Esta entrevista da Editora Roncarati com o Professor de Ciências Atuariais, Antonio Fernando Navarro, foi concebida tomando-se por base a entrevista concedida pelo cientista político canadense Philip Tetlook, da Universidade da Pensilvânia (EUA), publicada na Revista Veja em 27/01/2016 [1], quando então apresentava os resultados de mais de um milhão de previsões e do grau de assertiva das mesmas, sob a ótica política.
[1] “O Professor Tetlock analisou mais de 1 milhão de previsões para avaliar seu grau de realização e os motivos pelos quais elas se mostraram certas ou erradas. Sua conclusão foi que a média de acertos para as análises de longo prazo é de apenas 15% - a mesma probabilidade de um chimpanzé atingir o alvo jogando dardos ao acaso”.
A Editora Roncarati, sempre tendo por objetivo fornecer a seus leitores, uma visão ampliada sobre assuntos relacionados à atividade seguradora, procurou o Professor Navarro, especialista em Gerenciamento de Riscos, apresentando vários temas/casos, para dele obter informações complementares sobre os graus de acertos das previsões de especialistas, especificamente na área de seguros. O resultado da entrevista é o que se segue:
Editora Roncarati: Professor Navarro, a que o senhor atribui o fato das análises de risco do sistema de barragens de rejeitos da Mineradora Samarco, em Mariana, não terem contemplado hipóteses de acidentes maiores devido ao rompimento de uma ou mais barragens?
Navarro: Inicialmente é bom que se diga que não fazemos nenhum comparativo entre o pensamento do Prof. Tetlook e os conceitos empregados no Gerenciamento de Riscos voltados à atividade seguradora. As análises de cenários políticos esbarra em fatores adversos, que dizem respeito às rápidas mudanças políticas que podem surgir em determinados países, principalmente aqueles onde as tradições democráticas não são tão arraigadas. No que diz respeito à evolução das causas do rompimento da barragem do Fundão, que causou danos na barragem de Santarém, ambas localizadas no subdistrito de Bento Rodrigues, a 35 km do centro do município de Mariana/MG, e, a partir daí, possibilitou que um grande volume de rejeitos da atividade mineradora fluísse no curso d’água do Rio Doce, afetando a fauna, flora e causando enormes prejuízos às pessoas que residiam nas proximidades nas represas, com a destruição de suas casas, e prejuízos econômicos aos que dependiam da atividade pesqueira, ainda não foram completamente apresentadas, avaliadas e mensuradas. O que se sabe não foram as causas, de maneira correta, e sim as consequências desse rompimento de lama de rejeitos, prejudicando a economia de dezenas de municípios mineiros. As análises de gerenciamento de riscos informadas nas várias mídias e informadas à população não previam a magnitude das perdas decorrentes. Há que se considerar que muitas das análises de gerenciamento de riscos não contam com programas computacionais específicos. Assim, as hipóteses de falha (ocorrência de acidentes/sinistros) não são corretamente precificadas. A lama mais ou menos densa, eventuais terraplenos ou cortes de terreno, remoção de vegetação, trecho específico do barramento onde se iniciou a catástrofe, e outras informações relevantes não podem ser corretamente respondidas. Também deve se considerar que as informações sobre acidentes dessa natureza, mesmo que ocorridos em outros países, e mesmo que devido a rompimento de barragens com outras características não são suficientes para a precificação das perdas. Sem uma correta precificação das perdas não se tem como afirmar a magnitude dos prejuízos. Uma hipótese de causa interessante leva em consideração a liquefação das camadas inferiores dos rejeitos, devido a tremores de terra, naturais ou induzidos, que poderia ter contribuído para a desestabilização de todo o conjunto de barragens e material contido. Na linha da especulação muito se pôde ler à respeito.
Como o senhor avalia, sob a ótica do gerenciamento de riscos, os problemas relacionados com os refugiados de guerra do Oriente Médio e os posteriores conflitos étnicos-religiosos-políticos e terroristas?
