Por Catia Santana
Com a modesta participação de 0,7% do PIB brasileiro há 30 anos, o mercado de seguros expandiu sua participação chegando hoje a 7% do PIB. Na contramão de alguns setores da economia, os seguros de pessoas cresceram 13% em setembro deste ano, segundo dados da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (FenaPrevi). Um dos fatores que pode ter motivado o crescimento dos seguros é a intenção da população de manter o patrimônio adquirido é o que diz o o advogado especialista na área de seguros, Sergio Barroso de Mello. “O que impulsionou esse crescimento pode ter sido a preocupação da população com a manutenção daquilo que foi adquirido em termos patrimoniais ou mesmo o despertar pela necessidade de ter um reserva maior ou algo após o passamento de uma pessoa querida. É importante observar o seguinte: os seguros têm uma caraterística interessante. Quando o país cresce, os seguros também crescem porque a movimentação intensa se sustenta exatamente no crédito e no seguro, mas quando o crescimento é menor não significa que a atividade do seguro tenha crescimento menor porque historicamente esse crescimento se manteve”.
Sergio Barroso de Mello, sócio fundador do Pellon & Associados, atua há 30 anos na área de seguros e resseguros e foi eleito, em 2014, vice-presidente da Association Internationale de Droit des Assurances (AIDA - Associação Internacional de Direito do Seguro), sendo o primeiro brasileiro a ocupar este posto. A organização de cunho científico e sem fins lucrativos está presente em 92 países e desenvolve atividades de estudo e pesquisa em Direito de Seguro e Resseguro. O advogado, antes de chegar à vice-presidência da organização, concluiu com êxito seu mandato como presidente do Conselho Ibero-Latinoamericano da Associação Internacional de Direito do Seguro (CILA) com destaque para o ingresso de Cuba na organização.
Em entrevista ao Jus Econômico, Sergio Barroso de Mello falou sobre as contribuições da AIDA para o mercado de seguro e resseguro, as mudanças dos seguros que observou ao longo dos anos no Brasil e como o mercado de seguro e resseguro reagem diante dos altos e baixos da economia.
Jus Econômico - Qual o principal papel da Associação Internacional do Direito do Seguro (Association Internacionale de Droit de Assurances - AIDA)?
Sergio Barroso de Mello - A AIDA tem como principal função servir de apoio acadêmico e científico para o setor de seguro e resseguro, em todo o mundo. A Entidade realiza estudos, pesquisas, conferências, congressos e toda sorte de evento, especificamente, ligados a esses temas, sempre com vistas a contribuir para a incorporação de práticas saudáveis ao pleno desenvolvimento da atividade de seguros.
Jus Econômico - Quais as contribuições dos estudos e pesquisas em seguro e resseguro realizados pela AIDA?
Sergio Barroso de Mello - Ao longo dos 54 anos de existência da AIDA houve forte alteração nas práticas do setor, que incorporaram medidas de harmonização das relações entre segurado, segurador e ressegurador. Modelos contratuais de seguro e resseguro foram desenhados nos eventos da Organização e profundamente testados no campo acadêmico e científico antes de entrar em operação, garantindo assim a estabilização das obrigações e o equilíbrio nas relações empresariais.
Jus Econômico - Quando o senhor foi presidente do CILA houve o ingresso de Cuba na organização. Fale do ingresso de Cuba, com relação a sua importância e suas contribuições para o Conselho.
Sergio Barroso de Mello - De fato, quando assumi a presidência do Comitê Ibero Latino-americano da AIDA (CILA), encontrei esse projeto em pleno desenvolvimento, desde muitos anos, especialmente por aqueles que me antecederam, que aplicaram esforços significativos para o seu sucesso. O regime político fechado naquele país prejudicou muito qualquer medida associativa local, em qualquer nível. Foi preciso se aproximar da União dos Advogados cubanos, espécie de OAB local, e do setor de seguros, ligado diretamente ao governo. Após longo período de demonstração da utilidade da AIDA no desenvolvimento prudencial do mercado local, as autoridades resolveram autorizar e apoiar a criação da Seção Cubana da AIDA, o que se deu em 2011. Para consagrar sua criação e apoiar os advogados de seguro em Cuba, no próximo mês de abril de 2015 será realizado o XV Congresso do CILA naquela Ilha, com a presença de profissionais de diversos países, o que é uma grande alegria para toda a comunidade acadêmica, científica e empresarial de seguros, em nível internacional.
