Por José Carlos Daher (*)
Inicialmente os humanos, assim como em toda a escala animal, só se preocupavam com o que comer. Conseguido o alimento, buscavam a morada, antigamente as cavernas, hoje a casa própria. Essas necessidades supridas, sobra tempo para a produção intelectual, amigos e vida em família. Não há que omitir que as andanças pela vida e os séculos de evolução foram permeadas pela inevitável luta pela integridade física e saúde, inerente à própria sobrevivência. Os feridos lambiam as feridas como ainda fazem os animais. Ao homem contemporâneo não caberia mais lambê-las. Mas quantos não o fazem ainda, simplesmente porque não têm outro recurso?
Da saúde, direito de todos e dever do Estado, dignamente destacado na Constituição de 1988, o que se conhece é o clamor do povo pelo abandono na doença e na dor com centenas de pessoas morrendo nos corredores dos hospitais públicos. Não que o “dever do Estado’’ significasse oferecer, de maneira física, cada remédio ou comprimido. Mas, sobretudo, pensar, planejar e viabilizar a medicina curativa e preventiva com carreira médica que consolidasse a nobre profissão povoando as mais longínquas regiões do país. Em vez disso, decreta-se um Mais Médicos improvisado que atropela os séculos de estruturação da classe médica, organizada desde as origens na medicina europeia trazida por D. João VI.
A saúde suplementar prevista em nossa legislação padece. Os estabelecimentos de saúde privada são obrigados a gerar a cada mês os recursos que vão financiá-los. Pagam a folha de pagamento, impostos e a todos os fornecedores nos prazos corretos. O atraso de um dia da folha de pagamento gera multa inicial de 160 Ufirs por trabalhador, além das subsequentes. O não pagamento dos impostos na data exata gera instantaneamente uma certidão negativa que impede a instituição de saúde de receber pelos serviços prestados ou contratar.
As secretarias de Estado, incapazes de atender às ordens judiciais com obrigação de fazer, encaminham os pacientes graves aos hospitais privados para prestar os serviços que elas deveriam prestar. E não pagam as contas. Emprestam-se ao setor da saúde suplementar raciocínios oriundos da nefasta prática arraigada das propinas: os prejuízos do atraso estão embutidos nos preços superfaturados. Só que hospitais e médicos não têm como superfaturar. Suas contas obedecem a rígidos preços pré-negociados e as auditorias das contas são praticadas uma a uma.
Concepção política arcaica pretende desqualificar os ganhos dos estabelecimentos de saúde com jargões como “saúde não se vende”. Raciocínio oriundo do desconhecimento total de uma organização empresarial em que, antes da distribuição de lucro aos acionistas, é obrigatório que a empresa permaneça viva, pague as contas e impostos, reinvista e progrida para oferecer qualidade, de acordo com as normas e com o que a população merece. Antes de distribuir lucros, há que modernizar o caríssimo parque de máquinas e equipamentos. As multinacionais detentoras da tecnologia, logo que entregam um equipamento, já estão desenvolvendo outro mais moderno e informam à população sobre as maravilhas, levando as organizações de saúde a estar empre recomprando. Estas, sim, têm lucros gigantescos, porque não têm concorrentes nacionais. Nossa indústria é pobre em tecnologia.
A Lei nº 13.003, que serviria para regular o setor de saúde suplementar, de maneira incompreensível foi regulamentada pela ANS decretando que os prestadores de serviços, nas correções contratuais, não teriam o direito à aplicação do índice de inflação do setor de saúde calculado pela própria ANS, mas simplesmente fariam jus ao magro IPCA, que é sempre abaixo da inflação da saúde. E pasmem: com percentuais de deflação.
Oferecem-se incentivos fiscais para carros, geladeiras e liquidificadores, mas os negam sistematicamente à saúde suplementar. Em vez de magoarem a medicina suplementar, último refúgio do cidadão, grande geradora de empregos, responsável pela oferta no país da tecnologia de ponta, deveriam cuidar dela e honrá-la, pois ela está cumprindo seu papel constitucional com competência e dignidade...Sem dar qualquer despesa ao governo.
(*) José Carlos Daher é vice-presidente da Federação Nacional dos Estabetecimentos de Saúde, presidente do Sindicato Brasiliense de Hospitais e Clínicas e presidente do Hospital Daher Lago Sul.
Fonte: Correio Braziliense/MBA, em 13.07.2015.