Entrevista com Roberto Eiras Messina - Advogado do Escritório Messina Martins e Lencioni Advogados Associados
Diário dos Fundos de Pensão - Em sua opinião, que desafio elegeria como um dos principais entre aqueles a serem vencidos pelos Fundos de Pensão?
Roberto Eiras Messina - Tenho consciência de que inúmeros são os desafios no segmento da previdência complementar fechada, a começar pelo seu fomento, pela criação de circunstâncias que propiciem o aumento da inclusão de novos participantes, de modo que mais e mais brasileiros sejam abrangidos e protegidos por esta notável ferramenta de dignificação da pessoa humana e de aprimoramento das relações sociais. Contudo, penso que para tudo sempre deve haver um ponto de partida, uma base de fundação. E, após vivenciar muitas experiências, estou convicto de que esse ponto de partida, essa base de fundação, no momento, é o órgão de regulação do setor. Embora muito já tenha sido feito em termos de aprimoramento do marco regulatório desde a sua remodelação pela Lei 12.154/09, que também criou a PREVIC, como a expedição das resoluções que tratam da retirada de patrocínio, da flexibilização dos planos com a abrangência do membro indireto ou o resgate parcial (nos fundos instituídos), da implementação de critérios de qualificação e certificação de dirigentes, da precificação de ativos e passivos e das regras de apuração de resultados com base em critério de apuração de solvência compatível com a duration das obrigações dos planos, é necessário que o órgão seja ainda mais fortalecido. Essa ação de fortalecimento passa pela conscientização da sua legitimidade e importância, o que implica um melhor aparelhamento e até a revisão, em alguns aspectos, de sua composição. Deste modo, me parece que o grande desafio que nos cabe enfrentar, com coragem, é o fortalecimento do órgão de regulação do setor, a partir da adoção de medidas que visem a compatibilização definitiva de sua atuação com o ordenamento jurídico posto, a fim de que ele mesmo seja um fator de desenvolvimento e de credibilidade do segmento.
Diário - Quais seriam as suas restrições à composição ou à atuação desse órgão hoje ?
Messina - Não se trata de restrições, mas antes da proposição de um novo olhar, marcado fundamentalmente pela compreensão do desejo latente que vem expressando, cada vez mais, a sociedade civil, em participar ativamente dos processos de organização das atividades que lhe tocam, sobretudo em um Estado Democrático de Direito. No caso da previdência complementar, muito se tem falado da delegação de competência que a Lei Complementar 109, de 2001, conferiu expressamente a esse órgão, na posição de regulador setorial (art. 74, completado pelo art. 13 da Lei 12.154/09), assim como à PREVIC, na condição de supervisor, orientador e fiscalizador do sistema fechado de previdência complementar (art. 2º da Lei 12.154/09). Ora, esta delegação de competência é absolutamente imprescindível em função das urgências sociais que demandam maior celeridade nas decisões e na própria percepção das necessidades explicitadas pelo setor, cuja solução deve ser debatida e encontrada por aqueles que possuem maior interesse e conhecimento da matéria, ou seja, aqueles que militam e atuam no cotidiano do setor.
Diário - Como se daria esse fortalecimento? É necessária alguma alteração legislativa?
Messina - Bem, a questão primordial é trazer foco ao ponto. Vira e mexe, alguém sustenta que para a operacionalização de determinada questão, há necessidade de regulamentação. Esquece-se que estamos em ambiente privado, dos contratos e das amarrações jurídicas amalgamadas pelo acordo de vontades livremente expresso, o que sempre implica maior iniciativa dos atores do sistema. A Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar – ABRAPP, tem atuado de maneira incansável e profunda na identificação e no encaminhamento de sugestões visando ao aprimoramento do sistema fechado da previdência complementar, em todos os âmbitos. Entretanto, às vezes, como no caso da matéria da inscrição automática, perde-se muita energia na discussão sobre haver ou não necessidade da veiculação da matéria por lei em sentido formal, ao argumento de que sejam diluídos riscos judiciais. Ora, é um contrassenso enxergar que a forma possa prevenir o litígio. O que previne o litígio é a regulação adequada, assertiva e compartilhada. Ou alguém acredita que a existência de 100 milhões de ações no âmbito do judiciário brasileiro, para uma população de 200 milhões de habitantes, decorre apenas de situações geradas por não terem sido regradas por lei? O que há é falta de informação, é falta de atenção e de respeito para com o cidadão, ingredientes que adicionados a um sentimento de liberdade democrática acaba levando à exacerbação dos meios previstos para a solução de conflitos. Diante do descaso e da intransigência, muitas vezes as pessoas são conduzidas ao litígio. Esse ciclo é que se propõe erradicar com o estímulo de mecanismos de regulação mais inseridos, como a ABRAPP já vem apontando em suas contribuições. Quanto a alteração legislativa, num primeiro momento não seria o foco pois, como dito, a Lei Complementar 109, de 2001, define ampla competência regulatória ao órgão, em seu artigo 74, de modo que a compreensão de sua legitimidade é questão de fácil solução, bastando vontade.