Jus Econômico - Há quanto tempo o senhor atua na área de Direito do Seguro? O que mudou na estrutura dos seguros no Brasil desde que começou a atuar na área?
Sergio Barroso de Mello - Tenho a honra de atuar em seguros desde 1984, portanto, há exatos trinta anos. Quando iniciei a minha carreira, na extinta Companhia Internacional de Seguros – CIS, a participação do seguro na economia do país estava na casa de 0,7 % do PIB, hoje já se aproxima de 7%, portanto, houve gigantesca ampliação do setor, com abertura de milhares de postos de trabalho, forte arrecadação de impostos e constituição de reservas, além da ampliação do ensino do seguro, que hoje conta com cursos de formação em nível técnico, graduação e pós-graduação (lato e estrito sensu). Enfim, hoje o setor de seguros no país é um dos mais importantes em nível mundial, não à toa as principais companhias de seguros e resseguros estão operando no Brasil.
Jus Econômico – Segundo informações da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (FenaPrevi), o mercado de seguros de pessoas cresceu 13% em setembro deste ano. O que pode ter impulsionado este crescimento?
Sergio Barroso de Mello – O que impulsionou esse crescimento pode ter sido a preocupação da população com a manutenção daquilo que foi adquirido em termos patrimoniais ou mesmo o despertar pela necessidade de ter um reserva maior ou algo após o passamento de uma pessoa querida. É importante observar o seguinte: os seguros têm uma caraterística interessante. Quando o país cresce, os seguros também crescem porque a movimentação intensa se sustenta exatamente no crédito e no seguro, mas quando o crescimento é menor não significa que a atividade do seguro tenha crescimento menor porque historicamente esse crescimento se manteve. No caso específico da previdência, o que se nota é que houve um trabalho muito intenso ao longo dos anos feito pelos setores de seguros e com certa compreensão do governo para que fosse valorizada a atividade de previdência privada, seja ela aberta ou fechada. Mais especificamente no que diz respeito à previdência aberta tivemos nos últimos anos produtos que foram lançados e que vão exatamente ao encontro da necessidade de mercado, de profissionais liberais ou mesmo de profissionais que tenham emprego, mas que tenham dificuldade na previdência pública e de planejamento futuro e soma-se a isso a dificuldade notória da previdência oficial em se manter econômica e patrimonialmente bem. Todos sabem que há uma dívida atuarial impagável no campo da previdência pública e que é sustentada anualmente pelo governo federal com uma soma gigantesca de recursos da União, então isso leva naturalmente a que cada um, que entre no mercado de trabalho e que tenha o mínimo de consciência da necessidade de algo futuro em termos de aposentadoria, possa perceber que esses produtos servem exatamente nesse sentido. Para encerrar, um momento especial do ano em que a previdência privada se sobressai é nesse finalzinho de ano. Como há a possibilidade de grandes descontos no Imposto de Renda, esse é um incentivo importante que o governo deu, essas reservas constituídas com a previdência privada têm papel importante para o país. Até o final do ano, normalmente até dia 31 de dezembro, há um expressivo aumento no volume de recursos enviados às previdências isso serve de abatimento [no Imposto de Renda] no ano seguinte. É um atrativo, de um lado, para o consumidor que busca essa previdência e, de outro, é importante para o governo porque se torna um capital de investimento, uma poupança que é feita no país com o papel de fazer girar o capital e naturalmente toda a economia.
Jus Econômico – E com relação ao resseguro, poderia comentar o que o diferencia do seguro?
