Entrevista com George Kerr - Diretor da Aberdeen Asset Management
Diário dos Fundos de Pensão - Os fundos de pensão são reconhecidos como investidores de longo prazo. Já existe no mercado brasileiro e da parte dos gestores externos de recursos uma cultura que favoreça tal postura de horizontes de tempo mais distantes?
George Kerr - Até hoje, o costume brasileiro tem se baseado extensivamente na análise de curto prazo. O alto retorno dos investimentos de renda fixa (historicamente) e práticas como a disponibilização de cota diária influenciam essa tendência. Isto também vale para os fundos de pensão porque, na prática, os participantes dos fundos de pensão acabam vendo a rentabilidade diária e comparando com o bom e velho CDI. O mais prudente, e mais difícil em tempos como os de hoje, seria fazer uma análise com uma janela de tempo maior para que os ciclos naturais do mercado não façam com que algo que seja rentável no longo prazo passe despercebido, ainda que no curto prazo possa parecer uma decisão errada. Atualmente, isto poderia ser aplicado para a renda variável, que não conta com perspectivas muito atraentes no curto prazo, bem como outros ativos como private equity e ativos imobiliários, considerando a perspectiva econômica do Brasil nos próximos 2-3 anos. Na Aberdeen, a filosofia de investimentos é baseada na análise fundamentalista com visão de longo prazo, a fim de identificar as melhores empresas para investirmos. Nesse sentido, acreditamos que ao longo do tempo, a análise fundamentalista pode resultar em retornos mais consistentes por tentar eliminar o ruído do curto prazo para encontrar janelas favoráveis para a compra de ativos bons a preços atraentes em tempos de volatilidade. Hoje, um tipo de ativo que vem despertando o interesse dos fundos de pensão é o investimento no exterior. Mesmo que esse tipo de investimento também esteja interessante no curto prazo por conta de uma potencial desvalorização cambial, essa não deve ser a única razão pela qual investidores, como fundos de pensão com metas de longo prazo, deveriam alocar nesta classe de ativos. Devemos sempre considerar a diversificação planejada e alinhada com o passivo como a melhor forma de obtermos retornos mais consistentes e almejando uma meta de longo prazo. Com correlações baixas comparadas ao mercado brasileiro, esse tipo de investimento se torna uma alternativa para investidores que antes só investiam localmente.
Diário - Com tantas incertezas à frente, o que deve fazer um investidor que tem objetivos de longo prazo?
George - Primeiro é tentar lembrar que já passamos por problemas piores, menores ou até parecidos no passado, e isso nos mostrou que mercados e economias sempre andam em ciclos. Alguns ciclos mais longos, outros mais curtos, mas no final as coisas acabam se acertando. Considerando isto, acreditamos que um investidor deve buscar investir pensando em resultados no longo prazo e tentar não se contaminar pelas nas notícias diárias - obviamente excluindo qualquer necessidade de fluxo para as obrigações de curto prazo. Tentar adivinhar o que vai acontecer no mercado e fazer alocação de acordo com essas predições tem um risco altíssimo, por isso sempre buscamos investir com base na nossa análise própria e fundamentada em princípios testados em vários mercados, que já passaram por vários ciclos de altas e baixas. Sabemos quão difícil é pensar assim em momentos em que é complicado achar alguma notícia positiva ou otimista. No entanto, investidores de longo prazo devem sempre manter um portfólio diversificado para que quando alguns investimentos estejam trazendo retornos negativos, outros possam compensar. Além disso, é preciso ter disciplina e seguir os processos testados e aprimorados ao longo de décadas em vários mercados para poder obter retornos satisfatórios. A pior coisa que pode ser feita em tempos difíceis é mudar radicalmente algo que já foi testado e que deu certo, simplesmente porque agora não está correspondendo às expectativas.
Diário - Como um investidor com esse perfil deve olhar hoje o mercado brasileiro e os preços praticados aqui?
George - Primeiramente, é importante separar os ativos entre renda variável e renda fixa. Para a renda variável, temos percebido uma grande rotação global de capital migrando de países emergentes para países desenvolvidos desde 2013 – acreditamos que é importante lembrar que isto não está acontecendo só no Brasil e nem é algo recente. Dentro deste contexto, o Brasil tem sofrido mais por também estar enfrentando uma crise econômica e política durante essa realocação de capital. Como consequência, nos perguntam se achamos o valuation de empresas brasileiras barato agora, especialmente com a desvalorização do câmbio. A verdade é que as empresas de qualidade continuam negociando a múltiplos altos e, as que estão baratas, merecem estar. Por isso, não enxergamos esta discrepância de valuation que alguns começam a questionar. Na renda fixa, o Brasil continua tendo juros reais e nominais muito acima da média global, algumas vezes tendo o juro real mais alto do mundo. Achamos que o risco retorno é bastante atraente quando consideramos apenas os juros. Porém, quando consideramos a desvalorização do câmbio em 2014 e 2015, e a difícil situação fiscal que o país se encontra, acabamos preferindo não correr risco de moeda para ter exposição ao juro local. Fora do Brasil, continuamos enxergando oportunidades nos Eurobonds da Petrobras, especialmente os papéis mais curtos, e continuamos aguardando alguma estabilidade para potencialmente aumentar a exposição a estes ativos.
Diário - Como um eventual novo corte na nota do Brasil pelas agências de rating pode afetar a renda fixa, considerando tanto a dívida soberana quanto os bonds corporativos?
George - A maior parte dos ativos brasileiros, especialmente os de dívida soberana ou bonds corporativos, denominados em USD ou EUR, já estão negociando a preços que refletem o provável downgrade do Brasil para o que o mercado chama de junk bonds. Como exemplo, os bonds da Petrobras estão sendo negociados a valores elevadíssimos versus o histórico, mesmo quando comparando o spread acima dos títulos soberanos. É também possível ver esse efeito no premium que é cobrado para o risco Brasil, que chega a 464 bps versus México, Chile e Colômbia com 169 bps, 135 bps e 244 bps, respectivamente. Mesmo assim, acreditamos que teremos bastante volatilidade até que o assunto seja resolvido – seja para o bem ou para o mal. Como exemplo, mesmo com muita incerteza fiscal, política e econômica, vimos o mercado reagir positivamente à noticia do começo do processo do impeachment na semana passada, em que a bolsa e o câmbio se valorizaram de maneira expressiva. Isto quer dizer que, mesmo já precificando o downgrade, podemos ter uma reação negativa no momento após o anúncio (caso aconteça) como vimos em setembro, quando o câmbio chegou a 4.20 e os juros passaram de 17%. Acreditamos que estes momentos de volatilidade acabam proporcionando oportunidades para investidores disciplinados, com visão de longo prazo, para poderem investir em ativos bons a preços atraentes.
Fonte: Diário dos Fundos de Pensão, em 10.12.2015.