Diário - Mas qual a alteração que fundamentalmente se esperaria com esse fortalecimento do CNPC?
Messina - Em primeiro lugar, havendo consenso sobre a importância da existência e eficácia de um órgão de regulação setorial, naturalmente recursos seriam poupados pois este órgão passaria a ser o centro de atenções e de preocupação do sistema fechado de previdência complementar. O foco de atenção deveria ser a busca pelo empoderamento de seus integrantes, inclusive do ponto de vista de representatividade interna do Estado. Por outras palavras, seus integrantes devem possuir ampla representatividade junto àqueles que os indicaram, de modo que lhes seja atribuída autonomia deliberativa e isto represente maior raio de ação de seu Colegiado. Além disto, requisito para esse empoderamento é a qualificação destacada sobre os temas que afetam o sistema fechado de previdência complementar, o que implica no acompanhamento do setor e de todas as dinâmicas por ele vivenciadas, cabendo ainda dotar o órgão de estrutura técnica de apoio exclusiva para o exercício de seus misteres. Veja que a Secretaria de Políticas da Previdência Complementar - SPPC e a Superintendência Nacional da Previdência Complementar – PREVIC tem sido órgãos de apoio ao CNPC, mas além desse apoio, imprescindível, o CNPC deve contar com iniciativas que lhe permitam ter uma interlocução mais acentuada com todos os atores do sistema fechado de previdência complementar, sobretudo do ponto de vista de iniciativas regulatórias, principiando pelo cumprimento de uma agenda mínima anual, estabelecida por seus membros como meta.
Diário - Como se poderiam dar essas ações?
Messina - Nesse particular, para que haja um maior equilíbrio, é fundamental uma alteração, ainda que mínima, no inciso IV do art. 24 do Decreto 7.123/2010, pois seguindo os princípios democráticos deve ser conferida a possibilidade de que cada integrante do CNPC tenha legitimidade para, de per si, apresentar matéria para deliberação do Colegiado. Assim, além de um órgão ainda mais consistente, teríamos sem dúvida deliberações mais qualificadas, debatidas e consensadas, de modo a serem menos passíveis de questionamentos posteriores. Essa colocação, aliás, foi bem defendida pela Presidente da ANAPAR, Cláudia Moinhos Ricaldoni, no 36º Congresso Brasileiro dos Fundos de Pensão, organizado pela ABRAPP e ocorrido em Brasília, neste ano. E a Presidente da ANAPAR foi até mais além, no sentido de identificar a necessidade de maior equilíbrio na composição do CNPC, para ampliar a fatia de assentos destinada aos representantes da sociedade civil e com isto seu caráter democrático de Colegiado. Estou de pleno acordo com esta sugestão, mas percebo que este último ajuste demandaria uma emenda à Lei 12.154/09, em seu artigo 14, o que implicaria um caminho legislativo, ao revés daquela pontual revisão do Decreto 7.123/2010, que importaria apenas a chancela do Chefe de Governo. Demais disto, é importante que se diga, a concepção de fortalecimento do CNPC é um desafio a ser enfrentado por um Chefe de Governo realmente consciente da importância do segmento fechado da previdência complementar para o desenvolvimento econômico e social do país, pois a ele cabe incentivar esse empoderamento, já que se trata de estrutura administrativa vinculada.
Diário - Um órgão de regulação reconhecidamente forte teria mais condições de dar visibilidade ao Sistema?
Messina - Sem dúvida alguma. Em primeiro lugar porquanto tornar-se-ia um centro de referência para a sociedade e para o setor, obrigado ele mesmo à transparência que a própria Constituição Federal impõe ao tema, no seu art. 202. Em segundo lugar porquanto transmitiria para os demais órgãos de Estado a firmeza dos comandos emanados de suas deliberações, conseguindo ter mais peso e influência nos organismos governamentais que integrasse. Em terceiro lugar, representando um foro democrático de discussões e deliberações, em prol do sistema fechado de previdência complementar, teria sua legitimidade consolidada com o passar do tempo, promovendo o aprimoramento das relações de seus diversos atores.
Esse modelo, penso eu, é o que deveria ser seguido por todos os setores estatais voltados à regulamentação das atividades da sociedade, pois pouparia recursos do Estado, inclusive das casas legislativas, que poderiam focar sua missão precípua de criar os alicerces para os grandes temas nacionais (ou locais), além das macro molduras regulatórias, permitindo à sociedade ocupar os espaços que lhe cabem. Ademais, o modelo estimularia a participação da sociedade, contribuindo para o desenvolvimento da educação financeira e previdenciária.
Fonte: Diário dos Fundos de Pensão, em 03.12.2015.