Não é só a alta gestão que precisa estar comprometida com o programa de compliance da empresa. Se o middle management não “comprar” a ideia, a mensagem corre o risco de ficar pelo caminho.
Fazer com que profissionais da média gerência entendam o seu papel no sucesso do Programa de Compliance e passem a funcionar como multiplicadores frente aos demais funcionários é um diferencial importante para as empresas, em especial aquelas que não contam com grandes áreas de compliance, como explica nesta entrevista Fernando M. Caleiro Palma, Diretor Executivo de Corporate Compliance da EY (antiga Ernst&Young).
Muito se fala sobre a importância do comprometimento do top management para o sucesso do programa de compliance. Mas qual o papel do middle management nessa história? No final do dia, não são eles os principais responsáveis por difundir o programa?
Não se pode esquecer que o papel da Alta Administração para o sucesso do programa de compliance é fundamental, tanto que o seu envolvimento (“Tone at the Top”, como é comumente conhecido entre os profissionais de compliance) compõe um dos sete pilares de um programa robusto e eficaz. Há inúmeros artigos escritos sobre o tema e todos são unânimes em afirmar sua condição sine qua non para o êxito do programa. Todavia, devemos ressaltar o papel crucial exercido pela média gerência (ou middle management) – normalmente composto por executivos que ocupam a posição de gerentes e supervisores – cujos profissionais funcionarão como multiplicadores do programa de compliance junto a seus subordinados. Afinal, são eles que, no dia a dia, estão em contato direto com a operação da empresa e portanto exercem papel importantíssimo nessa vertente. Inclusive, notável salientar que em várias empresas (especialmente multinacionais estrangeiras) onde o programa de compliance já está mais maduro, parte do bônus dos executivos em posição de middle management está atrelado a objetivos relacionados ao programa de compliance e sua disseminação e aderência pelos funcionários.
Existe algum trabalho ou treinamento específico sobre compliance para o time do middle management? É preciso dar, além da visão estratégica, talvez um approach mais tático, de execução do plano de compliance mesmo?
Normalmente segmentamos a categoria de funcionários de uma empresa em uma pirâmide com três divisões. No topo, alocamos os membros da Alta Administração, normalmente diretores executivos, vice-presidentes, presidente, C-Suite e membros do Conselho de Administração (quando é o caso). Já na base desta mesma pirâmide, alocamos os funcionários que geralmente não tem linha de reporte abaixo, ou seja, é a população da empresa que detém cargos de relevância, porém sem nível gerencial ou mesmo de supervisão. E no meio destas duas categorias, alocamos os profissionais líderes e de média gerência, normalmente gerentes e supervisores. Nessa linha de raciocínio, o approach de treinamentos de compliance, que aliás compõe um outro pilar importante de sustentação para obter-se um programa robusto e eficaz, deve ser diferenciado para cada um desses grupos. Quando desenvolvemos os treinamentos para o middle management, adotamos a metodologia de “Train the Trainer”, ou seja, treinamos essa população não apenas para estar alinhada com a estratégia de compliance chancelada pela Alta Administração, mas também para que eles sejam os multiplicadores desse treinamento para os seus subordinados. Esse approach também é muito utilizado quando estamos diante de empresas com milhares de funcionários, onde o treinamento presencial feito somente pelo profissional de compliance pode ser, na realidade do dia a dia, uma tarefa quase impossível.
Tenho frisado bastante essa questão: temos de ser realistas e adotar decisões simples e eficazes. A maioria esmagadora das empresas simplesmente não tem budget suficiente para construir estratégias de compliance de excelência. Minha dica é: seja simples e criativo, faça ‘mais com menos’ e utilize seus funcionários em posições de média gerência como conduítes para que a sua mensagem seja multiplicada até a base da pirâmide. Utilize linguagem simples e de fácil absorção, com “cases” reais para o treinamento. Seja prático e não faça nada longo (nenhum funcionário da área de operações ficará contente em ficar 4 horas numa sala de treinamento. Procure fazer em duas horas, no máximo). Esteja seguro de que tudo está documentado. Tudo certo quanto a esses pontos? Parabéns. Você atingiu seu objetivo.
As empresas enxergam esse público como alvo prioritário dos programas de compliance ou ainda o trabalho se dá muito no topo e depois parte-se para a massificação da mensagem?
Há que se trabalhar em conjunto nessas situações. O profissional de compliance funcionará tal como o maestro de uma orquestra, ou mesmo o técnico de um time de futebol. Ele não entrará em campo para jogar ou tocar um instrumento, todavia, sua presença é fundamental para saber que todos deverão estar unidos em uma mesma estratégia para vencer o jogo, ou mesmo prontos para tocar a mesma música sem qualquer desafino. O profissional de compliance é quem irá traçar essa estratégia e posicionar cada um para que saibam a hora exata de atuar. E mais: que todos entendam a importância e relevância do seu papel.
Em muitas empresas – especialmente as brasileiras, uma vez que o tema compliance ingressou na agenda de discussão recentemente -, a percepção da média gerência quanto ao seu papel no sucesso do programa de compliance ainda não está clara, ou melhor, ainda merece evolução. Nosso papel é justamente desmistificar a percepção de que o profissional de compliance é um “business stopper” (ou como brinco, ser a área de compliance da empresa conhecida como DPV – Departamento de Prevenção a Vendas). E o papel da média gerência é fundamental nesse cenário, pois a partir do momento que o compliance officer consegue fazer essa média gerência entender o seu papel no sucesso do programa de compliance, e melhor ainda, que ela ‘compre’ o programa e passem a funcionar como multiplicadores frente aos demais funcionários, pronto! Você teve uma excelente vitória e sua vida se tornará bem mais fácil – você até terá tempo de almoçar com mais calma… (risos)
É possível dizer que a ação com os gestores do middle management será um dos principais focos de atenção dos compliance officers nos próximos anos?
Sem dúvida. Ainda que a Alta Administração esteja totalmente engajada e apoie o programa, inclusive participando dos comitês estratégicos e apoiando de forma absoluta a área funcional de compliance em seus objetivos e metas, sabemos que, no calor das operações, quem está na arena e em plena batalha são os executivos de média gerência e o corpo de funcionários que eles supervisionam e gerenciam. Estou seguro que a atuação da área de compliance com foco no middle management representará um grande diferencial para o sucesso do programa, uma vez que, na ausência de uma grande equipe exclusivamente dedicada à área – o que representa a realidade da maioria das empresas -, esses funcionários em posição de média gerência podem fazer uma enorme diferença na disseminação da cultura de compliance, assim como na aderência, pelos seus subordinados, aos ideais, objetivos e metas do programa. Uma vez estando tudo isso “costurado”, seguramente a vida do compliance officer será mais tranquila – ou melhor, menos turbulenta!
Entrevista publicada originalmente na edição nº 06 (Junho/2014) da revista LEC.
Fonte: LEC, em 04.02.2014.