preliminares.
2. O QUE É SEGURO PARAMÉTRICO?
Trata-se de modalidade de seguro que utiliza, para verificação da ocorrência do sinistro ou para quantificação da indenização securitária, um ou mais parâmetros (também chamados índices paramétricos), preestabelecidos contratualmente entre segurado e seguradora.
São chamados de seguros paramétricos, justamente, porque esses parâmetros, como gatilhos da verificação do risco indenizável, são definidos com base em uma ou em um conjunto de métricas preestabelecidas, conhecidas e aferíveis pelos contratantes. O pagamento decorre, portanto, da perfectibilização de um evento predefinido e da correspondente presunção do dano, mediante uma indenização preestabelecida.
O índice paramétrico, que serve para aferir a ocorrência do sinistro e/ou quantificação da indenização, pode ser definido de várias formas, a depender do modelo de negócio ou do risco assegurado. Como exemplo primário, tratando-se de seguro rural, tem-se a variável agrometeorológica, pela qual é possível estabelecer paralelos objetivos de prejudicialidade entre a variação do clima e a produtividade de determinado cultivo. Também as variáveis de produção regional ou de preço do produto podem ser consideradas como parâmetro de verificação do fato ou para cálculo da indenização.
Podem ser considerados índices paramétricos, dentre outros eventos do clima, os níveis de precipitação pluviométrica, de incidência solar, ocorrência de granizo, geadas ou a velocidade dos ventos em determinado período e região. Para quantificação indenizatória, o índice paramétrico pode envolver, exemplificativamente, certo padrão de qualidade/quantidade do cultivo. Esses parâmetros podem operar de maneira isolada ou conjuntamente para compor o índice paramétrico predeterminado em cada apólice e o atingimento do índice servirá de gatilho para conclusão de sinistro e pagamento da indenização.
Definição importante, nesse sentido, pode ser extraída do site do Ministério da Agricultura e Pecuária[6]:
##O seguro paramétrico, ou seguro de índice, funciona baseado na definição de parâmetros para a ocorrência de eventos naturais. Caso o índice paramétrico estipulado seja alcançado ou excedido, a cobertura da apólice pode ser acionada. Por exemplo, no caso de chuva excessiva, um dos indicadores é uma precipitação pluviométrica superior a um determinado índice acordado entre o produtor rural e a seguradora. Trata-se, assim, de um modelo diferente do tradicional, que é estabelecido em virtude da ocorrência de um evento climático.
Observe-se que, nesse tipo de seguro, as perdas do Segurado não são avaliadas in loco, sendo a indenização calculada, não com base no princípio indenitário, após concluídas as diversas etapas de regulação de sinistro, mas apenas de acordo com a incidência ou variação do índice utilizado como referência.
3. ORIGENS DO SEGURO PARAMÉTRICO NO MUNDO E EVOLUÇÃO DA UTILIZAÇÃO NO BRASIL
Não existem estudos unificados a respeito do tema, mas é possível assentar a origem do seguro paramétrico na necessidade de mitigação de riscos decorrentes de grandes catástrofes climáticas, especialmente, a partir da década de 90.
Segundo K. James Sullivan[7], um dos primeiros exemplos de seguro paramétrico foi uma apólice emitida abril de 1999 para proteger a Disneyland Tokyo contra terremotos, estabelecendo uma cobertura de $100 milhões de dólares em caso de atingimento de determinado índice de magnitude do evento.
Em 2007 foi fundada a Caribbean Catastrophe Risk Insurance Facility (CCRIF)[8], ainda hoje em atividade e considerado primeira seguradora do mundo a operar de forma especializada em seguros paramétricos. Sua atuação, voltada para proteção de riscos decorrentes, sobretudo, de furacões e terremotos, ocorre de forma multinacional, setorizada em países caribenhos.
De forma similar, a African Risk Capacity (ARC)[9], é uma seguradora fundada em 2014, atuante nos estados membros da União Africana, que fornece serviços especializados de seguro paramétrico para riscos, não apenas decorrentes de mudanças climáticas, mas também epidemiológicos – uma necessidade premente dos países envolvidos.
Em 2017, a Swiss Re Corporate Solutions foi vencedora do prêmio de Produto/Serviço Mais Inovador pelo Insur8, pelo desenvolvimento de cobertura contra perdas financeiras decorrentes de tufões no território de Hong Kong[10].