O tema proposto não é objeto de seguros específicos, mas que pode conduzir à agravação da sinistralidade de muitas das coberturas de seguros, sendo as principais as relacionadas com carteiras de seguros de automóveis, transporte, acidentes pessoais, roubo ou furto e incêndio, por incendiarismo. O conflito atual, envolvendo Síria, Turquia e países vizinhos, não começou ontem, mas sim é fruto de desestabilização política de muitas décadas na região, envolvendo, direta ou indiretamente, muitos dos países europeus hoje prejudicados com a enorme migração de refugiados. São questões antigas que devem ser avaliadas com cuidado. Não se tem como avaliar o cenário envolvendo esses refugiados como um todo, pois que se tratam de inúmeros cenários, entrelaçados ou não, ocorrendo em vários países, que têm em comum a questão dos conflitos internos e externos. Quando vistos como uns todos se têm: Afeganistão, Iraque, Iran, Síria, Arábia Saudita, Israel, Jordânia, entre outros mais. As consequências são mais bem entendidas do que as causas, representando a fuga de pessoas, ou migrações em massa, o assentamento dessas populações de modo precário, a falta ou precariedade da assimilação dessas populações pelos “nativos” dos países, a pobreza pela falta de oportunidades, o surgimento de ações de revoltas e, por que não, as ações terroristas, praticadas por uma minoria que deseja se impor a qualquer custo, ou por meio da tirania, disfarçada como religião. Esse encadeamento de situações não necessariamente atinge a todos os migrantes, mas certamente termina sendo a causa contributária para ações terroristas, que empregam como escudo, em discursos escatológicos que buscam explicar ações inexplicáveis. A antropologia, a sociologia, as ciências políticas e econômicas não têm até o momento “ferramentas de análise” das causas e consequências. Sabe-se que a cada ação deve surgir uma reação. Sabe-se que ao se esticar demais a pressão (elástico) haverá, com o rompimento das relações, revoltas e guerras. No Brasil, grandes migrações foram motivo de muitos trabalhos acadêmicos, como por exemplo, as do Nordeste para a construção da estrada de Ferro madeira-Mamoré, a decorrente da exploração de borracha na Amazônia, as migrações europeias para os estados do sul do Brasil, entre outras tantas. Não se deve esquecer a quantidade de migrantes que aqui aportou fugindo das guerras na Europa. É relevante se mencionar as migrações decorrentes da implantação de grandes empreendimentos industriais, como a da construção de Refinarias em Pernambuco (RENEST) e no Rio de Janeiro (COMPERJ). Ao final das obras muitos desses migrantes terminam residindo nas periferias das cidades em habitações precárias. Esse fenômeno social e político-econômico já vem sendo estudado. A questão maior, que é a da associação dos custos versus benefícios sob o aspecto das populações ainda não está plenamente estabelecida, ofuscada pelo aumento das receitas dos municípios beneficiados com a instalação desses empreendimentos. Em resumo, ainda não estamos sendo diretamente afetados, e dificilmente o seremos. Os impactos para nosso País serão infinitamente menores do que determinados países europeus.
Como o senhor avalia, sob a ótica do gerenciamento de riscos, a questão da crise financeira mundial?
Já se sabe que uma crise financeira mundial não atinge determinados países, mas sim, pode afetar todos os países, em maior ou menor escala. Na visão do gerenciamento de riscos, uma crise afeta diretamente o “bolso do povo”, afetando sua liquidez, ou capacidade de compra. A atividade de seguros se ressente de alguma forma durante essas crises. A redução do volume de prêmios novos aumenta as responsabilidades pelos riscos assumidos, que é calculada se baseando em um ingresso contínuo de prêmios. A SUSEP, nos últimos anos vem apresentando um regramento sólido para assegurar a liquidez do sistema de seguros como um todo. As provisões técnicas, quando bem constituídas, são o salvo conduto das seguradoras passarem incólumes pelas crises. Mas, os cientistas políticos ainda não concluíram seus estudos sobre os impactos diretos e indiretos nas economias dos demais países. Esse é um tema do momento, que está coincidentemente ou não associado à gestão econômica-política dos países. Não lí nada a respeito de eventuais previsões elaboradas por profissionais da área de seguros. Destacando os cenários e nos focando apenas no Brasil, as atividades de microsseguros podem ser afetadas, já que foram idealizadas para as novas classes sociais “C” e “D” divulgadas pelo governo.
Como o senhor avalia o cenário da exploração de petróleo em águas profundas sob a visão de um gerente de riscos?
