
*Edição nº 460 da Revista da Previdência Complementar – uma publicação da Abrapp, ICSS, Sindapp, UniAbrapp e Conecta
Entrevista com Aparecida Pagliarini, por Paulo Henrique Arantes
A vida profissional de Aparecida Pagliarini confunde-se com a história do sistema fechado de Previdência Complementar. Advogada formada pela Universidade de São Paulo em 1972, é Sócia do Escritório Pagliarini Advogados, consultora, autora do livro “Manual de Práticas e Recomendações aos Dirigentes e Conselheiros das Entidades Fechadas de Previdência Complementar”, já na quinta edição, e especialista da UniAbrapp. Entre 2006 e 2020, integrou os Conselhos Deliberativo e Fiscal da OABPrev SP e, de 2007 a 2022, coordenou a Comissão de Ética da Abrapp/Sindapp.
Pagliarini não economiza franqueza ao definir o que se espera de um conselheiro atuante em uma Entidade Fechada de Previdência Complementar. A lealdade, sublinha, é condição essencial. “Essa lealdade, contudo, ainda é muitas vezes mal compreendida, gerando uma dicotomia dentro do colegiado, como se houvesse duas administrações distintas. De um lado, os indicados pelo patrocinador; de outro, os eleitos pelos participantes e assistidos. Na realidade, o interesse deve ser único: o plano – ou planos – de benefícios e sua gestão.”
Num mundo em transformação permanente e acelerada, alerta, não há espaço para um conselheiro alheio à tecnologia. Nesse ponto, contudo, Pagliarini lança mais dúvidas que certezas: “Hoje se fala muito em inteligência artificial. Mas, se perguntarmos para que ela serve, qual é a nossa responsabilidade diante desse novo mundo, que ética devemos adotar em seu uso e como lidar com os conflitos morais que ela traz, quantos realmente saberiam responder?” A seguir, confira a entrevista completa da especialista à Revista da Previdência Complementar.
Como o papel do conselheiro evoluiu nos últimos anos, com as novas demandas corporativas, de ASG, entre outras?
Aparecida Pagliarini – Eu fui conselheira durante 14 anos na OABPrev SP. Essa mudança é permanente. Primeiro, porque o conselheiro precisa ter vocação para aprender, sem a pretensão de saber tudo. O aprendizado contínuo é absolutamente necessário. Segundo, porque o mundo hoje muda com uma rapidez muito grande. Ontem mesmo eu estava lendo um livro sobre a cultura nas empresas e vi uma frase que me chamou atenção: o autor compara esse sistema de mudanças com as pessoas, como se daí surgisse uma raiz torcida que logo apodrece, sem que se saiba o que vem depois. Essa raiz apodrece em função das rápidas mudanças. Para mim, o conselheiro ideal deve ter algo que nem todos os livros de governança tratam: tempo. Ele precisa ter tempo para estudar, se atualizar, examinar as pautas e os documentos que as instruem. Além disso, deve ter habilidade de construir soluções em conjunto, porque os conselhos são órgãos colegiados.
E qual a mudança mais sentida nos últimos tempos?
Aparecida Pagliarini – Houve uma mudança importante, até porque, na vigência da legislação anterior, a Lei nº 6.435, nem se falava em governança no âmbito das entidades, que eram todas dirigidas por funcionários indicados pelo patrocinador, colocados à disposição para essa finalidade. Havia, portanto, um compromisso maior com a cultura do patrocinador, sem que se criasse uma cultura própria no ambiente da entidade. A partir de 2014, com a Resolução CGPC nº 13, o panorama mudou, porque a norma introduziu princípios e regras para uma boa tomada de decisões. Essa mentalidade, contudo, não está totalmente superada. E, a meu ver, isso se deve a um equívoco na legislação, que determina a renovação de parte do conselho a cada dois anos. Quatro anos seria um prazo mais razoável para que o conselheiro, seja deliberativo ou fiscal, se adapte à cultura da entidade.
A legislação apresenta ainda outro defeito, que considero muito perigoso: permitir que os conselheiros assumam a função com o prazo de um ano para se formar. Ora, e as decisões tomadas nesse período? Eles continuam responsáveis por elas. Eu chamo isso de “período de graça”, durante o qual a Previc não pode autuá-los, já que ela própria concede esse prazo de aprendizado. O conselheiro, no entanto, teria que chegar pronto para o exercício do cargo. É por isso que a UniAbrapp oferece cursos que não se destinam apenas a conselheiros em exercício, mas também àqueles que se interessam pela matéria e desejam se preparar para, no futuro, assumir a função.
Quais são, atualmente, as responsabilidades legais mais críticas do conselheiro?
Aparecida Pagliarini – A primeira responsabilidade – legal e moral – é a prudência. Não aquela prudência clássica de que tratavam os gregos, mas a prudência prevista desde 1976 na Lei das Sociedades Anônimas, que também estabelece a necessidade de lealdade, princípio igualmente consagrado na Resolução CGPC nº 13. Essa lealdade, contudo, ainda é muitas vezes mal compreendida, gerando uma dicotomia dentro do colegiado, como se houvesse duas administrações distintas. De um lado, os indicados pelo patrocinador; de outro, os eleitos pelos participantes e assistidos. Na realidade, o interesse deve ser único: o plano – ou os planos – de benefícios e sua gestão. Muitos conselheiros ainda não têm plena consciência de que também são administradores. O Conselho Deliberativo, afinal, administra a entidade em conjunto com a diretoria.
Como se equilibra a independência do conselheiro com a necessidade de se construir uma boa relação com a Diretoria Executiva?
Aparecida Pagliarini – Isso é imprescindível, porque, se não houver entrosamento entre conselho e diretoria, a gestão será deficiente: as decisões tenderão a ser ruins, mais pessoais do que orgânicas. Infelizmente, ainda se observa um conselheiro que não gosta de determinado diretor, ou um presidente que não se entende com o conselho, e isso representa um tiro na governança. Nesses casos, não se pode falar em um ambiente saudável, mas sim em conflito interno. Sempre digo que, nos colegiados, a discordância é positiva, desde que tenha como objetivo tirar os membros da passividade e levá-los à construção de uma decisão. O que não pode é se transformar em dissenso ou em disputa movida apenas por vaidade. Por isso, outro requisito essencial é estar devidamente qualificado. Muitos esquecem que, para obter a certificação, é preciso antes alcançar a qualificação. No fim das contas, o mais importante de tudo é ser qualificado.
(Continua…)
Clique aqui para ler a entrevista completa na íntegra.
Fonte: Abrapp em Foco, em 20.10.2025.