Por Bruna Chieco

A judicialização está entre os maiores riscos sistêmicos do sistema de previdência complementar fechada, gerando custos elevados, demora e desgastes para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC). Para especialistas, a substituição por mecanismos alternativos de resolução de conflitos, como mediação e arbitragem, é essencial para proteger o equilíbrio financeiro e atuarial das EFPCs.
O tema foi tratado no webinar O Sistema de Portas Abertas com a Aplicação da Mediação, Negociação, Conciliação e Arbitragem para as EFPC, realizado nesta quinta-feira, 9 de outubro, por meio do canal da Abrapp no YouTube.
O seminário online contou com a participação de especialistas com um consenso: o longo ciclo das ações judiciais, que podem durar décadas, gera impactos prolongados sobre os planos. Por isso, o setor precisa de um modelo de gestão moderno, sustentável e colaborativo, capaz de enfrentar o contencioso sem comprometer a perenidade das entidades, nem o equilíbrio dos planos.
“Um processo judicial pode gerar uma despesa sem fonte de custeio, reduzindo o patrimônio e criando um desequilíbrio negativo”, disse a Gerente de Atuária e Planejamento Previdenciário da Funcef, Monia Zucchetti. Segundo ela, ações trazem despesas significativas com juros, correção monetária, perícias, honorários e multas, afetando tanto os planos de benefícios quanto o Plano de Gestão Administrativa (PGA).
A atuária reforçou o processo complexo de computar esses passivos no balanço patrimonial das entidades, com parâmetros contábeis que estabelecem as causas como possíveis, remotas ou prováveis. “Em causas que têm uma probabilidade alta de perda, todos os planos precisam ser registrados, afetando, assim, os seus resultados”, pontuou.
Ela explicou ainda que nos planos BD, as ações judiciais podem reduzir o patrimônio de cobertura e elevar o passivo atuarial, o que pode levar ao déficit e até à necessidade de equacionamento. Nos planos CV e CD, o contencioso afeta o grupo como um todo, pois há impacto coletivo sobre as cotas, contrariando a lógica de risco individual.
“O que buscamos são formas de pacificação de conflitos sem que seja necessário recorrer ao judiciário. Isso é importante, porque nosso setor é complexo, altamente especializado e intrincado com a ciência atuarial”, disse Alexandra Leonello Granado, Diretora Vice-Presidente Suplente da Regional Sudoeste e Diretora Responsável pelo Colégio de Coordenadores de Assuntos Jurídicos da Abrapp.
Ela ressaltou que é necessário ter conhecimento específico e, por isso, a arbitragem e a mediação podem ser caminhos adequados para a resolução dos conflitos, garantindo segurança jurídica, o que é fundamental para um negócio de longo prazo.
Olhar multidisciplinar – Para evitar esses desequilíbrios, a Funcef adota uma gestão multidisciplinar do contencioso, envolvendo jurídico, atuária e planejamento, com tratativas específicas de mediação, negociação e arbitragem e acompanhamento contínuo de causas relevantes. A entidade desenvolveu ainda modelos de precificação e balanço para estimar perdas e avaliar riscos, buscando reduzir discrepâncias entre valores projetados e efetivos.
“A área previdenciária auxilia o jurídico na prestação dos esclarecimentos, fazendo assistência técnica junto aos processos judiciais”, explicou Monia, enfatizando a importância de gestões preventivas de litígios e trabalhos junto aos tribunais e fóruns para conscientizar sobre os impactos da judicialização.
Alexandra reforça que a mediação tem um amplo caminho para ser implementada e solucionar os conflitos do setor, agregando muito valor. “A especialização é fundamental. Em toda área de Direito, quando se fala em mediação de conflitos, há uma série de fatores positivos, como o tempo, pois o litígio tende a ser resolvido em um prazo menor e com menos custo”, disse.
“O judiciário, apesar do alto nível de formação, carece de conhecimentos e especialização sobre a previdência complementar”, destacou Francisco Noronha Neto, membro da Comissão Técnica Leste de Assuntos Jurídicos da Abrapp. Por essa razão, o Direito brasileiro, acompanhado pela Previc, criou a Câmara de Mediação, Conciliação e Arbitragem (CMCA), regulada pela Resolução nº 23, que traz detalhes sobre o procedimento. “A Previc e a CMCA têm feito um trabalho muito positivo na busca por oferecer ao sistema mecanismos para melhorar o atual cenário de litigiosidade”, destacou.
Para os especialistas, a Previc, sendo uma autarquia especializada em previdência privada, composta por profissionais qualificados e sendo uma entidade pública, tem propriedade e autoridade para contribuir nessa área, podendo inclusive assumir um papel de protagonismo na solução de conflitos.
