
Recebida em almoço do CVG-SP, no dia 6 de novembro, a experiente advogada Therezinha Corrêa aceitou a missão de analisar a Resolução CNSP 315/14, que dispõe sobre as novas regras do seguro viagem. Na abertura do evento, o presidente do CVG-SP, Dilmo B. Moreira, elencou os pontos mais polêmicos da nova regra. “Esse normativo determina que as coberturas de seguro viagem sejam oferecidas exclusivamente por seguradoras. Com a mudança, será proibida a comercialização de seguro viagem por meio de contrato de assistência com características de seguro e, ainda, vetada a venda de forma acessória a contrato de assistência”, disse.
Therezinha Corrêa discordou da tese de que a partir da Resolução CNSP 315/14 as seguradoras poderão operar com exclusividade o seguro viagem, eliminando a participação de prestadores de serviços e proibindo a atuação independente e autônoma das empresas que atuam unicamente em serviços assistenciais. “Para compreender o sentido e o alcance das novas regras, é preciso esclarecer que companhias de seguros estão proibidas por lei de exercer qualquer atividade que não seja a operação de seguros, sua única atividade fim”, disse.
Daí porque, analisa que o artigo primeiro da nova resolução não leva ao entendimento de que os serviços de assistência se converteram em objeto de operação das seguradoras. Até porque, ela insiste, “as seguradoras exercem única e exclusivamente operações de seguros”. Em sua opinião, a prestação de serviços está estampada na resolução como uma das formas de efetivar a indenização. As demais formas são a de pagamento e a de reembolso.
“Serviço não é seguro e sua realização não caracteriza operação de seguro”, afirmou. Ela explicou que somente o segurador assume riscos e dá garantia financeira, indenizando ou reembolsando valores em caso de sinistros. Impedida de prestar serviços, que não sejam os caracterizados como o próprio risco que o segurado transfere ao segurador, resta apenas ao segurador, segundo a palestrante, contratar empresas de assistência para complementar, indispensavelmente, as coberturas securitárias. Tanto que, alguns dos serviços prestados perderam a condição de diferenciais, pois já são esperados pelos consumidores de seguros.
Therezinha Corrêa acredita que a preocupação da Susep ao proibir a oferta de planos de assistência 24 horas com características de seguros seja coibir o avanço dos denominados seguros piratas. Tais “seguros”, vendidos por associações e cooperativas, oferecem garantia financeira, mas sem o respaldo de fundos garantidores ou de reservas para atender no futuro o pagamento de eventos previstos nas coberturas do contrato.
Diferentemente de outros países, no Brasil, “as seguradoras não estão autorizadas a comercializar serviços de qualquer natureza, por conta própria ou de forma autônoma”, disse a advogada. A prática é vedada pelo Decreto-Lei 73/66, que impede a oferta cumulativa de serviços de assistência com garantias financeiras.
Considerando que o referido decreto foi recepcionado como lei complementar pela Constituição Federal de 1988, então não poderia ser modificado por resolução, que é uma norma de hierarquia legal inferior. “Qualquer mudança no decreto para autorizar seguradoras a realizarem atividades outras que não sejam operação de seguros, exige quorum qualificado para viabilizar o projeto no Congresso Nacional”, destacou.
Já a atuação das prestadoras de assistência 24 horas é regida pelo artigo 594 do Código Civil, segundo o qual, toda espécie de serviço ou trabalho lícito pode ser contratado mediante retribuição. Therezinha Corrêa observou que a “retribuição” é realizada de acordo com a natureza do negócio e os usos e costumes do local.
Ela comentou que os serviços de assistência podem ser ofertados de forma autônoma ou em complemento ao contrato de seguro, hipótese em que deverá se submeter às exigências da Resolução CNSP 102/2004. Logo, conclui que a Resolução 315/14 “não altera o disposto no Decreto-Lei 73/66, que proíbe o exercício da atividade de assistência como se seguro fosse e, também, não tem o condão de modificar o Código Civil, alterando a finalidade e autonomia dos contratos de serviços não vinculados ao seguro".
