
O diretor cultural da Associação Médica Brasileira – AMB – Dr. Rômulo Capello Teixeira participou, no dia 6 de novembro, do Rio Health Forum como moderador de uma mesa-redonda que debateu o tema ‘Como as Sociedades Médicas podem Contribuir para a Sustentabilidade da Saúde’.
O evento, que apresentou como tema central “Construindo um Sistema Integrado e Sustentável na Saúde”, foi desenvolvido com o objetivo de interagir e contribuir na construção de um novo futuro para a Saúde. O encontro ocorreu no Rio de Janeiro, entre os dias 5 e 7 de novembro.
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Envelhecimento acelerado, tema do Enem 2025, muda o mapa das doenças no Brasil: câncer e condições neurológicas crescem entre idosos
O Brasil vive uma transição silenciosa e profunda: a de um país jovem que envelhece rápido demais.
Um estudo do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) mostra que a população idosa dobrará em apenas 25 anos, um ritmo seis vezes mais veloz do que o registrado na França. Até 2031, haverá mais idosos do que crianças – um marco demográfico que desafia a estrutura social, econômica e sanitária do país.
O envelhecimento acelerado, que inspirou o tema da redação do Enem 2025 (“Perspectivas acerca do envelhecimento na sociedade brasileira”), vem acompanhado de uma mudança preocupante no mapa das doenças: as enfermidades do envelhecimento – cardiovasculares, metabólicas e neurológicas – estão crescendo mais rápido do que a capacidade do sistema de saúde de lidar com elas.
As doenças do envelhecimento: um novo perfil epidemiológico
O levantamento do IEPS, de 2023, revela que os idosos brasileiros vivem mais, mas acumulam múltiplas doenças crônicas, com destaque para hipertensão, diabetes, doenças cardiovasculares, câncer, AVC e demências.
Essas condições já consomem boa parte dos recursos hospitalares do Sistema Único de Saúde (SUS), e a sobrecarga recai também sobre as famílias – especialmente as mulheres, que, segundo o estudo, se tornam cuidadoras e acabam afastadas do mercado de trabalho.
“Estamos envelhecendo antes de nos estruturar. O desafio não é só viver mais, mas viver com qualidade e suporte”, resume o relatório.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), distúrbios como AVC, Alzheimer, enxaqueca, epilepsia e neuropatia diabética já são responsáveis por quase metade da carga global de incapacidade.
O alerta ganha peso em países que envelhecem rapidamente, como o Brasil, onde o aumento da expectativa de vida amplia a exposição a esses fatores de risco.
“É uma crise silenciosa de saúde pública global, e o Brasil reflete esse cenário de forma muito evidente”, alerta Maramélia Miranda, presidente da Sociedade Brasileira do AVC.
No país, o AVC voltou a superar o infarto como principal causa de morte cardiovascular desde 2019 – um reflexo direto do envelhecimento populacional somado ao controle insuficiente da pressão, do diabetes e do colesterol.
Envelhecimento, desigualdade e descoberta brasileira
A doença de Alzheimer, que tem a idade como maior fator de risco, cresce na esteira do envelhecimento acelerado.
“O que a França levou cem anos para envelhecer, o Brasil está fazendo em dez – e não estamos preparados”, explica Elisa de Paula França Resende, coordenadora de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento da Academia Brasileira de Neurologia (ABN).
Baixa escolaridade, hipertensão, diabetes, depressão e isolamento social agravam o risco. O Plano Nacional de Demências, embora aprovado, ainda não foi implementado.
Mas uma descoberta recente, liderada por brasileiros, traz esperança: um estudo publicado na revista Nature Neuroscience mostrou que a progressão do Alzheimer depende de uma inflamação silenciosa no cérebro.
A descoberta marca uma virada na compreensão da doença e reforça a importância de identificar precocemente processos inflamatórios no cérebro, algo que poderá orientar futuras terapias combinadas.
