Por Fernando Henrique Silva da Costa (*)
Entenda melhor o caso. Segundo informações colhidas no sítio eletrônico do Superior Tribunal de Justiça (www.stj.jus.br), a Fundação Vale do Rio Doce de Seguridade Social – Valia interpôs recurso (REsp nº 1536786/MG – 2015/0082376-0) contra decisão que não admitiu o seu recurso especial, tendo em vista o acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, assim ementado:
“AGRAVO REGIMENTAL – NEGATIVA DE SEGUIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO – ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA PRIVADA – SÚMULA 321, DO STJ – APLICABILIDADE DO CDC – RELAÇÃO DE CONSUMO – COMPETÊNCIA ABSOLUTA – DEMANDA AJUIZADA PELO CONSUMIDOR – DECLINAÇÃO DE OFÍCIO – POSSIBILIDADE. O Código de Defesa do Consumidor é aplicável à relação jurídica entre a entidade de previdência privada e seus participantes, conforme súmula 321 do STJ. A competência absoluta, como se dá quando a relação é de consumo, pode ser declinada de ofício pelo juiz.”
Em decisão monocrática, o Ministro Luis Felipe Salomão, na qualidade de Relator do recurso apresentado pela Valia se posicionou contrário aos argumentos levantados pela referida Fundação, deliberando pela aplicação da conhecida Súmula nº 321/STJ, que tem o seguinte enunciado: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável à relação jurídica entre a entidade de previdência privada e seus participantes”.
Irresignada, a Valia formulou novo recurso para que fosse analisado pelo colegiado da Segunda Seção do STJ, cuja composição se deu pela presença de dez Ministros, e, de forma salutar ao segmento de previdência complementar fechado, a sessão resultou, por unanimidade, no julgamento totalmente favorável à Fundação, visto que afastou a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor.
Convém lembrar, oportunamente, que no último Encontro Nacional de Advogados das Entidades Fechadas de Previdência Complementar – 10º ENAPC/2015 (10 e 11/08), o primeiro painel trouxe como tema principal a “Inaplicabilidade do CDC às Entidades Fechadas de Previdência Complementar”. Naquele dia do evento, era prevista a participação do Ministro do STJ, Ricardo Villas Bôas Cueva, porém, por questões pessoais não pôde comparecer como palestrante.
De toda forma, foi feito um retrospecto sobre os grandes temas da previdência complementar fechada levados ao Poder Judiciário, sendo comentado no citado painel, dentre outros elementos, as demandas judiciais que confundiam a relação de emprego do participante com a previdência privada (reflexos no TST), as equiparações entre EAPC e EFPC e, notadamente, a não aplicação às EFPC da Súmula nº 321/STJ, já que administra recursos de terceiros e não visa o lucro na operação dos planos. Sob este aspecto, restou defendido o sistema próprio e específico do participante/assistido/patrocinador vinculado a plano de benefícios de caráter previdenciário, sob a gestão de Fundos de Pensão, devendo ser direcionado o CDC apenas quanto às EAPC.
O julgamento do dia 26/08 proferido pelo STJ é um marco para as EFPC, que lutam incansavelmente em suas defesas judiciais pela não aplicabilidade do CDC. Após anos de debates, o STJ vem mudando seu entendimento quanto aplicar ou não o enunciado da Súmula nº 321. Recentemente, observem o que vem decidindo os Ministros da referida Corte:
“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. MIGRAÇÃO DE PLANOS. VÍCIO DO CONSENTIMENTO. REEXAME DE PROVAS. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. ENTIDADE FECHADA DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. INAPLICABILIDADE DO CDC.
1. Inviabilidade de se contrastar o entendimento do Tribunal de origem acerca da inexistência de coação para a migração de plano de previdência, em razão do óbice da Sumula 7/STJ.
2. Inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às entidades fechadas de previdência privada, excepcionando-se o disposto na Súmula 321/STJ.
3. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.”
(AgRg no REsp 1372240/DF, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/08/2015, DJe 28/08/2015) (sem destaques no original)
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“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. DECRETO N. 81.240/78. LEGALIDADE DO LIMITE DE IDADE. FATOR DE REDUÇÃO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. NÃO INCIDÊNCIA.
1. É legal o limitador etário (55 anos) para aposentadoria complementar previsto no Decreto n. 81.240/78, por não exorbitar os limites da Lei n. 6.435/77.