Já a aplicação do seguro paramétrico na proteção da atividade rural é um pouco mais recente, sendo que o Banco Mundial publicou, em 2011, o Weather Index Insurance for Agriculture[11] para promover o uso do seguro paramétrico como ferramenta de gestão de riscos na agricultura e segurança alimentar, principalmente, em países em desenvolvimento, que são aqueles mais atingidos pelas oscilações de produção.
No Brasil, o seguro paramétrico tem raízes no setor de energia eólica, pela utilização dos níveis de velocidade de vento como índice em coberturas de redução de produtividade elétrica em cata-ventos. Apenas recentemente tem expandido sua atuação para o setor agro, mas tem apresentado propostas bastante interessantes.
A primeira apólice de seguro paramétrico rural do Brasil foi emitida pela Swiss RE em 2017[12], abrangendo proteção de lavouras de soja, milho e algodão cultivadas por empresa segurada nos Estados de Mato Grosso, Minas Gerais e Bahia,
Em 28/09/2020 o Comitê Gestor Interministerial do Seguro Rural aprovou a Resolução nº 79, estabelecendo, em relação ao seguro paramétrico, o percentual de subvenção de prêmio em 20%, para qualquer atividade.
E em agosto de 2021, o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) foi incluído, pela primeira vez, como agente de liquidação para gerar e fornecer o relatório do índice paramétrico em apólice de seguro de produção de cacau, emitida pela NEWE Seguros S.A[13]. Aliás, foi no contexto desta cobertura que foi posteriormente realizado o primeiro pagamento de indenização securitária paramétrica no país, em dezembro de 2023[14].
4. APLICAÇÕES DO SEGURO PARAMÉTRICO RURAL
Conforme já referido, o risco e a incerteza se apresentam de forma variada, mas sempre constante na atividade rural. Estão associados às instabilidades do clima, à elevada sazonalidade dos ciclos de produção, às distâncias geográficas e os custos de transporte entre o produtor e o consumidor, dentre outros. Além disso, são comuns as volubilidades das políticas públicas de incentivo da atividade, situação que afeta, principalmente, países em desenvolvimento.
O seguro paramétrico surge, nesse sentido, como uma importante e inovadora ferramenta, seja isoladamente ou em complementação ao seguro tradicional, para mitigação de riscos e proteção do produtor contra perdas decorrentes de intempéries climáticas ou, mesmo, contra eventos catastróficos, como foi caso das enchentes que tristemente afetaram o Rio Grande do Sul no ano de 2024.
E, sendo esse tipo de seguro ativado com base no atingimento de índices predeterminados, seu aproveitamento pode se dar nas mais diversas culturas agrícolas, a depender da disponibilidade de parâmetros específicos e relevantes para a incidência do risco em cada situação.
Por exemplo, em relação à cultura de cacau, já acima destacada pela atuação do INMET como agente de liquidação e por envolver o primeiro pagamento de indenização de seguro paramétrico no Brasil, há interessante possibilidade de aproveitamento considerando a essencialidade e dependência da produção em relação a um específico volume de chuvas[15];
Também a produtividade da soja pode ser coberta por seguro paramétrico, considerando os estudas acerca da disponibilidade hídrica como causa determinante de variabilidade de rendimentos de grãos nas diversas regiões produtoras brasileiras[16]. Ainda que esse tipo de cultura apresente uma complexidade de fatores, fazendo com que segurados optem, no mais das vezes por coberturas multirriscos, o seguro paramétrico oferece interessantes opções de complementação protetiva, como por exemplo, para a fase de germinação, que necessita de condições ideais de temperatura e absorção de água pela semente, para um desenvolvimento rápido e uniforme.
Em Portugal, já existe o seguro paramétrico vitivinícola, para cobertura de despesas decorrentes de baixa produtividade ou qualidade de uvas destinadas à produção de vinhos[17].
Observa-se que o índice pluviométrico é, em geral, um parâmetro comumente considerado, pois relevante para a produtividade de diversas culturas, sendo de relativamente fácil apuração. Outros índices que podem ser considerados relevantes para o risco agrícola e também auferíveis pela tecnologia já existente, são os de temperatura, umidade do solo, nível de água e rios em reservatórios (disponibilidade hídrica), geadas, granizo, velocidade do vento, radiação solar, ciclones, intensidade de eventos reincidentes (fenômenos El Niño e La Niña), etc.