Câncer: o outro rosto do envelhecimento
O avanço da idade também tem mudado o mapa das principais causas de morte no país.
Um levantamento do Observatório de Oncologia, apresentado no Fórum Big Data em Oncologia, mostra que o câncer já superou as doenças cardiovasculares em 670 municípios brasileiros, o equivalente a 12% das cidades do país – um aumento de 30% em oito anos.
O estudo, baseado em dados do Ministério da Saúde, revela que as mortes por tumores cresceram 120% desde 1998, mais que o dobro do aumento observado nas doenças do aparelho circulatório (51%).
Se o ritmo continuar, o câncer deve se tornar a principal causa de morte no Brasil até 2029, marcando uma virada epidemiológica ligada diretamente ao envelhecimento populacional.
“O câncer é uma doença do envelhecimento celular. Quanto mais o país envelhece, maior o número de diagnósticos”, explica o oncologista Abraão Dornellas, do Hospital Israelita Albert Einstein e membro do Instituto Vencer o Câncer.
Segundo o levantamento, 77% das mortes por câncer ocorrem em pessoas acima dos 60 anos – e o fenômeno é mais evidente nas regiões com maior expectativa de vida. O Rio Grande do Sul lidera o ranking nacional, com 168 municípios onde o câncer já é a principal causa de morte. Lá, 22% de todos os óbitos são provocados por tumores, índice bem acima da média nacional (17%).
“O Sul tem a maior expectativa de vida do país e uma rede de diagnóstico mais estruturada, o que naturalmente amplia os registros”, explica a pesquisadora Nina Melo, coautora do estudo. “Mas há também fatores ambientais e genéticos – é uma população majoritariamente caucasiana, mais suscetível ao câncer de pele.”
O avanço do câncer entre idosos e o aumento da longevidade se somam a outro desafio: as doenças cardiovasculares continuam a crescer, alimentadas pelo mesmo processo de envelhecimento populacional e pelos fatores de risco acumulados ao longo da vida. Entre eles, a hipertensão arterial é o mais determinante – e também o mais comum.
Hipertensão alimenta o ciclo
A pressão alta continua sendo a principal porta de entrada para complicações do envelhecimento, como AVC e insuficiência renal.
Em setembro, uma nova diretriz brasileira mudou o parâmetro: pressão de 12 por 8 passou a ser considerada “pré-hipertensão”. O objetivo é endurecer a prevenção e manter a pressão abaixo de 13 por 8 (130/80 mmHg) para reduzir o risco cardiovascular em todas as idades.
“É uma medida que antecipa o diagnóstico e reforça o papel da atenção básica, especialmente no SUS, que acompanha 75% dos hipertensos”, explica o cardiologista Fernando Nobre, da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).
A hipertensão afeta quase 30% dos brasileiros adultos, mas só um terço mantém controle adequado – um número preocupante para um país que envelhece rapidamente.
Famílias no centro da sobrecarga
O envelhecimento também reconfigura os lares brasileiros: segundo o IEPS, cresceu a proporção de casas habitadas apenas por idosos. Quando há limitações físicas, quase 100% dos cuidados são oferecidos por familiares, principalmente mulheres, o que reduz a renda e amplia a desigualdade.
“Sem políticas de apoio domiciliar e centros de reabilitação, a velhice no Brasil ainda é um problema privado – não uma prioridade pública”, resume Resende.
Um país que envelhece mais rápido do que se estrutura
O cruzamento de dados mostra que o Brasil está pouco preparado para o envelhecimento.
Há escassez de geriatras e gerontólogos, queda de leitos de reabilitação e poucas instituições de longa permanência. Apenas 36% dos municípios têm algum tipo de abrigo ou casa de apoio para idosos – a maioria privada.
A consequência é dupla: idosos mais doentes e famílias sobrecarregadas, num ciclo que já pressiona o SUS e desafia a previdência.
“O maior risco não é envelhecer, mas envelhecer mal – e sozinho”, complementa Resende.
Fonte: AMB, em 11.11.2025.