2. A partir da entrada em vigor do Decreto n. 81.240/78, patrocinador e assistidos ficam obrigados ao cumprimento no novo regime jurídico.
3. O Código de Defesa do Consumidor não se aplica à relação jurídica existente entre entidade fechada de previdência privada e seus participantes, uma vez que o fundo de pensão não se enquadra no conceito de fornecedor, devendo a Súmula n. 321/STJ ser aplicada somente às entidades abertas de previdência complementar.
4. Agravo regimental desprovido.”
(AgRg nos EDcl no REsp 1234789/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/08/2015, DJe 17/08/2015) (sem destaques no original)
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“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. INEXISTÊNCIA DE LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO COM A PATROCINADORA. EXIGÊNCIA DE CESSAÇÃO DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO COM A PATROCINADORA. CABIMENTO. RELAÇÃO NÃO REGIDA PELO DIREITO DO CONSUMIDOR. NECESSIDADE DE REVISÃO DA SÚMULA Nº 321 DO STJ. INCIDÊNCIA DAS NORMAS VIGENTES NO MOMENTO EM QUE REUNIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E PROVIDO.
1. Não há litisconsórcio passivo necessário entre o fundo de previdência complementar fechada e a instituição patrocinadora, tendo em vista a autonomia de patrimônio e a personalidade jurídica própria de cada um. Incidência da Súmula nº 83 do STJ.
2. O Código de Defesa do Consumidor não é aplicável à relação jurídica existente entre o participante e a entidade fechada de previdência privada. Necessidade de revisão do teor da Súmula nº 321 desta Corte, para restringir a sua aplicabilidade às entidades abertas de previdência privada.
3. O participante tem mera expectativa de que permanecerão íntegras as regras vigentes no momento de sua adesão ao plano de previdência complementar fechada. Alterações posteriores do regime a ele se aplicarão, pois não há direito adquirido a regime jurídico.
4. Recurso especial parcialmente conhecido e provido, invertidos os ônus sucumbenciais.”
(REsp 1431273/SE, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/06/2015, DJe 18/06/2015) (sem destaques no original)
É inegável que o entendimento da Segunda Seção do STJ afetará toda a coletividade envolvida no segmento de plano de benefícios operados por Fundos de Pensão, especialmente, por ter sido uma decisão unânime. Realmente, trata-se de um julgamento de elevada importância para as EFPC. O ato de rever a Súmula nº 321/STJ, no sentido de aplicá-la somente à relação jurídica entre as Entidades Abertas de Previdência Complementar/ Seguradoras e seus participantes, representa o reconhecimento da legislação específica voltada às EFPC e, vai mais além, dá apoio legal às defesas das EFPC que asseguram o fato de não obterem lucro, de não comercializarem planos de benefícios e de não serem reguladas pelos dispositivos contidos no CDC.
Observem, a propósito, que a redação do artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor é totalmente incompatível com o artigo 31 da Lei Complementar nº 109/2001. Vejamos:
“Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.” (sem destaques no original)
Art. 31. As entidades fechadas são aquelas acessíveis, na forma regulamentada pelo órgão regulador e fiscalizador, exclusivamente:
I – aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas e aos servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, entes denominados patrocinadores; e
II – aos associados ou membros de pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial, denominadas instituidores.
1º As entidades fechadas organizar-se-ão sob a forma de fundação ou sociedade civil, sem fins lucrativos.
(…)” (sem destaques no original)
Desta feita, torna-se imperioso reconhecer que os planos de benefícios administrados pelas EFPC não são ofertados ao público em geral, tal como ocorre com as EAPC e as Seguradoras. Além do mais, a própria legislação de regência já determina que as EFPC devam ser constituídas sem fins lucrativos. Logo, o julgamento do STJ é uma vitória para o sistema fechado de previdência complementar. Consequentemente, isto reforça a segurança jurídica nas EFPC, o que sempre se espera.
(*) Fernando Henrique Silva da Costa é Advogado, graduado em Direito pela Universidade Potiguar - Natal/RN, membro da OAB/DF e pós-graduando em Direito da Previdência Complementar pela Universidade Cruzeiro do Sul/UDF. É Supervisor Jurídico da GAMA Consultores Associados.
Fonte: GAMA Consultores Associados, em 08.09.2015.