Câmara de Mediação, Conciliação e Arbitragem – A CMCA conta com 47 processos iniciados em seu ambiente, dos quais 43 resultaram em autocomposição, ou seja, uma taxa de sucesso de 91%, segundo o Diretor-Superintendente da Previc, Ricardo Pena. Para ele, o grande benefício da câmara é justamente sua especialização, porque, na medida em que se conhece a matéria, as respostas são dadas de uma forma mais imediata e adequada.
Para Amarildo Vieira, Diretor-Presidente da Funpresp-Jud, há perspectiva de ampliação do conhecimento do Judiciário sobre o funcionamento do sistema. Ele destacou que a Funpresp-Jud, com seus quase 37 mil participantes, já conta com cerca de 10% de magistrados entre juízes de primeiro grau, desembargadores e ministros, o que tende a aprofundar o entendimento da magistratura sobre o regime fechado de previdência.
Segundo ele, cerca de 20% a 25% da magistratura federal e mais de 80% dos procuradores já aderiram à fundação, o que poderá refletir em decisões mais adequadas e menos litigiosas no futuro. “Com a popularização da previdência complementar, a tendência é que as coberturas cresçam, e também virá junto como consequência mais demandas, mais judicialização, mais conflito”, alertou Vieira.
Por isso, Pena reforça: “precisamos ter uma postura voltada exatamente para encontrar outros caminhos que não a judicialização, o que chamamos de ‘porta aberta’”. Segundo ele, esse incentivo passa, primeiramente, pelo reconhecimento do conflito, que não pode ser ignorado, mas sim organizado dentro de mecanismos de autocomposição.
Além disso, é necessário estimular o perfil negocial, formar dirigentes, não apenas mediadores da CMCA, como também facilitadores, tanto no âmbito das entidades quanto no da própria Previc. “Devemos compreender a porta da negociação direta entre a entidade e quem levanta o conflito; a porta da mediação, com o auxílio de um mediador que facilite e, eventualmente, propõe soluções como conciliador; e, por fim, a porta da arbitragem, um estágio mais avançado que ainda não exercitamos, mas que também existe”, explicou o Superintendente da Previc.
Eficiência de gastos nas EFPC – O custeio administrativo é um dos grandes desafios das EFPCs, principalmente para as entidades menores, que precisam arcar com alto custo da mão de obra qualificada, profissionais especializados e as estruturas mínimas exigidas por regulação.
Amarildo Vieira destacou a importância da economicidade e da eficiência de gastos nas entidades, ampliando a discussão para o contexto econômico e social ao relacionar o custo da litigiosidade com a ineficiência e o aumento do contencioso decorrente da expansão do sistema.
Ele apontou dados sobre a dificuldade de arrecadação das EFPCs para cobrir seus custos administrativos, defendendo que todas as despesas devem ser avaliadas sob critérios quantitativos e qualitativos, garantindo que tragam retorno efetivo para a entidade. “Vivemos em cima de um equilíbrio tênue mesmo com as entidades superavitárias”, pontuou. Diante disso, é preciso se adequar a um contexto de eficiência, digitalização e automação, na sua visão.
O dirigente destacou ainda a importância de alinhar o PGA aos objetivos estratégicos da entidade, conforme prevê o artigo 6º, inciso II, da Resolução CNPC nº 62. Para ele, o orçamento precisa ser construído de forma técnica, garantindo que os recursos sejam direcionados a ações com efetivo retorno.
Para Marlene Fátima Ribeiro Silva, Coordenadora Titular da Comissão Técnica Centro-Norte de Assuntos Jurídicos da Abrapp, “economicidade é uma palavra de ordem, especialmente entre as entidades com patrocinadores públicos, que buscam reduzir custos de gestão e administração”.
Mas ela pontua que a ausência de previsibilidade pode impactar negativamente as EFPCs, e condenações judiciais podem obrigar a retirada de recursos para cobrir custos administrativos. “Dependendo do valor das demandas, especialmente as coletivas, há um risco que precisa ser muito bem trabalhado”.
Educação previdenciária – A educação é mais um passo para dar visibilidade a este tema, e tanto o órgão regulador quanto representantes do sistema atuam no sentido de expandir as discussões sobre demandas judiciais na tentativa de reverter impactos negativos. A Previc e a UniAbrapp, por exemplo, realizaram um workshop para capacitar os profissionais que atuarão nas comissões de arbitragem e mediação da CMCA, permitindo-lhes maior compreensão das particularidades do sistema.
“Esse ato deve ir além para abarcar o assistido, a patrocinadora, o jurídico interno da entidade e disciplinar novas diretrizes para um terceirizado, incluindo a visão de perenidade dos planos pela via da brevidade de um litígio”, pontuou Marlene.
Fonte: Abrapp em Foco, em 10.10.2025.