Ou seja, qualquer parâmetro climático apurável, aditável e relevante para determinada cultura pode ser considerado, isolado ou conjuntamente, para viabilizar, de acordo com a necessidade específica, uma apólice de seguro paramétrico, desde, é claro, que exista uma compatibilização entre o índice a ocorrência de perda na produção.
Através da ciência de dados, que basicamente envolve a correta leitura e interpretação de informações, fatos e números, viabiliza-se a análise estatística e, consequentemente, possibilita-se maior arrojamento na concepção de novos tipos de cobertura que considerem parâmetros climáticos ou mercadológicos adequados para objetivar a afetação de cada tipo de cultura agrícola.
E tanto maior será a abrangência da aplicação quanto mais avançada for a tecnologia aplicada ao setor, lapidando processos de aferição e análise de índices parametrizáveis, em favor da previsibilidade e viabilização do cálculo atuarial.
5. VANTAGENS DO SEGURO PARAMÉTRICO
Do ponto de vista dos produtores rurais segurados, o seguro paramétrico oferece grandes vantagens, sendo a primeira o fomento da transparência e facilitação da compreensão do clausulado contratual e riscos cobertos.
Além disso, a utilização de índices paramétricos predefinidos como gatilhos indenizatórios tem o potencial de tornar mais célere e simplificado o processo de pagamento da indenização, garantindo melhor aplicação desta receita na mitigação dos prejuízos que, por dedução objetiva, serão decorrentes do evento climático causador do sinistro. Aprimora-se, com isso, a eficiência e produtividade das operações securitária e agrícola, reduzindo burocracias administrativas da regulação administrativa e aumentando a previsibilidade e satisfação das expectativas legítimas dos segurados.
Além disso, o seguro paramétrico tende, com o avanço da tecnologia de apuração de dados, a ser mais acessível aos produtores em comparação ao seguro rural tradicional. Isso porque, ao utilizar índices predefinidos, a partir de formas métricas consolidadas, simplifica-se a operação de regulação de sinistro e reduzem-se os custos correlatos, viabilizando o oferecimento de coberturas a valores de prêmio reduzidos.
O seguro paramétrico também possibilita melhor individualização de contratos e coberturas para atender necessidades específicas. Ou seja, fomenta atuações mais estratégicas dos produtores rurais no planejamento do cultivo pela customização da cobertura, diferente dos modelos excessivamente padronizados no seguro tradicional, que nem sempre são interessantes ao produtor.
Além disso, parece bastante acertado deduzir que o seguro paramétrico poderá ampliar o acesso e a extensão de proteção aos pequenos produtores rurais. Trata-se de oportunidade negocial, pois o nicho do pequeno produtor, que representa 84% dos estabelecimentos agropecuários e 25% da produção de alimentos[18], ainda é de baixa penetração pelo mercado de seguros do Brasil.
Para as seguradoras, além da ampliação da base de atuação, o seguro paramétrico também se mostra vantajoso. Reduz, a princípio, a assimetria informacional do contrato, favorecendo a interpretação jurídica-legal da avença, reduzindo a litigiosidade e oferecendo melhor previsibilidade para o negócio.
Além disso, conforme já referido, esse tipo de seguro tende a diminuir o custo administrativo das operações de contratação, predeterminação de risco e regulação de sinistro, dispensando as vistorias in loco e os complexos e multidisciplinares estudos para avaliar os motivos e a extensão da redução de produtividade, como ocorre no seguro tradicional.
Lembrando, também, que o setor de seguro agrícola, como todos os outros no Brasil, mas de maneira talvez mais intensa, é amplamente prejudicado pelas tentativas de fraude. A parametrização predeterminada dos riscos, objetivamente assentada no contrato, reduz amplamente o chamado Risco Moral do seguro, restringindo as possibilidades de adoção, pelo segurado, de práticas que podem aumentar a probabilidade de sinistro, com vistas ao recebimento da indenização securitária de forma direcionada;
Por fim, tem-se que o seguro paramétrico, potencialmente, tem o condão de reduzir outro grave problema associado ao seguro rural tradicional, que é o da chamada Seleção Adversa. Esta se caracteriza em associação à assimetria informacional pela circunstância de que, na medida em que o prêmio do seguro se torna mais elevado/oneroso, apenas os produtores mais sujeitos ao risco se interessam pela contratação, reduzindo a mutualidade aos indivíduos mais arriscados na carteira de seguro.