A exploração de petróleo e gás por sí só é uma questão bastante complexa de ser avaliada, não só pelo viés econômico, como também pelo viés estratégico-político social. A exemplo das demais questões formuladas, essa também faz parte de um rol de temas complexos cujas análises não expressam a magnitude dos problemas. As reservas de óleo e gás passaram a ser commodities importantes e têm seus preços ditados não pela lei da oferta e procura, mas sim, nos dias atuais, por critérios políticos. Há alguns anos um barril de petróleo era comercializado na faixa de cem dólares. Hoje o preço está em torno de trinta dólares. A exploração de petróleo e gás em águas profundas exige projetos, equipamentos e instalações específicas, apropriadas para que se atinjam grandes profundidades. Essa atividade é bastante estudada em vários aspectos, como por exemplo, a da pressão da água exercida sobre equipamentos, os efeitos da corrosão, a incidência de correntes marinhas, entre outros aspectos mais. Existe muita preocupação do setor quanto à segurança das instalações e os organismos de inspeção se dedicam a avaliar todos os riscos e cenários. Eu diria que esse tipo de atividade, até mesmo em função dos riscos decorrentes, e pela prática de atividades similares em curso em vários países do mundo é hoje uma dessas onde já está se chegando ao “estado da arte” no que diz respeito à evolução das análises. Lógico é que acidentes ocorrem, como por exemplo, plataformas que são danificadas por furacões ou outros eventos da natureza, e eventos não avaliados corretamente, como uma eventual explosão de um poço devido ao acúmulo de gás. Os reflexos de todos esses problemas rapidamente contaminou uma série de empresas que atuam nesse segmento, contraindo suas atividades e gerando demissões de trabalhadores.
Como o senhor avalia, sob a ótica do gerenciamento de riscos, a questão do Aquecimento Global?
Eu já tive a oportunidade de me manifestar por duas vezes, através da divulgação de artigos específicos pela Editora Roncarati, a respeito dessa questão. Eu e muitos outros estudiosos do assunto entendemos que a questão do Aquecimento Global não deve ser percebida somente como algo que esteja ocorrendo devido a ações humanas. Por exemplo, nos últimos anos temos nos deparado com temperaturas bem acima das médias, onde o “pivô” da questão é o efeito El Niño, associado ao La Niña. Óbvio nos parece que precisamos adequar nossas ações destrutivas ou transformadoras da natureza ao cenário que se vislumbra. Os gases do “efeito estufa”, vapor d’água, CO2, metano, os principais, afetam a incidência da luz solar e retém o calor irradiado pelo Sol, aumentando as temperaturas da superfície. Isso é um fato. O problema é que os desmatamentos para o aumento dos pastos, a remoção das matas ciliares, a impermeabilização das cidades principalmente devido à conturbação terminam causando alterações climáticas locais. Os reflexos mais imediatos atingem a agricultura, e a saúde da população.
A precisão das previsões é algo ainda bastante complexo. Mesmo com toda a modernidade das avaliações do clima e do regime de chuvas nas previsões do tempo, nos jornais televisivos, ainda não é 100% correta para intervalos de tempo de cinco dias. Quando se avalia uma instalação industrial para a identificação dos riscos, provavelmente muitos desses não serão percebidos, isso porque o maior ou menor grau de precisão das previsões não depende unicamente da experiência dos profissionais especializados em gestão de riscos. Há os riscos concorrentes, muito pouco analisados, os riscos que ampliam os efeitos dos riscos principais, enfim, há uma série de questões de cunho técnico ainda não exploradas adequadamente. Nas aulas que ministro acerca do tema costumo exemplificar essas questões atribuindo o título de carregamento técnico de “paúra”. A esse era atribuído o valor de 30% de carregamento das taxas de risco. Isso quer dizer que a boa técnica de gerenciamento de riscos é posta de lado já que não temos 100% de certeza de que o que foi efetivamente previsto irá ocorrer em um determinado período de tempo? Não. Significa que ainda se tem um longo caminho a seguir. Não faz muito tempo assim e o mercado segurador empregava, em alguns trabalhos, software desenvolvido por importante resseguradora (ex-tool) para avaliar o poder destrutivo das ondas provocadas pela explosão de caldeiras e outros equipamentos. De lá para cá poucos programas foram agregados aos estudos de gerenciamento de riscos. Essa necessidade deve ser atendida pelas sociedades seguradoras para que se tenha mais acertos do que erros nos programas de gerenciamento de Riscos.
(23.03.2016)