Realizado ao longo desta quarta-feira (26), o 1º Fórum de Saúde Digital teve em sua programação o painel “A formação do médico na Era Digital”, presidido pela conselheira federal Dilza Ribeiro (AC). A atividade discutiu como preparar os futuros médicos para um ambiente de intensa transformação tecnológica, reforçando a importância da ética, da humanização e da qualificação crítica no uso de ferramentas digitais.
Na primeira conferência do bloco, o professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), Milton Arruda Martins, destacou que a formação médica precisa avaliar não apenas conhecimentos, mas também comportamento e resultados, especialmente diante das desigualdades regionais em acesso à tecnologia. Ele defendeu que a saúde digital pode reduzir essas assimetrias e ressaltou que a formação deve ocorrer na rede assistencial, “à beira do leito”, retomando princípios da Declaração de Edimburgo.
Martins afirmou que a IA não substituirá o professor, mas que o docente que souber utilizá-la criticamente, substituirá o que não dominar essas ferramentas. Citou as novas Diretrizes Curriculares, que já integram competências digitais, e alertou para riscos do aprendizado baseado apenas em resumos gerados por IA, que podem comprometer habilidades cognitivas. Para ele, o ensino deve estimular análise, criação e validação crítica do que é produzido por máquinas.
Na segunda palestra do painel, Paula Fuscaldo Calderon, conselheira de Ética e Conduta da Sociedade Brasileira de Informática em Saúde (SBIS), destacou que a transformação digital (com IA, prontuários eletrônicos e telemedicina integrados ao cuidado) deixou de ser tendência e já molda diagnósticos, tratamentos e prevenção. Reforçou que a tecnologia deve ser vista como apoio ao médico, reduzindo erros e automatizando tarefas, desde que acompanhada de ética, transparência e combate a vieses.
Ela enfatizou que o médico deve manter o protagonismo nas decisões clínicas e que o letramento digital é indispensável para avaliar criticamente os algoritmos utilizados. Ao defender competências técnicas e humanísticas na formação, Paula Calderon reforçou a importância da empatia e lembrou que o docente precisa atuar como mediador entre o conhecimento clássico e o digital. “A tecnologia calcula; quem cuida é o médico”, resumiu.
Chao Lung Wen, chefe da disciplina de telemedicina da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), afirmou que o maior desafio da telemedicina não é substituir a consulta presencial, mas preparar o país para o envelhecimento populacional com redes de cuidado eficientes e integradas. Para ele, inovar significa aprimorar o que já existe, reduzindo desperdícios, ampliando acesso e promovendo prevenção e cuidados contínuos.
O expositor defendeu o ensino obrigatório de telemedicina e telepropedêutica na graduação, além do domínio de dispositivos inteligentes e ferramentas com IA. Chao apresentou tendências como hospitais conectados, centros cirúrgicos inteligentes e tele home care avançado, e destacou que o “médico do futuro” será profundamente humano e inteligentemente digital.
Fechando os debates do painel, a diretora de Informação em Saúde da Cambridge Health Alliance e professora assistente da escola de Medicina de Harvard, Hanna Galvin, apresentou experiências norte-americanas de uso da IA em áreas como emergências, radiologia e comunicação com pacientes, mostrando avanços em eficiência, priorização de casos e melhora do tempo de interação direta entre médicos e pacientes. Ela citou ferramentas que sintetizam prontuários, identificam achados em imagens e auxiliam pacientes que não falam inglês.
Galvin reforçou que a adoção da IA exige avaliação contínua, validação científica e transparência para garantir segurança clínica. Destacou estudos que analisam o uso dessas tecnologias por residentes e defendeu que resultados sejam divulgados para orientar boas práticas. Para ela, a IA só será benéfica quando aplicada de forma ética, segura e centrada no paciente.
Desafios éticos da saúde digital e impacto da IA marcam painel do 1º Fórum de Saúde Digital do CFM
Dando sequência às atividades do 1º Fórum de Saúde Digital do CFM, o painel “Desafios éticos da saúde digital” trouxe à tona questões centrais sobre o uso de tecnologias digitais e da inteligência artificial (IA) na medicina, seus limites e impactos na relação entre médicos e pacientes. A mesa foi presidida pelo conselheiro federal Waldemar Naves do Amaral (GO).
Primeiro expositor, o professor de Bioética da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e presidente da International Chair in Bioethics, Rui Nunes, afirmou ver as tecnologias digitais e a IA não apenas como ferramentas, mas como uma verdadeira mudança de paradigma para a sociedade e para a medicina. Otimista quanto ao potencial dessas aplicações para melhorar a qualidade da assistência, ele ressaltou que os médicos que se dispuserem a aprender e a imergir nesse novo ambiente têm a chance de se tornar “ainda melhores”. Ao mesmo tempo, chamou atenção para dilemas complexos, como autoria científica, direito de patente e integridade acadêmica em pesquisas que utilizam intensamente sistemas de IA.
Nunes ponderou que a crescente opacidade dos modelos de IA – cuja lógica interna pode se tornar incompreensível até para as mentes humanas mais brilhantes – tende a comprometer a explicabilidade e a reprodutibilidade de estudos científicos, pilares da medicina baseada em evidências. Para ele, a construção de uma “IA confiável em saúde” depende de diretrizes claras, com transparência sobre o uso dessas ferramentas, além do fortalecimento da proteção de dados e da privacidade (sobretudo diante do alto valor comercial das informações em saúde).
Na sequência, o diretor do Hospital Pequeno Príncipe (Curitiba/PR), Donizetti Dimer Giamberardino Filho, abordou os “Limites da tecnologia na relação médico-paciente” e reforçou que o vértice da profissão médica continua sendo esse vínculo. Ele resgatou a evolução histórica dessa relação – dos atendimentos domiciliares de forte confiança pessoal ao modelo hospitalar especializado pós-revolução industrial – para mostrar como a revolução digital reabre o desafio de preservar a dimensão humana no cuidado, em um contexto de alta tecnologia.
Giamberardino destacou que a autonomia do paciente depende de informação clara e adequada e que autonomia e responsabilidade caminham juntas, tanto para o médico quanto para quem recebe o cuidado. Ao tratar da IA, apontou riscos de redução do julgamento crítico, falta de transparência dos algoritmos e percepção limitada, por parte do paciente, da influência dessas ferramentas nas decisões clínicas. Enfatizou, porém, que a tecnologia não é um agente moral: o médico continua sendo o responsável ético e legal pelas condutas. Para ele, a saúde digital deve complementar – e jamais substituir – a presença, a empatia e o modelo de medicina centrada na pessoa.
Encerrando o painel, o chefe da disciplina de Telemedicina da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), Chao Lung Wen, falou sobre “O impacto da telemedicina na humanização do atendimento”. Ele defendeu que a chamada ética digital é hoje tão relevante quanto a ética social, numa realidade em que o mundo físico e o ambiente online se entrelaçam. Lembrou que há robusto respaldo científico internacional à telemedicina para ações bem definidas e argumentou que, em muitos contextos, negar ao paciente um recurso comprovadamente eficaz pode ser, em si, uma forma de desumanização.
Chao apontou que ampliar o acesso, evitar deslocamentos desnecessários e reduzir o sofrimento associado a viagens longas ou dificuldades logísticas são formas concretas de humanizar o cuidado por meio da telemedicina.
Fonte: CFM, em 28.11.2025