A advogada prossegue em seu raciocínio, acrescentando que se alguma atividade privada passar a interferir em atividades regulamentadas pelo Poder Público, como o seguro, por exemplo, o órgão regulador competente age baixando normas regulamentadoras. Em relação aos serviços assistenciais, ela informou que o CNSP tratou da questão na Resolução 102/2004, que faz a distinção entre seguro e serviços. De acordo com a norma, a principal diferença consiste no caráter indenitário da cobertura securitária, que no caso dos serviços tem apenas o caráter "complementar e de suporte".
Importância dos serviços
Outro dispositivo da resolução, o da livre escolha de prestador de serviço, “não favorece o consumidor quando em viagem ao exterior”, na avaliação de Therezinha Corrêa. Além de ser suscetível a fraudes, ela considera que a livre escolha pode encarecer o produto por falta de controle desses serviços fora do país. “O segurado ou beneficiário que está fora do país não sabe onde encontrar o socorro ou os serviços compatíveis com suas necessidades. Os serviços de assistência 24 horas prestam esse atendimento com muito empenho e boa qualidade e monitoram o cliente por meio de redes internacionais altamente especializadas que interagem em todos os continentes”, afirmou.
Nesse ponto, ela lembrou que os serviços de assistência 24 horas surgiram no país no final da década de 80, especificamente no seguro de automóvel e oferecendo, basicamente, carro reserva e guincho. Com o tempo, esses serviços deixaram de funcionar apenas diferenciais de alguns produtos para se tornarem complementos indispensáveis às coberturas garantidas pelas seguradoras.
“Hoje, ninguém aceita mais deixar de ser amparado por serviços de assistência de caráter imediato, como em casos de doenças, acidentes, morte em viagem etc., sem contar o auxílio nos casos de localização de bagagem, perda de cartões de crédito, cheques, furto e roubo de dinheiro, chaves etc.”, disse.
Prática internacional: atividade análoga ou similar ao seguro
Therezinha Corrêa comentou que a legislação de seguros argentina permite que a autoridade governamental inclua no regime da lei todas as atividades assimiláveis ao contrato de seguro. Já a legislação espanhola considera seguro privado toda a operação de seguro ou de previsão, independentemente do segurado ou do segurador.
Segundo ela, não se entende como seguro as atividades que não contenham cobertura de riscos seguráveis ou a contratação de prestações futuras e aleatórias. “Como a assistência presta serviço para a ocorrência de um evento futuro e incerto, há uma identificação com o seguro, segundo o conceito de atividade assimilável”, disse.
Esses conceitos, segundo a advogada, levaram alguns países a considerarem o serviço de assistência com objeto do contrato de seguro, promovendo tal alteração em seus Códigos Civis. No Brasil, o Código Civil de 1916 previa, inicialmente, apenas o seguro de danos, acrescentando, mais tarde, que, além de indenizar o prejuízo por um dano sofrido pelo segurado, haveria o pagamento do capital segurado ou de uma renda.
Outros países seguiram pela mesma linha, adicionando “serviços” em seus Códigos como objeto do contrato de seguros, o que abriu espaço para a criação de seguradoras especializadas no setor. “Logo, nesses países a atividade de assistência 24 horas não é legalmente proibida para o segurador, como ocorre no Brasil”, concluiu.
Homenagem e agradecimentos
O presidente do CVG-SP, Dilmo B. Moreira, encerrou o evento com a entrega de uma placa em homenagem à Therezinha Corrêa. Reeleito para conduzir a entidade pelos próximos dois anos, em assembleia que antecedeu o evento, ele agradeceu a presença dos membros da diretoria dos conselheiros Eiji Denda, Maurício do Amaral, Oldemar Fernandes, Osmar Bertacini, Paulo de Tarso Meinberg e Ronaldo Megda Ferreira.
Registro:
Autoridades presentes: Adevaldo Calegari, mentor do CCS-SP; Maria Helena Monteiro, diretora de Ensino da ENS; Sonia Regina G. Ribas da Costa, gerente de Ensino da ENS; Affonso Heleno de Oliveira Fausto, presidente da SBCS; Raquel Gomes, presidente da UCS; e Sergio Ruy Barroso de Mello, diretor de Relações Internacionais da AIDA-Brasil.
Fonte: CVG-SP, em 10.11.2014.