Por Filipe Alves
Responsáveis jurídicos da Zurich explicam a importância crescente da área de ‘compliance’ para o sector e defendem que o cumprimento das regras constitui uma vantagem.
O sector segurador enfrenta vários desafios nos próximos anos, incluindo a nível de ‘compliance’. Em entrevista ao Diário Económico, Jason Schupp e Nuno Morais Bastos, Head of Regulatory Affairs do grupo Zurich e Director Jurídico da seguradora em Portugal, respectivamente, explicam a importância crescente do ‘compliance’ para o sector.
Quais os principais desafios que se colocam ao sector, neste momento, nesta área?
Jason Schupp (JS): No contexto do processo legislativo comunitário, os principais desafios estão relacionados com o significativo número de alterações substantivas que, no decurso dos próximos três anos, será aplicável ao sector segurador. Estas mudanças incluem a Directiva da Distribuição de Seguros, a alteração das regras de informação e esclarecimento aplicáveis a seguros de investimento e a aprovação de regulamento em matéria de protecção de dados.
Nuno Morais Bastos (NMB): No âmbito da implementação do regime Solvência II no sector segurador, subsiste a expectativa de que o Pilar 2 - particularmente no que se refere à estrutura reforçada de governação que aí se estabelece - represente um fluxo de trabalho significativo e também uma importante alteração cultural. Tendo em conta as situações verificadas no sector bancário, em particular as relacionadas com insuficiências do sistema de governação e, bem assim, considerando o processo de governação típico no sector segurador, com elevada concentração de responsabilidades, os sistemas e processos de governação deverão constituir um ponto importante de actuação dos reguladores europeus, não sendo provável que Portugal constitua excepção à tendência. Por outro lado, algumas das alterações legislativas em curso deverão ter impacto material nos processos de venda, em particular com vista a equilibrar os níveis de protecção aos consumidores de produtos financeiros.
Portanto, existe mais preocupação com o ‘compliance’.
JS: Sim. Porque esta vaga regulatória irá impactar na forma como cliente, mediador e segurador interagem entre si. Em função disso, garantir a conformidade pressupõe frequentemente que as organizações tenham de clarificar processos e responsabilidades susceptíveis de introduzir complexidades e dependências. Por outro lado, algumas das entidades reguladoras estão empenhadas na definição e implementação de regulamentação relativo à chamada conduta de mercado. Sob esta abordagem, os reguladores esperam que seguradores e mediadores consigam demonstrar a existência de uma cultura de negócio sã e prudente, com adequados mecanismos de controlo e governação.
E há também uma moldura penal mais pesada.
JS: A moldura penal ou contraordenacional estabelecida em situações de incumprimento vem-se tornando cada vez mais substancial, quer em termos financeiros, quer – em termos pessoais - pela aplicação de idênticas penalidades nas pessoas singulares responsáveis pela situação de incumprimento, aqui eventualmente incluindo penas de suspensão temporária de funções.
NMB: Na sequência da crise financeira de 2008, o escrutínio público em torno da cultura e conduta de negócio aumentou e, com isso, o impacto reputacional de situações de incumprimento tornou-se igualmente mais relevante. Por outro lado, nos últimos anos verificou-se a tendência para o alargamento das consequências do eventual incumprimento além das fronteiras do país onde estas situações ocorreram. (...) O enquadramento legal do incumprimento está a tornar-se cada vez mais severo e, por isso, dissuasor. A consolidação do sector segurador incentivará também a solidez dos programas de compliance na medida em que tal terá impacto no valor dos activos transaccionados.
Neste âmbito, quais os principais desafios no que toca à protecção de dados?
NMB: O processamento de dados pessoais atravessa toda a actividade da empresa, qualquer que seja o sector da actividade económica. Como tal, as alterações à legislação local ou comunitária têm necessariamente um impacto elevado nos processos, serviços e capacidades das empresas. Estas alterações encontram-se ainda, em larga medida, a ser objecto de discussão e, tendo em consideração o impacto estimado, devem ser antecipadas, em particular nos sectores económicos onde o processamento de dados inclui dados pessoais sensíveis, designadamente nos sectores bancário e segurador.
JS: No balanço da crise financeira global, os reguladores encarregues da supervisão do sistema financeiro focaram a respectiva atenção em matérias como capital ou liquidez. Ou seja, a prioridade regulatória mais imediata era assegurar que bancos, seguradores e outros elementos do sistema financeiro tinham capacidade financeira para continuar a assegurar a respectiva actividade, fundamental para as economias individuais e para a economia global. Esse trabalho encontra-se agora, em larga medida, concluído. O foco regulatório está agora a expandir-se para aspectos do negócio relacionados com o consumidor de produtos financeiros, tendo como pano de fundo as alterações tecnológicas. É, por isso, uma oportunidade para seguradores e mediadores com maior capacidade de antecipação, à medida que o modelo de negócio no sector se vai moldando a esta nova realidade.
Fonte: Económico, em 15.02.2016.