Com o seguro paramétrico, considerando a padronização de índices e a sujeição comum dos produtores a riscos objetivos, praticamente elimina-se o problema da seleção adversa.
Por último, cumpre ressaltar que o seguro paramétrico detém interessante possibilidade de associação com os chamados smart contracts, que aplicam tecnologia de auto execução por operar em regras codificadas no blockchain. Nesse tipo de contrato, automatizam-se os processos de verificação – que em relação ao seguro paramétrico podem associar-se ao atingimento objetivo dos índices específicos em fontes de dados preestabelecidas – já liberando o pagamento da indenização securitária, eliminando a necessidade de intermediários e reduzindo os tempos de resposta e adimplemento contratual.
6. DESAFIOS DO SEGURO PARAMÉTRICO
Apesar de todas as vantagens acima destacadas, é certo que o seguro paramétrico enfrenta uma série de desafios que necessitam ser superados para sua melhor operação e popularização no mercado.
A primeira grande dificuldade diz respeito ao chamado Risco Base, que envolve a possibilidade de dissociação entre o índice climático e as perdas reais havidas no cultivo. Ou, em outras palavras, uma incompatibilidade entre o índice adotado e a real consequência (ocorrência ou não de dano efetivo) na produção.
Essa situação pode desconfigurar os objetivos do seguro, ocasionando prejuízos tanto à seguradora quanto ao segurado, pela ocorrência de pagamentos de indenização quando não há a perda efetiva (risco base positivo) ou ausência de indenização quando a perda existe (risco base negativo)[19].
É importante, desse modo, que sejam previstos índices que proporcionem o maior grau de assertividade possível com a perda preresumida, aproximando os parâmetros predeterminados aos resultados esperados e às indenizações estabelecidas.
Ainda, é necessário que as seguradoras ofereçam, nas condições gerais do seguro paramétrico, informações precisas a respeito do Risco Base, inclusive, quando possível, quanto ao percentual de acurácia e correlação existente entre os índices preestabelecidos e as perdas projetadas.
Haverá, naturalmente, menor abrangência de riscos segurados em uma mesma apólice do sistema paramétrico em comparação ao seguro rural tradicional, baseado no modelo all risks e de aspiração indenitária. Por exemplo, apesar dos avanços em relação ao processamento de dados agrometeorológicos, ainda existem limitações de aplicação do sistema paramétrico em relação à pragas e doenças da lavoura, do que podem ocorrer disparidades e lacunas de proteção.
Ou seja, embora a parametrização tenha o condão de reduzir custos em comparação ao seguro indenitário ou multirrisco tradicional, pode não fornecer cobertura ampla para satisfação de todas as necessidades de gerenciamento de risco. Isso, claro, a depender do tipo de plantio e características específicas da produção, sendo que diferentes concepções de produtos são necessárias para diferentes tipos de culturas.
Nesse aspecto, a limitação da base de dados e das técnicas de processamento é também um desafio ao seguro paramétrico, mesmo porque, tratando-se, por exemplo, da utilização de índices climáticos, é necessária uma longa e qualificada série temporal de dados para operacionalizar as probabilidades estatísticas e o cálculo atuarial. Ainda que tais registros sejam existentes e viabilizados em muitas regiões produtoras do Brasil, é certo que existem espaços ainda não mapeados e que a insuficiência de estações meteorológicas, de dados históricos ou aferíveis em tempo real, são entraves para a otimização do seguro paramétrico.
Por fim, importantíssimo que seja fomentada maior capacitação e educação de produtores, seguradoras e, mesmo, do setor regulador, para que a modalidade seja bem compreendida e aplicada. O seguro paramétrico envolve um conceito novo e, para sua correta implantação no mercado, é necessário que seja compreensível pelas partes contratantes, tanto em relação à lógica do sistema de pagamento quanto em relação à abrangência específica dos riscos cobertos.
7. CONCLUSÃO
Verifica-se que o seguro paramétrico é realmente um produto inovador e detém o potencial de produzir excelentes resultados a partir de seu desenvolvimento e aceitação no mercado.
