O continente africano reúne alguns dos países que vem apresentando os maiores níveis de crescimento em todo o mundo. Isso tem atraído, ao longo da última década, um fluxo de investimentos estrangeiros substancial para países da região, tanto de companhias ligadas à área de commodities e recursos naturais (especialmente companhias chinesas), como de empresas de bens de consumo. A operação da SAB-Miller no continente é tida como um dos principais motivadores da compra da companhia de origem sul-africana pela ABInBev, numa operação de mais de US$ 100 bilhões.
Ainda assim, a grande parte das notícias relacionadas ao continente africano tem como base seus flagelos: guerras civis (e tribais), ataques terroristas, crises humanitárias, golpes, ditadores sanguinários, epidemias e, como não poderia deixar de ser, a corrupção.
Um estudo recém-lançado pela Transparência Internacional – uma organização de combate à corrupção – e realizado pelo instituto Afrobarometer, mostra que os níveis de corrupção praticados ali, fazem o Brasil parecer um país nórdico em relação ao tema.
A primeira constatação do estudo, que se concentrou nos países da África subsaariana, é que na África, tudo, tudo mesmo, pode ser resolvido com o pagamento de propina. Não importa quão devastador tenha sido o crime praticado, em muitos países, para que a polícia o ignore é tudo uma questão de preço. O estudo cita o exemplo de um caso no Zimbabwe, onde uma garota de nove anos foi estuprada quando seguia para a escola por um homem que a infectou com o vírus HIV. Em um primeiro momento a polícia prendeu o agressor, mas depois o libertou em segredo, graças ao pagamento de suborno.
A pesquisa ouviu mais de 43 mil pessoas, em 28 países na África subsaariana entre março de 2014 e setembro 2015, com o objetivo de perguntar-lhes sobre as suas experiências e percepções de corrupção em seus respectivos países.
Serra Leoa, Nigéria, Libéria e Ghana são os países com a percepção da população mais negativas na escala da corrupção da região. De maneira geral, nenhum país da região alcançou uma percepção positiva em relação ao combate à corrupção. Pelo contrário, 58% dos entrevistados dizem que a corrupção aumentou em relação ao ano passado. Este é particularmente o caso na África do Sul, país mais rico da região e onde 83% dizem ter visto um aumento corrupção recentemente. A polícia é a instituição tida como mais corrupta pela maior parte dos africanos, e essa percepção vem se mantendo em níveis elevados ao longo dos últimos anos. Mas o que estudo apontou é para o aumento da avaliação fortemente negativa dos homens de negócios, um movimento que não captado em edições anteriores da pesquisa.
Mas, em meio a tantos problemas, a pesquisa traz alguns resultados que mostram um pequeno número de países que estão tentando enfrentar o problema e nos quais os cidadãos sentem que podem contribuir para acabar com o mal. Esse é o caso de Botswana, Lesoto, Senegal e Burkina Faso, países nos quais a população local têm percepções mais positivas em comparação com os cidadãos de outros países da região.
Os mais pobres sofrem mais
Com base nas entrevistas, o Afrobarometer estimou que quase 75 milhões de pessoas pagaram algum tipo de propina no ano passado. É um número alarmante considerando a população da região, que congrega cerca de 500 milhões de pessoas. Alguns dos que relataram pagar suborno, o fizeram para escapar da punição por parte da polícia ou nos tribunais. Só que muitos outros também o fizeram porque foram coagidos a pagar para ter acesso aos serviços básicos de que precisam desesperadamente. O que torna a situação da corrupção por lá desesperadora, especialmente para os mais pobres, e faz com que muitos cidadãos se sintam impotentes no que diz respeito a tomar medidas contra a corrupção.
Segundo a pesquisa, 22% das pessoas que tenham estado em contato com algum tipo de serviço público nos últimos 12 meses na África Subsaariana, dizem ter pago algum suborno. Na Libéria o número chega a 70%. Em todo o continente, as pessoas pobres tem probabilidade duas vezes maior de ter pago suborno do que as pessoas ricas. Se eles estiverem em áreas urbanas, o número de pessoas dispostas a pagar suborno é ainda maior.
Entre as recomendações, a Transparência Internacional chama a atenção para o fato de que os governos da região precisam, de uma vez por todas, cumprir com os compromissos de combate à corrupção assumidos globalmente (Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção) e regionalmente (Convenção de União Africano sobre Combate à Corrupção). A União Africana e seus membros devem oferecer o financiamento necessário para implementar os mecanismo de revisão dos países estabelecido para sua convenção anti-corrupção.
A organização internacional também diz que é preciso reforçar e aplicar a legislação referente a pessoas politicamente expostas e, também, as políticas de prevenção à lavagem de dinheiro, como forma de reduzir o elevado volume de fluxos financeiros ilícitos do continente.
No caso das empresas, a recomendação é para que os governos acabem com o sigilo sob o controle acionário de empresas e outras disposições que permitem burlar licitações e contratos governamentais. Já as empresas precisam relatar de maneira transparente suas operações, atividades e receitas para conquistar a confiança pública e dissipar as percepções de corrupção.
Por fim, os governos devem incluir efetivamente medidas anticorrupção e métricas como parte da implementação e acompanhamento do progresso em seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estratégias (DPSs), e criar condições seguras e eficazes para o envolvimento da sociedade civil nesses esforços, o que inclui estabelecer o direito à legislação de informações e proteção para delatores.
Fonte: LEC, em 11.12.2015.