Nova regra da Anvisa abre margem para controvérsia

A decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de autorizar o uso da tirzepatida (Mounjaro) para o tratamento da apneia obstrutiva do sono (AOS) em pessoas com obesidade abriu o leque de profissionais habilitados para prescrever o medicamento. Agora, além de médicos, dentistas também podem prescrever essa medicação.
A mudança ocorreu em outubro, quando a agência ampliou a bula de Mounjaro
— já aprovada para diabetes tipo 2 e obesidade — para incluir a indicação em casos de AOS. Como a apneia também é diagnosticada e acompanhada na odontologia, a interpretação técnica passou a permitir que cirurgiões-dentistas prescrevessem o medicamento quando a AOS está associada à obesidade. A possibilidade, porém, não é consenso.
O Conselho Federal de Odontologia (CFO) entende que a prescrição é prerrogativa do cirurgião-dentista desde que o medicamento esteja indicado dentro da área de atuação da odontologia, conforme previsto na Lei 5.081/66. Com a nova aprovação da Anvisa, a entidade considera que a tirzepatida passou a se enquadrar nessa condição.
Porém, a entidade reconhece que “no caso do Mounjaro, essa responsabilidade aumenta, uma vez que sua indicação é exclusiva para pessoas com obesidade e que, muitas vezes, possuem fatores complicadores de saúde e até mesmo fazem uso de outros fármacos, o que pode inclusive render interações medicamentosas.” A orientação do CFO é de que a prescrição seja feita com autonomia, mas de forma responsável e com acompanhamento multidisciplinar – ou seja, em paralelo com outros profissionais, como médicos endocrinologistas ou especialistas em obesidade.
Entidades médicas defendem restrição
Já para a Associação Médica Brasileira (AMB), a prescrição da tirzepatida deve permanecer restrita aos médicos. A 1ª vice-presidente da entidade, Luciana Rodrigues Silva, afirma que medicamentos de uso sistêmico, especialmente os que envolvem riscos clínicos e necessidade de acompanhamento de comorbidades, exigem formação específica. “Essas medicações só devem ser prescritas por médicos, e médicos com experiência com elas. Cada profissional da saúde tem suas competências, e o diagnóstico e a prescrição médica precisam ser feitos com bases seguras de formação, farmacologia e conhecimento clínico”, diz.
Para o endocrinologista Bruno Halpern, vice-presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso), a opinião segue a mesma linha. O especialista defende que a obesidade é uma doença complexa e, desse modo, o medicamento deve ser receitado para aqueles que entendem da condição. O endocrinologista também expressa preocupação com o crescimento de prescrições inadequadas no tratamento da obesidade – um problema que, segundo ele, vai além da odontologia.
“E aqui eu não digo nem dentistas. Médicos mal-intencionados prescrevem produtos não regulados em clínicas, ganham uma fortuna com isso e assim por diante. Isso é ruim para todo mundo, inclusive para a medicação, que acaba ganhando uma fama de algo estético, quando é um remédio que pode ajudar muita gente. Tudo que envolve banalização é ruim”, declarou em suas redes sociais.
A base científica
A farmacêutica Eli Lilly, fabricante do Mounjaro, anunciou que recebeu aprovação da Anvisa para uso no tratamento de apneia obstrutiva do sono – distúrbio que causa interrupções da respiração durante o sono e pode levar a consequências como sonolência diurna, fadiga, doença coronariana e aumento do risco de derrames – no final de outubro deste ano.
O ensaio clínico que embasou a aprovação avaliou dois cenários: voluntários que já utilizavam o tratamento padrão recomendado para apneia, a terapia com pressão positiva nas vias aéreas (CPAP), e outro grupo que não usava o aparelho. Foram 469 participantes de diferentes países, incluindo o Brasil, e todos eles tinham diagnóstico de obesidade.
Comparado ao placebo, o Mounjaro foi cerca de cinco vezes mais eficaz, reduzindo em média 27 interrupções respiratórias por hora. Entre os participantes que usavam CPAP e incluíram o medicamento, a queda chegou a 30 interrupções por hora.