Certamente, apresenta vantagens interessantes em relação ao seguro tradicional, relacionadas à simplificação e melhor compreensão do clausulado e ampla celeridade na regulação de sinistros e liberação de pagamentos, circunstâncias cada vez mais necessárias para superar os desafios de liquidez, dinamizar o fluxo de capital dos produtores rurais e fazer valer seus objetivos na contratação.
Também oferece vantagens interessantes quanto à customização do produto em relação às necessidades específicas de cada segurado, viabilizando uma precificação mais justa e equitativa do prêmio, ampliando o acesso a produtores, em especial os pequenos, à proteção do cultivo.
Além disso, a redução do risco moral e seleção adversa, problemas comuns ao seguro tradicional, também deve ser vista de forma positiva.
O que se espera é que o avanço tecnológico possibilite uma melhoria contínua da idealização e dos resultados práticos do seguro paramétrico. O avanço das técnicas de obtenção e processamento de dados viabilizarão modelagens cada vez mais sofisticadas, aprofundando em relação ao atendimento de necessidades cada vez mais específicas.
De toda forma, são grandes os desafios que o produto enfrenta para sua consolidação no mercado: o problema da ampliação do Risco Base, as dificuldades técnico-atuariais, a limitação da abrangência de riscos cobertos e a necessidade de melhor aculturamento do mercado são fatores que exigem atenção, mas que podem ser superados.
Essa nova modalidade de seguro exige um trabalho considerável para sua melhor implementação e aceitação no mercado. Capacidade técnica, expertise e aprofundamento da base e processamento de dados são necessários, principalmente na fase de concepção para novos produtos e coberturas.
Espera-se, de toda forma, considerando principalmente as vantagens potenciais que o produto apresenta, que os seguros paramétricos amadureçam e se expandam, tornando-se mais uma ferramenta de gerenciamento de risco e fomento da atividade rural no Brasil.
[1] Graduado em Direito pela Universidade Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Especialista em Direito dos Seguros pela Fundação do Ministério Público – FMP e pela Escola Nacional de Seguros - ENS. Advogado com inscrição na OAB-RS sob o n° 80.729. E-mail para contato:
[2] Seca nos EUA ameaça colheita no cinturão agrícola. CANAL RURAL, 30/06/2023. Disponível em https://www.canalrural.com.br/agricultura/agronegocio/seca-nos-eua-ameaca-colheita-no-cinturao-agricola/ . Acesso em 06/11/2024.
[3] Itália perde o título de maior produtor mundial de vinho devido às condições climatéricas e ao míldio. Euronews, 14/09/2023. Disponível em https://pt.euronews.com/cultura/2023/09/14/italia-perde-o-titulo-de-maior-produtor-mundial-de-vinho-devido-as-condicoes-climatericas-#:~:text=Cultura%20Gastronomia-,It%C3%A1lia%20perde%20o%20t%C3%ADtulo%20de%20maior%20produtor%20mundial%20de%20vinho,condi%C3%A7%C3%B5es%20climat%C3%A9ricas%20e%20ao%20m%C3%ADldio&text=As%20condi%C3%A7%C3%B5es%20climat%C3%A9ricas%20extremas%20e,milh%C3%B5es%20de%20hectolitros%20em%202023. Acesso em 06/11/2024.
[4] A África, no Sahel, devido à seca, está se preparando para maior migração da história. Instituto Humanitas Unisinos, 27/07/2017. Disponível em https://www.ihu.unisinos.br/categorias/186-noticias-2017/569062-a-africa-no-sahel-devido-a-seca-esta-se-preparando-para-maior-migracao-da-historia#:~:text=Secas%20prolongadas%20correm%20o%20risco,intensa%20deteriora%C3%A7%C3%A3o%20tornando%2Dse%20inaproveit%C3%A1veis. Acesso em 06/11/2024.
[5] Onda de calor extremo provoca ao menos 50 mortes na Índia. Jornal Nacional, 31/05/2024. Disponível em https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2024/05/31/onda-de-calor-extremo-provoca-ao-menos-50-mortes-na-india.ghtml. Acesso em 06/11/2024.
[6] Mapa vai apoiar seguro paramétrico como opção para o produtor rural proteger suas atividades. Ministério da Agricultura e Pecuária do Brasil. Disponível em https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/noticias/mapa-vai-apoiar-o-seguro-parametrico-como-mais-uma-opcao-para-o-produtor-rural-proteger-suas-atividades. Acesso em 06/11/2024.
