Posicionamento das 4ª e 6ª Câmaras de Direito Privado do TJ/SP
Por Paulo Benevento
Nas ações revisionais de planos de saúde, em que se discutem a nulidade de cláusulas de reajuste por mudança de faixa etária e a devolução das diferenças pagas a maior, a jurisprudência majoritária do E. TJ/SP firmava-se, já há algum tempo, pela aplicação da regra do art. 205, caput, do Código Civil: prescrição decenal.
Assim, reconhecida a nulidade absoluta da cláusula de reajuste (art. 166, VII e 169 do Código Civil, c. C. Art. 51, IV, do CDC) tudo o que o consumidor pagou a maior nos últimos dez anos deve ser devolvido pela operadora, em obediência à regra do art. 876, do Código Civil. Opiniões divergentes cogitavam da aplicação do prazo ânuo (C. C, 206, § 1º, II) e trienal (C. C, 206, § 3º, IV).
Há pouco tempo, escrevi algo a este respeito. O texto está disponível para consulta neste link. Naquela oportunidade, procurei demonstrar como a percuciente reflexão de alguns magistrados influenciava o resultado dos julgados.
Em que pese a consistência e a densidade dos argumentos desenvolvidos por Suas Excelências e que conformavam a jurisprudência majoritária da Corte, é preciso levar em conta que um novo posicionamento grassa nas Câmaras do Tribunal (cf. link).
Duas Câmaras (4ª e 6ª) alteraram radicalmente sua compreensão a respeito da matéria. Das dez câmeras competentes para julgar ações fundadas em contratos de planos de saúde, sete decidem o que deve ser devolvido, com base no prazo prescricional aplicável à espécie, definindo assim, a jurisprudência majoritária do TJ/SP.
Os julgados da 8ª Câmara quase sempre acompanham a jurisprudência majoritária, mas há decisões discrepantes. Por outro lado, a 4ª Câmara, desde meados de 2012, tem posição divergente, que passou a dividir com a 6ª Câmara, desde agosto deste ano. Ambas, 4ª e 6ª Câmaras estabelecem o que deve ser devolvido aos consumidores, a partir de critérios alheios à discussão sobre o prazo prescricional.
De acordo com Suas Excelências, a questão do prazo prescricional não tem qualquer relevância, porque nada do que se pagou antes do ajuizamento da ação (ou da citação válida) deve ser devolvido aos consumidores. Basicamente, os acórdão das duas câmaras consideram que os consumidores teriam feito os pagamentos das mensalidades, sem opor ressalvas, presumindo-se, então, sua concordância tácita com os reajustes.
Lamentavelmente, com o devido respeito à opinião dos magistrados que integram as duas Câmaras, a mudança pretende substituir conclusões embasadas em profundas análises principiológicas e sistemáticas, por soluções mal escoradas, vazadas em alto teor de inconsistências e portadoras de atecnias teratológicas.
É certo que a palavra final a respeito do prazo prescricional aplicável nestes casos depende do julgamento dos Recursos Especiais Nº 1.360.969/RS e 1361182/RS, ambos submetidos ao regime dos recursos repetitivos (CPC, 543-C), porém, com a aposentadoria do Ministro Sidnei Beneti e o afastamento da Ministra Nancy Andrighi, atual Corregedora Nacional de Justiça, o resultado do julgamento parece imprevisível. Lembro que, há bastante tempo, as posições dos dois Ministros conduziam a compreensão do C. STJ sobre o tema e acabaram por pacificar a jurisprudência da C. Corte, no sentido de se admitir que a repetição deveria se sujeitar à prescrição decenal (C. C. 205).
Por outro lado, há dúvida se os Recursos Especiais manejados contra acórdão lavrados, a partir do novo entendimento das duas Câmaras do TJ/SP, serão obstados na origem (CPC, 543-C) pois, como salientei, os acórdãos afastam a discussão acerca da prescrição.
Ora, o que se discute nos acórdãos representativos da controvérsia é o prazo prescricional aplicável, se decenal, trienal ou ânuo. Ou seja, parte-se do pressuposto de que a declaração da nulidade absoluta das cláusulas de reajuste (C. C, 166, VII e 169, c. C. Art. 51, IV, do CDC) produz efeitos ex tunc e conduz à necessidade de recompor as partes por meio da devolução das diferenças, a teor do art. 876, do Código Civil. A dúvida se circunscreve ao lapso prescricional que melhor se aplica à espécie.
No caso dos acórdãos recentes, porém, excepciona-se a regra geral de que o nulo não produz efeitos, a partir algo bastante impreciso. E chama a atenção o fato de que o Tribunal conhece da matéria de ofício, independente do disseram os recorrentes em sua apelações, a ensejar a conclusão de que se trata de matéria de ordem pública, mas que nada tem que ver com a prescrição.
Parece-nos que, arrancada pelos cabelos, surge uma acepção muito imprópria do princípio da boa-fé objetiva, como se a suposta concordância dos consumidores convalidasse o nulo. Pior que isso, presume-se a concordância tácita dos consumidores, sem que a isso tenha sido discutido na origem, sem que haja provas nos autos e mesmo que a matéria não tenha sido devolvida ao Tribunal.
Quero convidar os colegas que atuam na área da saúde e que se dedicam a defesa de consumidores de planos de saúde, para uma reflexão conjunta e profunda sobre o tema. A intenção é reunir colegas que atuem na área para discutirmos o assunto, estudarmos possíveis estratégias e enfrentarmos este novo desafio.
Benevento Sociedade de Advogados -
Fonte: JusBrasil, em 06.10.2014.