Por Manuel Matos (*)
Nos últimos anos, o mercado de seguros passou a conviver com um fenômeno que cresce silenciosamente: o chamado embedded insurance, ou seguro embutido. Ele aparece quando o seguro é oferecido como parte de outra experiência de consumo — ao comprar um celular, contratar um serviço de mobilidade, fechar uma assinatura digital ou adquirir um produto financeiro. A promessa é simples: conveniência. O seguro já vem “junto”, sem fricção, sem etapas adicionais.
O problema começa quando essa conveniência se transforma em opacidade. Enquanto o Brasil avança na construção do Open Insurance — um ecossistema de dados abertos criado para garantir transparência, concorrência e controle do cidadão sobre seus próprios dados — o embedded insurance vem crescendo, em muitos casos, fora desse ambiente. O resultado é uma contradição regulatória preocupante: o mesmo mercado passa a operar sob dois regimes distintos. Um aberto, auditável e centrado no titular dos dados. Outro fechado, proprietário e pouco transparente.
Essa assimetria não é sustentável. O princípio básico de qualquer boa regulação é simples: não importa o nome do canal de venda, mas a função econômica que ele exerce. Se uma operação utiliza dados do consumidor para ofertar, precificar, contratar e administrar seguros, ela produz efeitos reais sobre o patrimônio e a vida das pessoas. Logo, deve obedecer a padrões equivalentes de transparência, consentimento e responsabilidade — independentemente de o seguro ser vendido por um corretor, por um banco ou estar “embutido” em uma jornada digital.
O Open Insurance foi criado justamente para isso: devolver ao cidadão o controle sobre seus dados, permitir que ele compare produtos, compreenda coberturas, migre de fornecedor e exerça escolhas informadas. Quando o embedded insurance opera fora desse ecossistema, cria-se um atalho regulatório. O seguro continua existindo, os dados continuam sendo usados, mas o titular perde visibilidade, comparabilidade e poder de decisão.
Há também um problema concorrencial. Empresas que aderem ao Open Insurance investem em governança, tecnologia e transparência. Já modelos embutidos, quando não submetidos às mesmas regras, conseguem escalar mais rápido não por serem mais eficientes, mas por estarem menos expostos a obrigações. Isso é o que especialistas chamam de arbitragem regulatória: competir escapando das regras, e não inovando melhor.
Outro ponto sensível é o consentimento. No embedded insurance, o seguro costuma aparecer no meio de uma jornada cujo objetivo principal não é contratar proteção, mas comprar outra coisa. Nesses casos, o consentimento tende a ser diluído em termos e condições extensos, muitas vezes pouco compreendidos. O cidadão aceita porque quer concluir a compra, não porque entendeu plenamente o seguro que está levando. Conveniência não pode ser sinônimo de consentimento frágil.
Há ainda o tema da portabilidade. Um dos grandes avanços do Open Insurance é permitir que o cliente leve seus dados e seu histórico para onde quiser. No modelo embutido fechado, isso quase sempre é impossível. O seguro fica preso ao canal onde foi contratado. Se não pode ser comparado, revisado ou portado, o consumidor perde liberdade. E quando a liberdade desaparece, a conveniência vira dependência.
Submeter o embedded insurance ao ecossistema do Open Insurance não significa proibir inovação ou engessar modelos digitais. Significa apenas estabelecer um piso comum de direitos. O seguro pode continuar embutido na jornada, mas o consentimento precisa ser claro. Os dados precisam ser acessíveis ao titular. Os termos essenciais precisam ser transparentes. E as responsabilidades, rastreáveis.
Essa harmonização, longe de prejudicar o embedded insurance, protege sua própria sustentabilidade. Modelos que crescem sobre opacidade e assimetria informacional tendem a enfrentar crises de confiança, judicialização e reações regulatórias abruptas no futuro. Já aqueles que se alinham desde cedo a padrões abertos e auditáveis constroem reputação, estabilidade e longevidade.
No fundo, a questão é simples: não faz sentido ter um sistema de dados abertos para alguns e um sistema de dados fechados para outros, quando o impacto sobre o cidadão é o mesmo. O Open Insurance precisa ser o solo comum de governança informacional do mercado de seguros. Sobre ele, todos os modelos podem inovar — inclusive o embedded insurance. Fora dele, o que se constrói não é inovação sustentável, mas um desequilíbrio que mais cedo ou mais tarde cobra seu preço.
O futuro do seguro não será decidido por quem consegue “embutir” mais rápido, mas por quem consegue fazê-lo com transparência, confiança e respeito ao direito do consumidor.
(* ) Manuel Matos é 1º vice-presidente da Fenacor, coordenador do Comitê Open Insurance da Camara-e.net, entidade que presidiu durante cinco anos. Também é fundador da Via Internet Insurance Consulting, criada em 1995, e uma das empresas pioneiras da Internet no País, e do GuiaOpen.
Fonte: GuiaOPen, em 29.12.2025