[7] K. James Sullivan: Insuring for Climate Change: The Role of Parametric Insurance. Lexis Nexis, 25/01/2023. Disponível em https://www.lexisnexis.com/community/insights/legal/practical-guidance-journal/b/pa/posts/insuring-for-climate-change-the-role-of-parametric-insurance. Acesso em 06/11/2024.
[8] Caribbean Catastrophe Risk Insurance Facility (CCRIF). Disponível em https://www.ccrif.org/. Acesso em 06/11/2024.
[9] African Risk Capacity (ARC). Disponível em https://www.arc.int/. Acesso em 06/11/2024.
[10] Swiss Re Corporate Solutions wins the Hong Kong Federation of Insurance Award for Most Innovative Product/Service. Swiss RE Corporate Solutions, 03/11/2017. Disponível em https://corporatesolutions.swissre.com/insights/news/hkfi_award_most_innovative_product.html . Acesso em 06/11/2024.
[11] THE WORLD BANK. Weather Index Insurance for Agriculture: Guidance for Development Practitioners, 2011. Disponível em: https://documents1.worldbank.org/curated/en/590721468155130451/pdf/662740NWP0Box30or0Ag020110final0web.pdf . Acesso em 06/11/2024.
[12] Brasil emite seu primeiro seguro paramétrico. FENACOR, 04/01/2017. Disponível em: https://www.fenacor.org.br/noticias/brasil-emite-seu-primeiro-seguro-parametrico. Acesso em 06/11/2024.
[13] INMET firma a primeira apólice do seguro paramétrico (SIM INMET) para produção de cacau do sul da Bahia. Instituto Nacional de Meteorologia, 17/08/2021. Disponível em: https://portal.inmet.gov.br/noticias/inmet-firma-a-primeira-ap%C3%B3lice-do-seguro-param%C3%A9trico-sim-inmet-para-produ%C3%A7%C3%A3o-de-cacau-do-sul-da-bahia . Acesso em 06/11/2024.
[14] Pequeno produtor de cacau na Bahia é 1º a ser indenizado por seguro paramétrico no Brasil. INFOMONEY, 10/01/2024. Disponível em: https://www.infomoney.com.br/minhas-financas/pequeno-produtor-de-cacau-na-bahia-e-1o-a-ser-indenizado-por-seguro-parametrico-no-brasil/. Acesso em 06/11/2024.
[15] Newe Seguros e o produtor de cacau brasileiro: uma parceria de longa data. NEWE SEGUROS, 28/11/2023. Disponível em: https://neweseguros.com.br/produtor-de-cacau-brasileiro-inova-cacau-2023/#:~:text=O%20Seguro%20Param%C3%A9trico%20atua%20em,alimentar%20e%20das%20terras%20produtivas. Acesso em 06/11/2024.
[16] OLIVEIRA, Z. B.; KNIES, A. E.; BOTTEGA, E. L.; MORAES DA SILVA, C. . ESTIMATIVA DA DEMANDA HÍDRICA DA SOJA UTILIZANDO MODELO DE BALANÇO HÍDRICO DO SOLO E DADOS DA PREVISÃO DO TEMPO. IRRIGA, [S. l.], v. 25, n. 3, p. 492–507, 2020. DOI: 10.15809/irriga.2020v25n3p492-507. Disponível em: https://revistas.fca.unesp.br/index.php/irriga/article/view/3973. Acesso em: 21 maio. 2024.
[17] Seguro Vitícola Colheitas. SAFE CROP. Disponível em: https://safe-crop.com/seguro-vit%C3%ADcola-colheitas. Acesso em 06/11/2024.
[18] Censo Agropecuário: Brasil tem 5 milhões de estabelecimentos rurais. Agência Brasil, 25/10/2019. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-10/censo-agropecuario-brasil-tem-5-milhoes-de-estabelecimentos-rurais. Acesso em 06/11/2024.
[19] BRANCO, Karoline Pereira. Inferência probabilística para seguro paramétrico. 2023. 81 f. Dissertação (Mestrado em Estatística Aplicada e Biometria) - Universidade Federal de Alfenas, Alfenas, MG, 2023.
(23.09.2025)