Por Claudia Lima Marques (*)
É preciso dizer não à ‘nova’ lei de arbitragem, que legitima a arbitragem privada de consumo sem limites, até com analfabetos e analfabetos funcionais! O Parlamento aprovou e está para sanção da Presidente Dilma normas de arbitragem que permitem ao árbitro (pago pelas associações de fornecedores!) não seguir as decisões judiciais nas ações coletivas e jogar no lixo todas as vitórias do movimento consumerista desde 1988! Justamente no ano que o CDC completa 25 anos, o Parlamento brasileiro deixa de aprovar o projeto de atualização do CDC e aprova um parágrafo na lei de arbitragem permitindo a arbitragem privada por árbitro único!
Este novo § 3° do art. 4° da Lei 9.307/96 vai permitir – por sua redação ruim e insuficiente – que a partir de agora todos os contratos de consumo tenham cláusulas compromissórias. São cláusulas de arbitragem privada, para que todos os problemas de consumo sejam resolvidos por árbitros únicos, pois afirma a lei: “Art. 18. O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso...”, a significar que o consumidor, se concordar com a arbitragem no contrato, não pode mais ir ao Judiciário! Isso mesmo, o consumidor será convidado a ir a estas arbitragens privadas, seja ele analfabeto, analfabeto funcional, idoso, pobre, entenda ou não de educação financeira, de construção civil etc. E este ‘arbitro’ único (Art. 13) vai dar uma sentença, que é irrecorrível! Pior ainda, os contratos deixarão a cláusula ‘de arbitragem’ na última página e o consumidor vai assinar com mão trêmula a sua sentença de morte!
Na lei aprovada pelo Parlamento brasileiro, os contratos de adesão (assine aqui ao final e aqui - no ‘xizinho’, por favor - afirma o sorridente vendedor!) podem ir a arbitragem e o árbitro nem precisa mais usar o CDC (Art. 2,§1°), ...o árbitro privado pode decidir por ‘equidade’ (art. 2) e por princípios gerais do direito... bancário (Art. 2,§1°). A arbitragem privada ainda é sigilosa, não faz jurisprudência e não necessita usar a jurisprudência do STF, STJ e Tribunais. Assim na ‘nova lei’ de arbitragem sequer as normas imperativas do direito brasileiro terão que ser respeitadas. É preciso dizer não a este golpe nos direitos conquistados pelos consumidor: é preciso pedir o veto à Presidente a este novo §3° do Art. 4° da lei de arbitragem! É preciso dizer não à arbitragem privada de consumo que não fique obrigada a respeitar o CDC e que impeça aos consumidores se beneficiarem das vitórias conseguidas nas ações coletivas (planos econômicos, taxas e garantias na construção civil). É preciso dizer não à arbitragem privada de consumo que libera o árbitro a decidir os casos de consumo como decide os casos entre duas multinacionais, sem usar a jurisprudência e as normas imperativas e de proteção a favor dos consumidores!
É preciso pedir o veto a este § 3° do Art. 4°! A Presidente Dilma tem se mostrado uma pessoa sensível aos direitos dos consumidores e agora terá que nos ajudar ou a luta está perdida... pessoas analfabetos e hipervulneráveis, sem advogados e defensores públicos, terão uma arbitragem privada e comercial, como na CCI de Paris, só que vivendo na favela! Esperamos que a Presidente possa vetar este lacônico e desastroso §3º do Art. 4º da nova lei de arbitragem! Se o Brasil quer arbitragem de consumo, que seja regulada no Código de Defesa do Consumidor, no processo de atualização do CDC que está em curso. Agora é preciso vetar o §3º do Art. 4º da nova lei de arbitragem e já!
(*) Cláudia Lima Marques é Professora Titular da UFRGS.
Fonte: Brasilcon, em 25.05.2015.