Por Patricia Punder (*)
“Se uma empresa possui um programa de Compliance que funciona perfeitamente, existe alta probabilidade dessa empresa ter sérios problemas internos. Se uma empresa possui um programa de Compliance que não funciona, também existe alta probabilidade dessa empresa ter sérios problemas internos.”
Para um programa de Compliance ser efetivo, o mesmo não pode ser imutável. Deverá sim evoluir e buscar o caminho do meio. Segundo Buda, você não deve puxar a corda excessivamente, pois ela poderá se romper e perder sua função/efetividade. Como você não deverá deixar a corda solta demais, literalmente ao solo, pois ela também perderá sua função/efetividade.
Caso a implementação de um Programa de Compliance vise qualquer um dos seus extremos – totalmente rígido ou totalmente solto – o mesmo também perderá a sua função/efetividade e os prejuízos serão enormes para a companhia, acionistas e clientes.
Desde 1977 até os dias de hoje, existem milhares e milhares de artigos, em todos os idiomas, sobre o tema “efetividade dos programas de Compliance”.
O que mudou desde lá até hoje? Creio que o Departamento de Justiça se manteve fiel aos princípios do “Foreign Corrupt Practices Act”. Contudo, buscou realinhar sua estratégia (evolução) no conceito “efetividade dos programas de Compliance” em 2012 (Resource Guide to the U.S. Foreign Corrupt Practices Act”), em 2015 (Yates Memo) e agora em 2016 (New FCPA Pilot Program).
Reforço que os 7 (sete) passos/elementos essenciais para implementar um programa de Compliance efetivo continuam totalmente válidos e devem ser mandatoriamente utilizados pelas empresas.
Agora esses passos/elementos são suficientes? Realmente não acredito que sejam. Desde 2012 até 2015, quantos programas de Compliance foram avaliados pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos e pela Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos? Quantas empresas foram penalizadas? Quantas empresas voltaram a ser penalizadas (reincidentes 2 ou 3 vezes em atos de corrupção)? Quantos Diretores Executivos ou Presidentes saíram ou foram saídos? Quantos executivos foram investigados e presos? Quantos Vices Presidentes Globais de Compliance saíram ou foram saídos? Quantos clientes morreram ou tiveram piora em suas condições físicas, nesse interim, como resultado, direto ou indireto, da falta de Compliance das companhias? Ou sofreram algum tipo de prejuízo econômico?
Um programa de Compliance não deve somente valorizar o quantitativo. É como uma planilha excel onde um profissional marca as caixinhas “sim” e “não” para perguntas como: “Tem Código de Conduta e políticas implementadas? Todos empregados foram treinados online anualmente? Existe um canal de denúncias? Os Diretores Executivos ou Presidentes e altos executivos falam do seu apoio a Compliance? Existe um Departamento de Compliance na empresa? Etc….
Grande parte das empresas responde de forma afirmativa a essas perguntas. Na prática, avaliando de uma forma qualitativa, existe alta probabilidade de encontrarmos Programas de Compliance somente no papel. O Código de Conduta e políticas de Compliance ficam literalmente armazenadas em gavetas. Os treinamentos são de difícil compreensão e literalmente chatos. Executivos demitem profissionais de Compliance, pois eles “não entendem o negócio”. Faltam importantes controles internos preventivos buscando responder a seguinte frase: “Para onde foi parar o dinheiro?”.
Quais são os novos passos/elementos? O Departamento de Justiça dos Estados Unidos estabeleceu 8 (oito) novos passos/elementos adicionais (não excludentes) para que um programa de Compliance seja efetivo. Passos/Elementos que são considerados como requisitos mínimos. O que significa que mais passos/elementos podem e devem ser adicionados pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos e/ou pelas próprias empresas.
1. Se a empresa estabeleceu uma cultura de Compliance, incluindo conscientização entre os empregados que qualquer conduta criminal, incluindo condutas ocultas nas investigações, não será tolerada.
A cultura de Compliance é qualitativa, incorpora não apenas o falar sobre Compliance, mas também caminhar dentro das regras de Compliance. Determina a real aplicação de política de consequência pelos atos inapropriados de seus empregados, não importando a posição dos mesmos.
2. Se a empresa dedica suficientes recursos para a função de Compliance.
Chegou o momento das empresas, de fato, avaliarem se possuem recursos suficientes para garantir um programa de Compliance qualitativo. As seguintes perguntas devem ser respondidas com muita responsabilidade, pois colocam em risco a empresa, acionistas e clientes: Possuir apenas um núcleo de Compliance somente na matriz é efetivo? Possuir uma equipe de Compliance em todas as afiliadas é suficiente? Compliance possui um orçamento financeiro adequado? Ou depende financeiramente dos Diretores Executivos ou Presidentes das afiliadas?
3. A qualidade e experiência dos profissionais de Compliance de tal forma que eles possam entender e identificar transações que possam ser identificadas como representando um potencial risco.
Na prática, infelizmente, ainda vemos muitas contratações de profissionais baseadas no critério “ não vamos incomodar o time que está ganhando/negócio” (parece um contraponto, mas é real). Ou no critério apenas financeiro (só posso pagar “x” mesmo que a empresa esteja exposta a altos riscos/investigação). Ou, então, o critério é meramente trazer um “amigo/amiga” para a posição.
4. Independência da função de Compliance.
Ponto essencial que merece muita discussão e razoabilidade. A grande maioria das empresas não proporciona à função de Compliance independência na prática. Esse é o motivo da alta rotatividade dos Vices Presidentes Globais de Compliance e profissionais de Compliance em geral.
