Por Rogéria Gieremek (*)
Apesar de estar em vigor há um ano, a Lei Anticorrupção (nº 12.846/2013) não teve ainda o seu texto regulamentado, esperando-se para as próximas semanas a edição do Decreto regulamentador, cuja minuta está desde o primeiro semestre de 2014 na Casa Civil da Presidência da República. Assim, comemora-se, ao mesmo tempo, um ano de lei e um ano de atraso em sua regulamentação.
A consultoria internacional Grant Thornton divulgou, em dezembro de 2014, um levantamento com 300 companhias brasileiras de várias regiões e setores, segundo o qual 63,5% das empresas afirmam não ter tomado nenhuma medida para passar longe das penalidades previstas na Lei Anticorrupção. Em outras palavras, essas companhias estão aguardando o citado Decreto, fundadas na falsa premissa de que multas e sanções não possam ser aplicadas até lá.
Na verdade, apenas os parâmetros para um sólido programa de Compliance (termo que a lei, por sinal, não usa) é que devem ser objeto do decreto regulamentador. As sanções e as condutas condenáveis já estão claramente previstas e podem sim ser aplicadas de imediato.
A lei, afinal, está em vigor desde 29 de janeiro do ano passado, estabelecendo a responsabilidade administrativa e civil por atos de corrupção praticados por sociedades empresariais e sociedades simples, fundações, associações de entidades ou pessoas e sociedades estrangeiras sediadas ou com filial ou representação no território brasileiro contra órgãos da administração pública. A legislação prevê a responsabilidade objetiva da empresa implicada nos atos ilícitos de que trata, o que significa dizer que não importa se a empresa tinha ou não conhecimento da prática do ilícito por seus empregados ou terceiros que ajam em seu nome ou a intenção de praticá-lo.
Dentre as principais sanções estabelecidas pela nova lei estão multas de 0,1% a 20% do faturamento bruto da empresa (ou de R$ 6 mil até R$ 60 milhões), deduzidos os impostos; restituição integral dos prejuízos causados ao erário; perda de bens, direitos ou outros valores, fruto daquela infração; suspensão ou interdição parcial das atividades; dissolução compulsória e declaração de inidoneidade por período de 1 a 5 anos. Mas, a pior penalidade é, provavelmente, a proibição de receber doações, subsídios e financiamentos de empresas e instituições financeiras públicas, a qual pode impactar fortemente as organizações que contem com esses recursos para as melhorias de seus processos.
Fornecedores: o calcanhar de Aquiles
Dentre as empresas que confirmaram a efetivação de ações específicas de combate à corrupção (32,4%), 79,2% garantiram que passaram a fiscalizar sistematicamente a sua relação com fornecedores. A preocupação não é infundada: historicamente, os principais casos de corrupção envolvem fornecedores e terceiros e os dez casos mais emblemáticos de corrupção registrados nos EUA (Top Ten) também os envolvem.
Outra pesquisa – da consultoria global de riscos empresariais Control Risks –, realizada em junho e julho de 2014, no mercado interno, apontou que 48% dos entrevistados realizaram análises de riscos ligados à reputação de novos sócios comerciais, número abaixo da média internacional, que é de 58%. O uso de cláusulas de “não suborno” em contratos com terceiros foi citado por 59% dos entrevistados no Brasil, enquanto, no resto do mundo, o percentual é de 64%.
Ao mesmo tempo em que a maioria das companhias não está totalmente preparada para o desafio do combate à corrupção sob as regras da nova lei, a consciência sobre a dimensão do problema – e o rombo que os atos de corrupção geram para o caixa da empresa – se impõe. Um terceiro estudo recente, realizado no Brasil pela consultoria Deloitte, mostra que, de 124 empresas pesquisadas, 55% enfrentaram casos de corrupção e 57% reconhecem o seu custo elevado nos negócios realizados no País.
Porém, entre o saber e o agir se apresenta um abismo: 35% delas não possuem políticas anticorrupção e 40% não contam com um profissional especializado para atender a essa necessidade. Do total, 48% das companhias não mantêm programas de treinamento anticorrupção e 42% declararam não apurar informações sobre seus terceiros, parceiros comerciais ou prestadores de serviços.
Mas, o primeiro ano da Lei Anticorrupção deve, sim, ser comemorado: afinal, demos o primeiro passo. Por mais que a jornada seja longa.
(*) Rogéria Gieremek é advogada há 27 anos é Mestre em Direito pela PUC/SP. Atualmente é Presidente da Comissão Permanente de Compliance do IASP – Instituto dos Advogados de São Paulo, membro do Jurídico de Saias e Head de Compliance Latam da Serasa Experian.
Fonte: Jus Econômico, em 25.02.2015.