A expectativa que se depreende de conversas com as autoridades é que a minuta do novo decreto que irá tratar do regime disciplinar, substuindo o 4.942, chegará para análise da Casa Civil ainda em 2014. A esperança de que tal aconteça naturalmente esquenta o debate em torno do que se espera dessa atualização da norma, como mostrou a mesa-redonda promovida na última quinta-feira (27) pelo CEJUPREV - Centro de Estudos Jurídicos da Previdência Complementar.
Na verdade, essa revisão começou a ser feita há mais de dois anos, quando chegou a ser constituído e a se reunir um grupo de trabalho na Câmara de Recursos da Previdência Complementar (CRPC) para esse fim, mas a minuta então produzida não atendia e o assunto acabou não evoluindo. A questão, segundo informações passadas por autoridades, foi no entanto retomada e de sua discussão, naturalmente, o sistema deseja participar.
Desejo - A atenção que o sistema atribui ao assunto decorre, claro, de sua evidente importância, mas também do desejo de ser adequadamente ouvido e da necessidade tanto de se evitar retrocessos como de se celebrar avanços no novo texto. O número de autos de infração caiu, de modo que este não é motivo particular de preocupação.
“As nossas entidades nunca foram tão fiscalizadas e apesar disso temos menos autos de infração”, observou Luiz Fernando Brum, do escritório Martins e Brum Advogados e que na mesa do CEJUPREV expôs o tema “Princípios do Processo Sancionador Administrativo”. Ele mencionou os números mais recentes fornecidos pela PREVIC.
O número de autos de infração seguiu inicialmente trajetória declinante. Foram 184 em 2007, 47 no ano seguinte, 22 em 2009 e 14 em 2010. A partir daí voltou a subir: 17 (2011), 21 (2012) e 23 (2013), mas ainda assim esta é uma quantidade de toda forma substancialmente menor do que a registrada no início da série.
Quanto aos TACs (Termos de Ajustamento de Conduta), os números também revelam uma evolução positiva: 1 (2010), 2 (2011), 3 (2012), 7 (2013) e 3 (2014 até agora), totalizando 16 na soma dos vários anos.
Aproveitar a oportunidade - O fato de não se viver uma crise, entretanto, prosseguiu Brum, não significa que “podemos deixar passar a oportunidade de melhorar o 4942 em alguns pontos e, até antes disso, evitarmos retrocessos. Ele fez menção, mas não se demorou a falar da existência de diferentes pensamentos sobre se um decreto é suficiente para abrigar o regime disciplinar ou se este requer uma lei. “As duas interpretações encontram quem as defenda”, notou.
Os representantes da Procuradoria da PREVIC presentes à mesa reagiram em geral positivamente às sugestões de aprimoramento da norma.
Mensagem feliz - “Foi muito feliz a mensagem passada pelos representantes da Procuradoria e da Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem no sentido de que mostraram enxergar a importância de dotar o sistema de uma norma processualmente adequada e que fortaleça princípios como proporcionalidade e dosimetria”, disse um dos debatedores na mesa, o advogado Roberto Messina, do escritório Messina, Martins e Lencioni Advogados Associados.
Assim, dentro de um processo normal de evolução e aprimoramento é razoável esperar alguns aperfeiçoamentos. Por exemplo, é possível introduzir melhorias no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). "Uma melhora no TAC seria permitir que seja celebrado mesmo após a lavratura do auto, desde que antes do julgamento, como já acontece hoje com as instituições supervisionadas pela Comissão de Valores Mobiliários, a CVM", exemplificou Brum.
É pouco - Brum coloca outro aprimoramento muito aguardado. Refere-se à explicitação do termo inicial e aos critérios de contagem do prazo de defesa na hipótese de serem vários os autuados, algo tratado no art. 28, § 3º. "É importante mudar porque, quando são lavrados vários autos simultaneamente, o prazo único de 15 dias é claramente pouco tempo para se oferecer a defesa de todos ao mesmo tempo e de forma consistente”, observou Brum.
Vários outros aprimoramentos estão sendo igualmente aguardados. Nessa linha, está dentro das expectativas assegurar-se a possibilidade de correção de eventual irregularidade, caso não tenha havido qualquer prejuízo ou agravante. Isso é algo que já está inclusive, no paragrafo 2º do artigo 22 do atual Decreto, precisando apenas ser mantido.
Precisa-se também definir o conceito de prejuízo como sendo aquele efetivamente acontecido, enfim algo concreto e palpável. Não cabe em nosso entendimento, explica, incluir nesse raciocínio a ideia de perdas abstratas ocorridas pelo mero desenquadramento de algum dispositivo.
Proporção e dose - O novo decreto precisa ainda refletir uma maior preocupação com critérios adequados de razoabilidade e proporcionalidade na aplicação das penas. É o que se chama no ambiente jurídico de dosimetria adequada, o que significa penas ajustadas e em conformidade com a sanção. Afinal, estamos na esfera administrativa do regime disciplinar e não civil, onde ao contrário de nosso caso se busca o ressarcimento.
E quando se fala em inabilitação é preciso ter a comprovação da má fé antes da penalidade ser aplicada, por tratar-se a proibição do exercício da profissão de uma pena capital. Também se precisa definir o período após o qual o dirigente punido esteja reabilitado, podendo retornar ao exercício profissional.
Ora, ninguém pode ser eternamente excluído por ter, por exemplo, sofrido uma pena de advertência.
Norma em branco - Algo particularmente preocupa na redação do decreto atual. É o seu artigo 110, que ameaça punir qualquer dirigente por “violar qualquer outro dispositivo das leis complementares 109 e 108”. O que preocupa é que esta é uma norma em branco, que deixa qualquer um sujeito a uma pena. A própria Constituição, em seu artigo 5º inciso XXXIX, diz que não há crime sem lei anterior que o defina nem pena sob prévia cominação legal.
É igualmente fundamental que o processo administrativo garanta a ampla defesa e o exercício do contraditório aos acusados, mesmo porque estes são principios fundamentais da Constituição. Da mesma maneira como é essencial a identificação ou não do ato regular de gestão e a preservação do contrato previdenciário, concluiu Brum.
Para Messina, todos devemos caminhar no sentido de “construirmos modelos que priorizem a capacidade de analisar e julgar os fatos da forma mais ampla possível e educando para não punir”.
Fonte: Diário dos Fundos de Pensão, em 01.12.2014.