Por Rogéria Gieremek (*)
Trabalhamos sempre com a hipótese de que o objetivo do arcabouço legal nunca é prejudicar pessoas ou empresas, mas sim contribuir para a manutenção da ordem. Assim é com a Lei Brasileira Anticorrupção (12.846/2013), que estabelece a responsabilidade administrativa e civil por atos de corrupção praticados pelas companhias, mesmo que apenas um de seus funcionários esteja envolvido no ato ilegal. Porém, como a intenção não é simplesmente punir – e tal punição não é branda, com multas de 0,1% a 20% do faturamento bruto da empresa; restituição integral dos prejuízos causados ao erário; perda de bens, direitos ou outros valores, frutos da infração; suspensão ou interdição parcial das atividades; dissolução compulsória e declaração de inidoneidade por período de 1 a 5 anos – estão previstos na Lei Anticorrupção os chamados acordos de leniência.
O acordo de leniência é um pacto celebrado entre o órgão governamental e as pessoas físicas e/ou jurídicas, autoras da infração. Tais acordos são passíveis de serem realizados nos episódios de crimes concorrenciais e também em casos de corrupção. Os acordos de leniência são celebrados com a Controladoria-Geral da União (CGU). Eles permitem que o acusado colabore com o próprio processo administrativo no qual é réu, apresentando provas que contribuam para o bom andamento das investigações. Como compensação são concedidos benefícios, como a extinção da ação punitiva por parte da administração pública ou a redução da penalidade prevista na Lei Anticorrupção. O acordo de leniência tem origem no Direito norte-americano, onde é frequentemente aplicado e funciona muito bem.
Mas, para que o acordo de leniência seja viável, a Lei Anticorrupção exige que três requisitos cumulativos sejam respeitados: a empresa investigada precisa ser a primeira a manifestar interesse em cooperar para a apuração dos fatos; a companhia deve cessar imediatamente a conduta irregular e estar completamente desvinculada da infração investigada quando o acordo for feito e, finalmente, a empresa, além de admitir publicamente sua participação no ilícito, precisará cooperar plenamente com as investigações, enquanto durar o processo administrativo.
É importante ressaltar, porém, que os acordos de leniência estão longe de ser um instrumento por meio do qual a empresa flagrada em ato ilegal ganhará a impunidade. Ao contrário: quando bem celebrados, abrem novas possibilidades de investigação, angariando provas contra os vários investigados – sejam pessoas físicas ou jurídicas. A disseminação deste tipo de acordo provoca certa instabilidade entre as pessoas que cometem irregularidades. Isso porque há sempre o receio, entre os infratores, de que um deles, em algum momento, rompa o pacto de silêncio e faça uma delação para afastar ou minimizar a própria punição. Esta instabilidade, além de muito positiva para que a prática de atos ilegais não se propague, muitas vezes é o único caminho para que as autoridades tomem conhecimento dos ilícitos.
Por isso, a Lei Anticorrupção, os acordos de leniência e os programas de Compliance – que consistem em conjuntos de medidas para o exercício de controles rígidos, baseados nas políticas internas da empresa, visando manter a ética dos negócios – são ferramentas atuais que levam pessoas e empresas a contribuir com a ordem corporativa, cooperando para um sistema econômico sadio e sustentável.
(*) Rogéria Gieremek é advogada há 28 anos, consultora global do Programa de Compliance da Serasa Experian, presidente da Comissão Permanente de Estudos de Compliance do IASP e presidente da Comissão de Estudos de Gestão de Terceiros do Instituto Compliance Brasil.
Fonte: Jus Econômico, em 24.06.2015.