O Departamento de Compliance deve ser separado do Departamento Jurídico. Não é possível ainda encontramos empresas onde o advogado acumula as duas funções (existe sinergia entre essas funções. Mas, lembre-se da máxima: Nem tudo que é legal é Compliance).
O profissional de Compliance local também deverá ter independência em relação ao time local onde está baseado. Os executivos tendem a se confundir muito pelo fato do profissional de Compliance sentar-se na afiliada. Cabe ao Vice Presidente Global de Compliance definir que o conceito de parceiro de negócio não é um papel de submissão ao GM local, mas igualitário – literalmente de parceria. Enquanto os profissionais de Compliance forem encarados como “funcionários locais” ou “influenciadores de executivos”, as empresas continuaram a não ter um programa de Compliance.
Então, lembre-se: sem independência os programas de Compliance podem continuar somente no papel!
5. Se o programa de empresa realizou uma análise efetiva de riscos e desenvolveu/criou o Programa de Compliance baseado nessa análise.
Esse passo/elemento não é novo. Já existe desde 2012 – “Resource Guide to the U.S. Foreign Corrupt Practices Act”.
6. Como os profissionais de Compliance da empresa são remunerados e promovidos comparados com outros empregados.
Infelizmente, ainda é possível encontrar empresas com remuneração muito, mas muito abaixo comparado com mesmas posições em outros departamentos. Pergunte para o Departamento de Recursos Humanos de sua empresa, se dentre os diretores/gerentes de uma afiliada, qual possui o menor salário? Você ficará surpreso ao verificar que Compliance e Jurídico normalmente são os ganhadores no quesito ganhar menos. Agora, qual a razão disso? Ainda existe a mentalidade estreita de pensar que Compliance é uma área somente de apoio e não traz/contribui diretamente com os resultados financeiros da empresa.
Ainda falta muita conscientização nas empresas para entender que Compliance contribui muito para que a empresa obtenha o seu lucro de forma apropriada e continue a manter o lucro. Do que adianta uma empresa bater todos os recordes de vendas e ter um alto lucro durante 1 ou 2 anos, se logo em seguida, tudo deverá devolvido por determinação do Departamento de Justiça e da Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos?
Raras às vezes um programa de Compliance é implementado de forma preventiva. Claro que existem exceções. Contudo, o que normalmente o que ocorre é uma empresa começar a ser investigada e, consequentemente, se vê obrigada a montar o Departamento de Compliance correndo. Com isso, nem todas as empresas possuem de fato um plano de carreira. O que a empresa quer é assinar o acordo com o Departamento de Justiça e com a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos e, dependendo do resultado, demitir grande parte da equipe de Compliance, ou mantê-la até o final do período de monitoramento.
Além do mais, um plano de carreira depende do mesmo ter sido estruturado de forma autônoma/independente do que ocorrer com o Vice Presidente Global de Compliance (sair, ser saído ou ser aposentado). O que ocorre é que novo Vice Presidente Global de Compliance entra e começa implementar toda uma nova dinâmica, traz novos profissionais e os planos de carreira desenvolvidos pelo anterior acabam por não ter seguimento.
7. Auditar o programa de Compliance para assegurar sua efetividade.
Também não é um elemento novo, contudo, reforça a necessidade das empresas terem de fato um departamento de Auditoria, de qualidade e autonomia, para avaliar e trazer a tona os potenciais riscos existentes para o Diretor Executivo ou Presidente e para a Diretoria Global
8. A estrutura de reporte dos profissionais de Compliance dentro da empresa
O Vice Presidente Global de Compliance deve responder para o e Diretor Executivo ou Presidente e para a Diretoria Global? Também é um tema controverso e que vale discussão! Vários Vices Presidentes Globais de Compliance já foram demitidos ou aposentados, pois os mesmos consideraram que a empresa foi longe demais em Compliance e, portanto, deixando de ter melhores resultados financeiros.
Também, já existe muita discussão internacional se os Vices Presidentes Globais de Compliance devem responder apenas para o Comitê de Auditoria, onde aparentemente existe menos pressão política (ainda tema muito controverso).
Os profissionais de Compliance não devem ser nem linha pontilhada, muito menos estar abaixo do Diretor Executivo ou Presidente das afiliadas. O conceito que o profissional de Compliance não é funcionário local, mas responde para uma Regional ou Global ainda é muito discutível na prática.
Normalmente, os Diretores Executivos ou Presidentes das afiliadas consideram o profissional de Compliance local como seu empregado/funcionário, dentro de sua coordenação/gestão. Portanto, na prática, se reporta localmente.
É comum escutar no mercado que Diretores Executivos ou Presidentes das afiliadas sentindo-se raivosos e/ou ressentidos e até traídos devido ao fato do profissional de Compliance local ter reportado um incidente ou comportamento inapropriado dos próprios Diretores Executivos ou Presidentes para as respectivas matrizes.
Concluindo, o conceito de efetividade evoluiu, juntamente com o realinhamento de estratégias do Departamento de Justiça dos Estados Unidos. A evolução dos programas de Compliance é mandatória e essencial para que as empresas e seus executivos sobrevivam e mantenham-se no mundo dos negócios. As empresas que não entenderam essa mensagem irão passar por dias muitos difíceis em um futuro próximo. Como diz o velho ditado: aprende-se pelo amor ou pela dor!
(*) Patricia Punder é Compliance Officer certificada pela ECOA - Ethics & Compliance Office Associação. Possui expertise em Direito, Ética e Compliance. Advogada com 15 anos de prática e 7 anos somente com foco em Compliance, Ética e Integridade Corporativa. Atuou em empresas como Unilever, Whirpool, Baxter, Biogen Idec e agora atua na Teva Pharmaceutical.
Fonte: LEC, em 14.06.2016.