Regulação, resultados e judicialização estiveram entre temas de artigos acadêmicos apresentados
Entre os artigos apresentados durante o último dia da 8ª Jornada de Estudos de Regulação, em 28 de novembro, no Rio, com apoio da CNseg, estava o de Rodrigo Mendes Leal, do BNDES, de título “O mercado de Saúde Suplementar no Brasil: Regulação e resultados econômicos dos Planos Privados de Saúde”, sobre um mercado que atualmente conta com 72 milhões de beneficiários, entre os de planos médicos hospitalares e os odontológicos.
Iniciando a apresentação com um histórico da evolução do setor, Rodrigo lembrou que o debate sobre a regulação da saúde suplementar, em meados da década de 1990, se deu em um contexto marcado pelas limitações de recursos orçamentários para a saúde pública e pela estabilização da inflação, após 1994, com a redução da importância das receitas financeiras para as empresas. Nessa época, o setor já era bastante robusto, tendo se beneficiado do aumento da urbanização e das taxas de crescimento econômico da década de 1970.
Com a legislação que estabeleceu o marco regulatório do mercado de planos de saúde, em 1998, foram definidas regras gerais para sua organização, com destaque para a padronização da cobertura assistencial e para as exigências de garantias financeiras visando a preservação do equilíbrio econômico-financeiro das operadoras.
Cabe lembrar que, desde 1966, com a criação da Susep, as seguradoras que operam no segmento de Saúde Suplementar já eram obrigadas a observar regras financeiras relativas a capital mínimo e reservas técnicas para o funcionamento.
Entre os efeitos da regulação, além da queda do número de operadoras em atuação, ocorreu, com a exigência de cobertura mínima definida pela ANS, a redução da diferenciação dos produtos, fazendo com que a segmentação se concentrasse na oferta de prestadores.
A partir do aumento da oferta de empregos formais, já no século XXI, ocorre um forte crescimento dos planos coletivos, à semelhança do ocorrido com os planos odontológicos, que, a partir de 2005, contaram com uma flexibilização da regulação.
Outro fenômeno acarretado pela regulação foi o do forte crescimento das despesas assistenciais, tanto por conta da cobertura mínima exigida pela agência reguladora, como pela incorporação de novas tecnologias, afetando fortemente as margens de lucro, que atualmente giram, em média, em torno de 2%, mas um pouco acima nas seguradoras, consideradas mais sólidas e eficientes, a despeito de uma maior sinistralidade.
Para Rodrigo Mendes Leal, cujo estudo está disponível na íntegra aqui, vivemos, atualmente, um esfriamento do crescimento do número de contratos, o que desafiará os resultados econômicos das empresas, que também enfrentam pressão por conta do envelhecimento da população, impactando ainda mais o aumento das despesas assistenciais.
Concluindo, o acadêmico destaca a necessidade de um maior debate sobre as políticas públicas relacionadas ao setor, tais como a da defesa da concorrência e a do financiamento dos investimentos.
Judicialização de conflitos é tema de outro artigo
Outro artigo apresentado na tarde do dia 28 também referiu-se à Saúde Suplementar mas, nesse caso, abordando a questão da judicialização dos conflitos. Em “Coerência regulatória nos contratos de planos de saúde – Análise comparativa entre a jurisprudência do STJ e a regulação da ANS”, Bruno Araújo Ramalho, da UERJ, afirma que uma das razões para a busca da esfera judicial é a complexidade da regulação.
E essa interferência judicial na atividade dos planos de saúde, feita por magistrados não necessariamente profundos conhecedores do setor, pode implicar em uma incoerência regulatória que leva a uma insegurança jurídica e, consequentemente, a um aumento dos custos das transações e das mensalidades. Outro risco é o de afetar a saúde financeira das operadoras, impactando da mesma forma nos consumidores.
Para avaliar esse cenário, o estudo procurou comparar a fundamentação dos casos julgados no STJ com a normatização técnica publicada pela agência reguladora em busca de pontos de convergência e de divergências.
Entre os pontos em que o entendimento da ANS e do STJ são os mesmos, destacam-se o da não aplicação da Lei dos Planos de Saúde (9.656/98) a contratos firmados antes de sua promulgação, a da proibição da limitação de tempo de internação em UTI e da permissão de cobertura parcial temporária para doenças e lesões pré-existentes. Já, entre os pontos de divergência, há, por exemplo, o caso em que a operadora foi obrigada a fornecer o modelo de prótese solicitada pelo médico, mesmo com a norma da ANS afirmando que o profissional deve indicar três modelos similares.
O estudo também identificou a possibilidade de existência de zonas de conflitos entre as normas da regulação e o Código de Defesa dos Consumidores (CDC), particularmente no que se refere à aplicação de contratos e relação de consumo.
Se, por um lado, a Lei dos Planos de Saúde traz uma série de regras em formato de “cláusulas abertas” e competências normativas inerentes à agência reguladora, instrumentalizadas em normas infralegais, o CDC traz conteúdo com conceitos por vezes indeterminados, permitindo maior flexibilização da interpretação das regras por parte dos magistrados.
Como sugestões para resolução dessas diferenças, Bruno aponta a necessidade de alinhamento entre as normas regulatórias e a legislação do consumidor; maior legitimidade das normas regulatórias por meio da parametrização do processo criativo e respectivos estudos de impacto; e a contínua articulação institucional entre o Poder Judiciário e a ANS.
Fonte: CNseg, em 02.12.2014.