Por Lucio Anacleto e Celso Alcantara (*)
A medida determina não só a coleta e envio das informações sobre movimentações financeiras ao Fisco dos Estados Unidos, como a aplicação de penalidade aos clientes que se negarem a autorizar esses procedimentos
Promulgado em 2010 com o objetivo de reduzir a evasão fiscal nos Estados Unidos, a implantação efetiva do "Foreign Account Tax Compliance Act" (ou Fatca, como é comumente denominado a lei norte-americana de conformidade tributária para contas estrangeiras) vem sendo amplamente discutida no âmbito do mercado financeiro brasileiro e mundial.
O Fatca prevê que as denominadas "Foreign Financial Institutions" (FFIs, ou instituições financeiras estrangeiras, em português) e "Non Financial Foreign Entities" (NFFEs, ou entidades estrangeiras não-financeiras) em todo o mundo controlem e reportem às Autoridades Fiscais dos EUA informações sobre transações financeiras das "US persons" (cidadãos, empresas e corporações norte-americanas) que residam ou atuem fora daquele País.
A medida determina não só a coleta e envio das informações sobre movimentações financeiras ao Fisco dos Estados Unidos, como a aplicação de penalidade aos clientes que se negarem a autorizar esses procedimentos. A sanção é de retenção de 30% de qualquer pagamento a ser feito ao correntista ou investidor norte-americano, sendo que a instituição financeira que não aderir ao acordo, ou, em aderindo, não reportar adequadamente as informações, também ficará sujeita à retenção de 30% sobre os pagamentos a receber de fontes dos EUA.
A rigor, a adesão ao Fatca não é obrigatória, mas, na prática, as instituições que mantêm negócios nos EUA ou com clientes "US persons" ficam sujeitas a penalidades. Tanto as instituições brasileiras, como agentes do mercado e órgãos representativos do setor financeiro estão mobilizados com a perspectiva de dar respostas às exigências impostas por esse regime. Estas não são poucas, dão margem a questionamentos (a começar pela forma de absorção dos custos gerados pela complexidade de sua operacionalização) e têm data para entrar em vigor: o ano-calendário de 2013.
Assim, o cronograma de implantação do Fatca exige que as instituições brasileiras apressem os estudos preliminares que nortearão a tomada de decisão quanto ao "agreement" (adesão) que poderá ser celebrado com a Receita Federal Americana. De imediato, já se pode iniciar a avaliação da base de dados de clientes, processos e sistemas existentes. Isto porque o Departamento do Tesouro e a Receita Americana aprovaram a publicação, no último dia 8 de fevereiro, de nova proposta de regulamentação do Fatca (a Nota 2012-82), passando esse documento a ser a principal fonte para as FFIs prepararem os procedimentos a serem adotados ante as exigências do regime.
A definição sobre a regulamentação da lei (ainda sujeita a ajustes até maio deste ano) trouxe alterações em relação às propostas iniciais das autoridades dos EUA. Porém o mais importante é que o cronograma para que a nova lei passe a surtir efeitos foi mantido, isto é, a partir de 2013. Além disso, a regulamentação proposta prevê a possibilidade de aplicação de um novo conceito de troca de informações entre governos, por meio de uma interação "automática e recíproca". Ou seja, as FFIs teriam a possibilidade de encaminhar as informações requeridas pelo Fatca às autoridades governamentais locais, e não diretamente aos órgãos governamentais americanos. Vale ressaltar que, mesmo não incluindo o Brasil nesta fase de discussões (por ora, somente França, Alemanha, Itália, Espanha e Reino Unido são os países envolvidos), é um precedente importante a ser discutido pelas instituições brasileiras.
Ao final, os impactos de natureza jurídica, tributária e operacional aplicáveis às instituições ocorrerão, em menor ou maior grau de complexidade, independentemente da instância para a qual será preciso encaminhar as informações. É certo que as obrigações de "compliance" (conformidade), gestão de riscos e governança estarão no mesmo patamar de rigidez estabelecido pelas autoridades brasileiras, que, como é reconhecido, adotam os mais elevados padrões de exigência.
As adequações exigidas envolverão identificar os clientes originários dos EUA, apurar os impactos que serão assumidos, planejar ações necessárias, adaptar os sistemas, envolver e treinar o pessoal dedicado às novas tarefas, definir processos, soluções e novas abordagens de governança e de exposição a riscos, além de gerenciar o relacionamento e a comunicação com clientes, potenciais clientes e demais partes interessadas.
Gerir de modo planejado os impactos que atingirão as instituições financeiras é um dos grandes desafios que se apresentam diante dos poucos meses disponíveis para adequação ao Fatca. Ao final, terão vantagem competitiva ante os cobiçados clientes e investidores de origem norte-americana aquelas instituições que forem capazes de avaliar com mais celeridade tais impactos e se tornarem as primeiras a se adequar à nova sistemática, gerando diferenciais que terão valor significativo para o concorrido e exigente mercado financeiro nacional.
(*) Lucio Anacleto é sócio da KPMG no Brasil.
(*) Celso Alcantara é diretor da KPMG no Brasil.
Fonte: Administradores, em 08.04.2012.