Por Martha Corazza
O risco de judicialização, com os seus consequentes impactos sobre os custos das entidades que administram planos de autogestão em saúde, é um dos principais desafios para o segmento.
“Qualquer risco social, como é o caso da área de saúde, só pode ser segurado quando cabe em alguma equação matemática e, no caso de questionamentos judiciais, é preciso deixar claro que a conta será paga por todos os participantes, quem litigou e quem não litigou”, alerta a advogada Ana Paula Oriola de Raeffray. O custo elevado das ações judiciais no âmbito da saúde – em 2014 havia cerca de 400 mil processos em trâmite nos tribunais brasileiros relativos à área de saúde de modo geral – tem tudo para dificultar a vida dos planos de autogestão, que não têm finalidade lucrativa e que atuam por meio de uma exceção da Lei Complementar 109, explica a advogada. Ela lembra que a saúde suplementar oferecida pela autogestão tem como objetivo proteger os associados “do berço ao túmulo”, um compromisso importantíssimo assumido por um prazo muito longo. “Para ter sucesso, será preciso cada vez mais fazer esforços para compatibilizar essa meta com as características do sistema fechado”.
A excessiva judicialização, um problema para o fomento de todo o sistema de previdência complementar, pode ser uma ameaça particularmente grave ao patrimônio das EFPCs que administram planos de saúde, até porque não há a segregação efetiva dos recursos dos planos aos olhos do Judiciário, observa Raeffray, e a penhora online é um risco a que todos estão expostos. Uma sentença relativa a processo judicial no plano de saúde, portanto, pode levar à penhora online de recursos da EFPC provocando sérios prejuízos ao patrimônio de todos os participantes. O trabalho desenvolvido pela Previc e pelos representantes dos fundos de pensão no sentido de garantir a segregação de recursos dos planos para fins judiciários e assegurar a sua impenhorabilidade, segundo a advogada, é um dos caminhos para mitigar esse risco.
A situação de exposição e insegurança a que estão sujeitos os planos de autogestão tem provocado frustração em relação à aplicabilidade da própria legislação, afirmou o consultor da Unidas e moderador do painel sobre judicialização, José Luiz Toro da Silva, quando o tema foi debatido no 1º Seminário de Autogestão em Saúde dos Fundos de Pensão. “Episódios em que o Judiciário acaba exigindo uma cobertura que não está sequer prevista na lei, como é o caso da Súmula 102 do STJ, provocam preocupação e angústia em todos os operadores de direito na área de saúde e a falta de previsibilidade em relação às despesas futuras nos deixa angustiados”, disse Toro.
Judiciário e médicos - Entre as soluções possíveis para mitigar o problema estão os mecanismos de mediação e conciliação, observou o juiz federal e estudioso do direito na área de saúde, Clênio Jair Schulze. Ao mesmo tempo, ele sublinhou a importância de estabelecer “diálogos institucionais, a exemplo do que foi feito nos Estados Unidos, entre os diversos atores desse sistema, incluindo profissionais médicos e representantes do Judiciário, para encontrar soluções e amenizar os riscos”.
O número “gigantesco” de processos nessa área, destacou Schulze, reflete um problema geral do Judiciário brasileiro, já que o país é hoje o maior litigante do mundo, com um total estimado de três milhões de novos processos a cada ano. Nos casos ligados à saúde, ele ressalta que é preciso aprimorar a atuação do próprio Judiciário, eliminando decisões que não sejam rigorosamente baseadas em provas científicas, mas também exigir que os profissionais da área médica assumam um novo papel ético em suas demandas. “Precisamos deixar de lado as decisões judiciais baseadas no “politicamente correto” e adotar o que diz a lei, ou seja, exigir que as demandas apresentem provas científicas de segurança, eficiência e acurácia dos procedimentos e medicamentos”.
Para isso, entretanto, será essencial que os médicos sigam o código de ética médica e baseiem seus pedidos em práticas científicas reconhecidas. “Esse é um conceito claro na lei mas não é o que vemos nos processos, na prática os médicos são hoje a principal causa dos processos judiciais porque tudo decorre de uma decisão médica que nem sempre tem bons fundamentos científicos”, afirmou Schulze.
Fonte: Diário dos Fundos de Pensão, em 08.09.2015.