Para Halpern, o ponto central é que a indicação da tirzepatida para apneia está diretamente ligada ao tratamento da obesidade, o que exige manejo especializado. Ele reforça que o medicamento foi estudado apenas em pessoas com obesidade e apneia moderada ou grave e que os resultados dependem da perda de cerca de 20% do peso corporal.
“Nessa indicação, não estamos falando da apneia relacionada a alterações de arcada dentária. É um tratamento que exige avaliação da obesidade, conhecimento dos efeitos colaterais, análise de interações medicamentosas. Não faz sentido que dentistas prescrevam para essa indicação”, defende.
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Folha de S.Paulo – Entidades pedem à Anvisa proibição
imediata de canetas emagrecedoras em farmácias de manipulação

Após operação da Polícia Federal contra uma rede clandestina de fabricação de canetas emagrecedoras, cinco entidades pediram à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) a proibição total e imediata da produção e venda desses produtos por farmácias de manipulação.
SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia), SBD (Sociedade Brasileira de Diabetes), Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica), Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) e AMB (Associação Médica Brasileira) assinam o documento, que cita “risco sanitário iminente” e descontrole da comercialização de canetas emagrecedoras no Brasil.
Prova disso, dizem as entidades, é a operação da PF desta quinta-feira (28). Durante a ação, foram cumpridos 24 mandados de busca e apreensão nos estados da Bahia, Pernambuco, São Paulo e Rio de Janeiro. Carros, um avião, embalagens e remédios foram apreendidos.
A Anvisa, que participou da ação da PF, foi procurada no fim da noite desta sexta (28) por meio de sua assessoria de imprensa, mas ainda não se manifestou sobre a solicitação.
O pedido, segundo as entidades, se fundamenta em quatro pontos: risco sanitário por produção irregular; circulação em larga escala dos produtos; falta de amparo regulatório e esquema estrutural de fabricação.
Na prática, o que afirmam é que laboratórios de manipulação estão se valendo de sua estrutura para comercializar e vender semelhantes de tirzepatida —princípio ativo do Mounjaro– em escala industrial. Uma irregularidade de origem, já que farmácias de manipulação não podem fabricar medicamentos em larga escala, mas sim quantidades determinadas e adequadas às necessidades dos usuários.
“As moléculas originais (por exemplo, a tirzepatida) possuem características estruturais complexas, exigindo: processos industriais de alta complexidade, cadeia fria rigorosa, testes avançados de estabilidade, validação de dose, diluição e veículo e sistemas de envase asséptico com certificação específica. Nenhuma dessas etapas pode ser reproduzida adequadamente emambiente de farmácia”, diz trecho do texto.
As entidades afirmam que cadeias de produção similares à desmantelada pela PF se multiplicam no país, à luz da ausência de fiscalização. Com isso –e na esteira da alta procura por esses produtos–, os fabricantes impulsionam publicidade em redes sociais e aplicativos de mensagem, vendem e distribuem esses produtos a critério próprio.
Problemas que derivam da falta de controle são, por exemplo, contaminação, risco de infecção, reação alérgica e até mesmo falsificação das moléculas. Os produtos, dizem as entidades, não têm controle de concentração –isto é, podem conter mais ou menos substância, gerando risco de toxicidade.
O transporte das canetas, que exige sistema de refrigeração rigosos, também é negligenciado, segundo a nota, que também cita episódios de “pancreatite, vômitos incoercíveis, distúrbios metabólicos e hospitalização” em usuários.
Segundo as normas da Anvisa, para importar IFA (Insumos Farmacêuticos Ativos –o ingrediente principal do medicamento), as importadoras devem realizar, no mínimo, testes de controle e qualidade rigorosos, e então apresentar os resultados à agência.
Isso inviabilizaria a produção em larga escala, já que farmácias de manipulação não estão autorizadas a, de fato, fabricarem canetas emagrecedoras em grande volume.
“Isso foge ao escopo da farmácia da manipulação que, no Brasil, tem função de individualizar a dose, não de funcionar como indústria farmacêutica, fugindo da fiscalização”, explica a ginecologista Lia Cruz da Costa Damásio, diretora na Febrasgo.
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Fonte: AMB, em 01.12.2025.