Antonio Penteado Mendonça
“Nóis enganemo ocês. Nóis fumo, mas voltemo, oi nóis aqui ’tra veiz”. A letra do velho samba cai feito uma luva no texto do Projeto de Lei de Conversão da Medida Provisória 564/2012. Curiosamente, o texto do Projeto de Lei encaminhado para sanção da Presidente da República não é o texto da Medida Provisória originalmente encaminhado ao Congresso Nacional. Mais curiosamente ainda, ele foi modificado e, ao contrário da MP 564, cria uma resseguradora local, que ainda por cima tem a prerrogativa de ser contratada por qualquer órgão da administração pública sem o competente processo licitatório.
A nova redação vai na contramão das recentes medidas destinadas a atrair a iniciativa privada para parcerias com o governo, anunciadas pela Presidente da República, e ameaça seriamente um dos setores econômicos que apresentou melhor desempenho dentro da economia nacional, com altas taxas de crescimento, ao longo dos últimos 20 anos. Ao criar uma resseguradora local, o Projeto de Lei está modificando completamente o espírito da Lei Complementar 126/07, que terminou com o monopólio do resseguro, exercido durante praticamente 70 anos pelo Instituto de Resseguros do Brasil, atual IRB – Brasil Resseguros, a maior resseguradora local do país, com mais de 40% do total do faturamento do setor, e, ainda hoje, controlada pelo Governo Federal.
Quando da edição da Medida Provisória 564, esta coluna alertou para o fato de que ela poderia servir de berço para a “Segurobrás”, uma hipotética empresa de seguros e resseguros, controlada pelo Governo Federal, que atuaria de forma a levar vantagem em tudo, no mais absoluto padrão da velha “Lei de Gerson”.
A Medida Provisória elencava entre suas criações a “Agência Brasileira Gestora de Fundos e Garantias S.A. – ABGF”. Tal agência teria a missão de atuar como provedora dos recursos indispensáveis para a concretização de seguros de interesse nacional, de difícil contratação, face aos riscos apresentados.
Para melhor entendimento do leitor, vale recapitular que a MP 564/12 autorizava a União a participar de fundos para garantir operações de comércio exterior ou projetos de infraestrutura de grande vulto. Quando do seu encaminhamento ao Congresso Nacional, o Governo afirmava que a “ABGF” não seria jamais uma seguradora ou uma resseguradora, mas apenas uma entidade que atuaria juntamente com os fundos garantidores, de forma complementar ao mercado segurador e ressegurador, visando garantir sua capacidade operacional.
Como eu já vivi muito e ao longo da vida aprendi que nem sempre o que o Governo fala é o que o Governo faz, alertei para o fato de que o caminho para a “Segurobrás” estava aberto e que se o Governo o desejasse, através da “ABGF”, ele teria o ferramental para, em pouco tempo, entrar diretamente no setor de seguros, atuando como companhia de seguros ou resseguros e, ainda por cima, colocando em xeque o atual desenho de ramos de seguros administrados pela iniciativa privada.
Agora, o texto encaminhado para sanção presidencial mostra que o risco da entrada do Governo nas operações de seguros e resseguros não era uma probabilidade, mas uma certeza. E não adianta dizerem que, apesar da previsão estar no texto, não significa que o Governo irá se valer dela para atuar no setor de seguros. Se está no texto e o texto é sancionado e se transforma em lei, não há como questionar a legalidade da autorização para o Governo operar como seguradora ou resseguradora, inclusive adquirindo participações minoritárias ou majoritárias em empresas já existentes no mercado.
Se este Governo, por qualquer razão, não o fizer, quem vier depois terá o poder legal de fazê-lo a qualquer momento que julgar apropriado. Isto posto, não há o que discutir. Em nome do progresso, do desenvolvimento sustentável, da livre iniciativa prevista na Constituição Federal e do respeito às regras do jogo, a Presidente da República precisa vetar os artigos que deram origem a estes comentários.
O Estado de São Paulo, em 27.08.2012.