Sergio Barroso de Mello - Há bastante confusão sobre o que é o papel do resseguro. O resseguro, nada mais é, do que o seguro do segurador. É um seguro que o segurador procura fazer para garantir suas operações. É uma atividade eminentemente internacional porque no campo técnico o resseguro vem suprir a necessidade fundamental de qualquer atividade de seguro da chamada pulverização de risco, que é a distribuição de risco por um sem número de operadores que vão, ao final das contas, somados, responder por eventuais sinistros de magnitude que ocorra. A atividade de resseguro também se dá quando se têm seguros vultosos, riscos vultosos, ou quando um segurador que tenha uma grande carteira de seguros, por exemplo, de automóvel, e ele quer se precaver contra o aumento de sinistralidade, além do patamar econômico que ele estabelece, também pode contratar resseguro específico para isso. Mas o fato é que o resseguro atinge fundamentalmente grandes riscos quando se tem um patamar econômico de perda elevado. E ele funciona distribuindo [o risco] a um sem número de resseguradores e com isso amortiza o prejuízo, então há um número grande de pessoas pagando quantidades pequenas de tal maneira que isso não afeta uma única empresa, entidade, e, consequentemente, mantém íntegro o mercado de seguro e resseguro em nível mundial. Um exemplo fácil, são os eventos de 11 de setembro, nos Estados Unidos, para se ter uma ideia hoje estima-se que houve um total de indenizações do setor de seguros e resseguros na faixa de 110 a 120 bilhões de dólares isso entre indenizações patrimoniais, vida, e outros. Nenhuma seguradora e resseguradora no mundo quebrou por causa desse sinistro, isso não aconteceu justamente pelo princípio da pulverização do risco, utilizando- se dentre outros elementos a questão do resseguro. A distribuição por todo mundo dos riscos por meio de resseguro amortizou esse prejuízo e fez com que o mercado pudesse indenizar às vítimas e os beneficiários sem que houvesse um impacto tão grande. Isso ocorreu em vários outros sinistros como de terremotos, furacões. Um exemplo recente é o vazamento no Golfo do México da British Petroleum (BP), já se tem uma indenização calculada em 460 bilhões de dólares e da mesma forma não houve quebra de ninguém, então a função do resseguro é acima de tudo garantir o segurador e tecnicamente funcionar como uma forma de pulverização em nível internacional da atividade de risco de seguros.
Jus Econômico - Falamos do crescimento do mercado de seguros no Brasil. E o de resseguro segue em crescimento também?
Sergio Barroso de Mello - Ele tem um certo espelho com o mercado de seguros. Como é ligado a grandes riscos quando há um aumento significativo no setor de seguros esse também costuma ser refletido no setor de resseguros. Com o aumento mais modesto do setor de seguros ,por conta de um fator recessivo, às vezes, se tem até uma diminuição maior na atividade do resseguro já que ela se baseia em grandes riscos que, em geral, quando a atividade [econômica] é modesta esses grandes riscos são abandonados ou transferidos para um momento posterior. Neste ano tivemos uma suspensão muito grande em vários investimentos, alguns projetos que eram para deslanchar, não deslancharam e com os projetos não deslanchando o volume de recursos na praça para esses projetos diminuíram, consequentemente, os grandes riscos diminuíram e aí, claro, atividade de resseguro teve uma pequena diminuição. A atividade de seguro é diferente porque é pulverizada, nela tem os seguros de pessoa, previdência, automóveis então a atividade de seguro consegue decolar um pouco mais porque se perde num determinado ramo, ganha em outro e mantém- se ao longo do período sempre crescimento. A de resseguro depende de como está o desenvolvimento econômico de uma região ou país, depende fortemente de grandes investimentos. Em 2014, quando o país teve reduzidos os grandes investimentos espera-se que o resseguro possa vir a ter crescimento menor do que o do seguro. Para 2015, se o investimento no mercado que for injetado no país for modesto também haverá um crescimento menor do resseguro. No entanto, projeto esse crescimento tanto para esse ano como para o ano que vem, e isso é bom, ao contrário de muitas atividades o seguro e o resseguro continuam crescendo e algumas até em recessão , esse é um diferencial importante.
Fonte: Jus Econômico, em 11.12.2014.