Por Gloria Faria
Muitas vezes, os interesses que envolvem um projeto de lei ou uma proposta de regulamentação carregam uma dicotomia intransponível. De outras, após ajustes nas eventuais distorções ou inadequações que inviabilizariam a efetividade da norma tal o impacto negativo no setor a que se refere, sua aprovação vem a atender a lacunas.
Entretanto, dificilmente vemos situações como a que aqui iremos tratar, na qual tanto os interesses do setor - no caso o de seguros - como também os de relações de consumo, o público e a sociedade civil como um todo são contemplados com um ganho real.
Estamos falando das disposições da Lei nº 12.977, de 20 de maio de 2014, que “regula e disciplina a atividade de desmonte de veículos automotores terrestres”, e a Resolução CNSP nº 336, de 2016, que “dispõe sobre as regras para operação de seguro popular de automóvel com permissão de utilização de peças usadas oriundas de empresas de desmontagem (...)”.
Os referidos normativos, além de propiciar novas oportunidades de negócio para seguradoras e corretores de seguros, vieram permitir a criação de seguros mais baratos, que melhor caberão no bolso dos proprietários de automóveis que optarem pela utilização parcial ou total (exceto em itens de segurança) de peças oriundas de desmontagem para a reparação do seu veículo.
Assim, a Lei nº 12.977/2014 veio atender a anseios antigos inspirados na experiência europeia – sobretudo na Espanha – e a latino-americana - com o modelo argentino – de adoção do recondicionamento e reutilização de peças seminovas na reparação de veículos automotores. As normas regulatórias estrangeiras que tratam da recuperação/recondicionamento de peças de desmontagem e sua reutilização tiveram como efeito não apenas um aumento nas vendas de seguros, mas também uma diminuição relevante no roubo de carros, até então fomentado pelos desmanches ilegais.
A redução da violência urbana foi também resultado importante na Argentina, que viu diminuir em 50% o roubo e furto de autos, já ao final dos primeiros seis meses de promulgação da lei, além da queda em cerca de 30% dos crimes com lesão corporal.
Entretanto, não alcançamos ainda o estado da arte! Ainda são necessários pequenos ajustes na Resolução nº 336/16 que permitirão a efetividade e eficiência dessa norma regulatória, bem como facilitarão a implementação do novo seguro. Urge o aperfeiçoamento de seu texto, exatamente, pelo fato de trazer uma série de vantagens para o consumidor. Entre as mais notáveis: um preço menor, a facilidade de pagamento em até 12 meses, com a garantia de qualidade e segurança do reparo, só plenamente possíveis a partir das alterações.
A execução dos reparos deverá se dar, exclusivamente, nas oficinas referenciadas da seguradora, para que possa haver o controle da diminuição do preço a ser repassada ao consumidor, o controle da qualidade dos reparos e resultado, bem como a garantia da procedência e confiabilidade das peças usadas (recondicionadas/recuperadas), pelo o que a seguradora responderá.
Deverá também sair do texto da resolução a nomenclatura “peças originais”, que é restritiva sem trazer garantia de melhor qualidade, já que não somente as peças “originais” são as adequadas.
Por fim, na opinião dos especialistas do setor, o seguro popular de auto deveria ter como foco e objeto apenas veículos com, no mínimo, cinco anos de fabricação, isto para prevenir um desequilíbrio ou canibalização na concorrência.
Que se mantenham e se consolidem as esperanças de melhor atender os consumidores e aumentar sua aderência ao seguro de automóveis, o que só contribuirá para várias formas de controles necessários quer ao trânsito, quer ao próprio meio ambiente. Que se confirme o jogo do ganha-ganha!
Fonte: Informe Jurídico CNseg, Edição 136, Março e Abril/2016.