Por Gregory Feltrim (*)
Acompanhamos as investigações da Operação Lava Jato, que posicionou a Petrobras no centro do que é considerado o maior caso de corrupção já ocorrido entre agentes governamentais e uma empresa do setor público-privado no Brasil. Nosso intuito é refletir se realmente havia a possibilidade de mitigação desses riscos e se os mesmos foram dimensionados antes da ocorrência dos fatos.
Podemos entender que, atualmente, a companhia ganhe o rótulo de antiética? Grandes empresas têm, entre suas principais preocupações e prioridades, manter conformidade com as melhores práticas de governança, riscos e compliance do mercado global. Tudo isso serve para que não se perca a capacidade de obtenção de investimentos e para que determinados riscos não denigram a reputação da empresa, gerando prejuízos, principalmente por conta de uma “falha ética” de seus colaboradores.
Diferentemente das atividades processuais, a ética pessoal não pode ser controlada. Porém, sabemos que mecanismos de compliance podem ser desenvolvidos para conscientização da importância de atitudes éticas na execução dos negócios.
Quando falamos em riscos, precisamos entender que eles apresentam diversas variações (riscos internos e externos, por exemplo) e estão presentes nos mais diferentes setores de atividades. Os riscos podem ainda ser de diversas categorias: operacionais, de mercado, financeiro, de imagem, entre tantos outros. Mas vamos nos fixar no risco de compliance.
Com um nome até então não muito familiar para alguns gestores e stakeholders, entendo que este é um dos principais riscos a ser monitorado e acompanhado continuamente por todas as companhias, independentemente do seu segmento. A falta de um controle efetivo para este tipo de risco pode agravar os demais riscos corporativos. A própria Petrobras, até a ocorrência dos fatos de corrupção, possuía apenas o departamento de auditoria interna, sem contar sequer com um departamento de compliance.
Por conta da ausência deste controle e pela “falha ética” de alguns gestores, a companhia agora se encontra em meio a uma erupção de problemas relacionados a riscos diversos, como perda do valor de mercado, diminuição da nota de confiabilidade internacional pela agência Moody’s (risco de mercado), exposição negativa na mídia mundial (risco de imagem), queda de 30% no valor das ações no período de um ano (risco financeiro e de mercado), possibilidade de penalização (Lei de Combate a Práticas de Corrupção no Exterior, FCPA, na sigla em inglês, e Lei Anticorrupção 12.846/13) com multas financeiras (risco financeiro), entre outros.
O centro desta reflexão é a ausência de um programa de Governança, Riscos e Compliance (GRC), devidamente integrado e estabelecido. Agora, faço outra pergunta: poderiam estar isentos da responsabilidade indireta dos fatos os colaboradores que tinham autonomia para maximizar os controles e acreditavam que o departamento de auditoria interna existente poderia suprir todas as necessidades de governança, de acordo com as melhores práticas de mercado? Acredito que não. Tratando-se da maior empresa público-privada do país, com ações na maior bolsa de valores do mundo, a de Nova York, não é justificável o não atendimento das melhores práticas e implementações de programas que aumentam o nível de governança de uma companhia mundial!
Para esclarecer e não desqualificar o objetivo da auditoria interna, que também é extremamente importante para uma gestão qualificada, lembro que este departamento tem como principal função fiscalizar e testar os processos e controles, diferentemente de um departamento de governança corporativa e compliance. Este tem a incumbência principal de acompanhar e disseminar a importância das obrigatoriedades regulatórias nos processos/controles internos e nas questões éticas, tão importantes no cenário empresarial e político-econômico brasileiro. Daí a relevância especial de realmente integrar e implementar todos os departamentos de controle existentes em uma companhia como a Petrobras.
Ferramentas e procedimentos para mitigar o risco de compliance já existem há algum tempo. Talvez as empresas e os gestores brasileiros ainda acreditem que não vale a pena investir neste tipo de prevenção. Ou melhor, talvez entendam que é mais fácil esperar o fato acontecer para modificar e controlar, do que prevenir a materialidade do risco inerente aos processos.
Um recado aos administradores vem da pesquisa realizada por Arnold Schilder, que foi membro do Conselho de Administração do Banco Central Holandês. “Há estudos que analisam o custo benefício da implantação de programas de compliance em organizações e que chegaram à conclusão de que, para cada US$ 1 gasto, são economizados US$ 5, com a mitigação de processos legais, danos à reputação e perda de produtividade”.
Tenho total convicção de que a perda com a materialização desses riscos é muito maior do que a implantação de um programa de compliance. Cito para defender minha afirmação o acordo de leniência previsto na lei brasileira 12.846/13, que prevê a redução da pena (entende-se multa) caso seja constatado que a empresa possui meios para prevenção de tais riscos e proporcione apoio na obtenção de informações que possam auxiliar na investigação de casos como esse vivido pela estatal.
Imaginem o tamanho da multa da Petrobras, levando em consideração que a penalidade da lei brasileira pode chegar a 20% do faturamento bruto. Isso sem falar na penalidade que poderá ocorrer também pela Lei de Combate a Práticas de Corrupção no Exterior (FCPA), que possui multas ainda mais agressivas. Uma quantia que ajudaria e muito no desenvolvimento da educação do país, concordam?
Agora, voltando à primeira questão levantada no texto, entendo que, diante de tantas ferramentas utilizadas no cenário corporativo mundial, a Petrobras não é uma empresa antiética, mas, sim, uma companhia que aceitou ser negligente perante seus riscos e mostrou se ingênua, acreditando ou aceitando que departamentos integrados de controles fossem desnecessários.
Antiéticos, com certeza, são os seus principais gestores, que ignoraram controles (frágeis, mas controles) e aproveitaram a ineficácia dos mesmos para ganhos e vantagens pessoais, que no final das contas denegriu não só a imagem de uma companhia, mas de todo um país, que já sente e sentirá os impactos da falta desta consciência de que prevenir, qualificar e disseminar a importância dos controles é o melhor caminho.
NOTA: APetrobras divulgou recentemente, após a dimensão dos fatos constatados, a primeira medida para tentativa de reestruturação da reputação da companhia: a criação de um departamento e diretoria de Governança Corporativa e Compliance. O organograma está no site da estatal:
http://www.petrobras.com.br/pt/quem-somos/organograma/
(*) Gregory Feltrim é sênior da área de Fraudes, Investigação e Disputas (FID) da BDO.
Fonte: BDO, em 09.06.2015.