Por Bruno Ferraz de Camargo e Willians Octavio Simon Pires (*)
Dentre as diversas disciplinas que compõem um programa efetivo de conformidade, ou compliance, nos dias de hoje é notória a atenção dispensada àquelas relacionadas com temas como antitruste e anticorrupção, tanto em vista da exposição midiática dos temas quanto do potencial lesivo das eventuais penalidades, e também pelo aspecto regulatório bastante complexo, o que demanda debates técnicos aprofundados.
Na esteira dos desdobramentos da apuração de infrações cometidas por empresas e seus empregados ou dirigentes, empresários e políticos, muito se tem discutido sobre a responsabilidade dos empregadores sobre os atos de seus subordinados perante terceiros, notadamente o Poder Público, além do risco de lesões aos direitos dos próprios empregados na execução dos contratos de trabalho. No Brasil, notoriamente um dos países de maior litigância trabalhista do mundo, as questões laborais há décadas já são consideradas como parte do planejamento (e do “custo”) de qualquer atividade empresarial e, de certa forma, acabam sendo incorporadas na rotina das organizações por vezes como o assunto sobre o qual nada se pode fazer, além do cumprimento das normas.
Este comportamento, bastante comum no meio empresarial, represa uma possibilidade efetiva de melhoria de controles internos, mitigando não apenas o risco efetivo de penalidades na esfera do direito do trabalho, como também auxiliando na criação de um ambiente culturalmente transparente e, portanto, com melhores chances de controle e descoberta de infrações – tanto ao código de conduta da empresa, quanto à regulamentos externos.
Por isso é cada vez mais desejado que se criem políticas e procedimentos que estabeleçam critérios adequados a serem observados pelos empregados das organizações em diferentes situações, seja para assegurar tratamento respeitoso entre colegas, como a obediência a critérios objetivos por exemplo em atos demissionais, contratações ou outras atividades cotidianas. Convencionou-se chamar de Compliance Trabalhista a atividade de regulamentar as relações de trabalho e fazer cumprir as normas estabelecidas internamente, e também, do ponto de vista da gestão empresarial, os critérios efetivos para o tratamento das relações da empresa com seus funcionários.
Tendo em vista a responsabilidade objetiva do empregador pelos atos cometidos por seus empregados, representantes e prepostos na execução de suas respectivas atividades, é salutar a previsão de procedimentos adequados para a consecução dos objetivos empresariais, de modo a evitar irregularidades que causem prejuízos a terceiros e à própria empresa.
A Lei anticorrupção brasileira (12.846/13), inovou ao fazer previsão expressa da responsabilidade objetiva das empresas e seus administradores por atos de seus empregados junto à Administração Pública, nacional ou estrangeira. Os principais reguladores internacionais na esfera antitruste e anticorrupção há anos não mais admitem a figura do dirigente ou empresário que se esconde atrás de sua força de trabalho, alegando ignorância dos atos praticados em nome da empresa – pelo contrário, um dos atenuantes mais utilizados na redução de penalidades nessas esferas são, comumente, a comprovação do treinamento da força de trabalho no programa de ética e conformidade, comprovação da aplicação de penalidades a infratores de políticas internas (“Tolerância Zero”); e engajamento da liderança na suas palavras e comportamento (“Walk the Talk”e “Tone at the Top”), entre outros aspectos.
O conjunto de normas trabalhistas brasileiras é bastante complexo, contendo regras para as mais diversas situações cotidianas de trabalho. Incluem-se nesse conjunto os regramentos aplicáveis a determinadas empresas ou categorias econômicas, quais sejam, os Acordos e Convenções Coletivas de Trabalho respectivamente, além de Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho, Portarias, Resoluções Administrativas, Súmulas e Orientações Jurisprudenciais dos Tribunais Trabalhistas, entre tantas outras.
É necessário que a empresa identifique, com o apoio dos seus advogados, no conjunto de suas atividades sejam elas de apoio (atividades-meio) ou seu core business(atividades-fim), quais as leis aplicáveis e os pontos de atenção que representem maior risco de violação às mesmas. Neste sentido, a elaboração de políticas e procedimentos internos que regulamente a contratação de terceiros, a conduta no tratamento de bens de terceiros, os procedimentos para desligamentos e consequente mitigação de dano moral, tratamento respeitoso e não- discriminatório em contratações, bem como normas de conduta de seus empregados junto aos agentes públicos, evitando que haja afronta aos princípios da impessoalidade, interesse público, eficiência, entre outros previstos na Lei de Licitações (nº 8.666/1993), pode surtir efeitos bastante positivos na gestão de riscos.
Há de ser reconhecido que, no processo decisório de um fraudador, a racionalização para cometer a infração passa, necessariamente, por agentes de pressão internos e externos [1]. Um empregado que seja respeitado e cuja organização ofereça políticas internas claras e ferramentas adequadas para que possa esclarecer suas dúvidas, se sentirá dedicando esforços a um ambiente de negócios que age com integridade, minimizando os efeitos da racionalização negativa daqueles que, se julgando desrespeitados ou trabalhando em ambientes com baixa integridade, são mais propensos ao cometimento de fraudes.
A existência de programas de Compliance tende, por fim, a evitar ou reduzir penalidades nos âmbitos administrativo e judicial pela demonstração inequívoca de esforços da empresa para cumprir a legislação em vigor e ir além, ou seja, conduzir seus negócios com ética e integridade ainda que não haja norma positiva que exija a conduta.
[1] A “Pirâmide da Fraude” in. Donald R. Cressey, Other People’s Money (Montclair: Patterson Smith, 1973).
(*) Bruno Ferraz de Camargo é sócio da área de M&A e Compliance, AZFC Advogados.
(*) Willians Octavio Simon Pires é coordenador da área Trabalhista, AZFC Advogados.
Fonte: LEC, em 31.01.2016.