Por Paula Bing Müller Cauduro[1]
No último dia 19, a convite da Federasul- Federação de Entidades Empresariais do RS, participei do Meeting Jurídico direcionado a empresários gaúchos, sob o tema “Ameaças Climáticas: Prevenção, Prontidão e Resposta. O Papel Crucial do Setor de Seguros”.
Apresentei meu estudo intitulado “Eventos Climáticos: O Setor de Seguros como Protagonista”, o qual dividi em três pontos: Indenizações Alcançadas e Papel de Prevenção- ESG do Setor de Seguros; Lei de Seguros, Produtos Inovadores e Iniciativas do Mercado; Segurança Jurídica: Desafios da Judicialização, este último com análise de julgados sobre as enchentes de setembro/2023 no Vale do Taquari/RS e maio/2024 em 478 Municípios do Rio Grande do Sul.
Como gaúcha moradora de Porto Alegre, que vivenciou os impactos das enchentes e a importância da resposta das seguradoras na retomada da vida pessoal e empresarial, apresento a seguir um resumo da exposição.
a. Indenizações Alcançadas e Papel de Prevenção- ESG do Setor de Seguros
O Brasil tem enfrentado um aumento significativo no número de eventos climáticos extremos.
A última década, de 2013 a 2023, registrou um crescimento de 222,8% em desastres relacionados à chuva. Cidades inteiras foram impactadas diretamente, como no Rio Grande do Sul, onde as enchentes de 2024 afetaram 478 municípios e 1,9 milhão de pessoas. Outros eventos recentes, como os deslizamentos em Nova Petrópolis (RJ) e Recife (PE), mostram que essa não é uma realidade isolada, mas um padrão crescente. O número médio anual de desastres, entre 2020 e 2023, já é quase o dobro da média das duas décadas anteriores[2].
Diante desse cenário, desponta ao setor de seguros o papel de protagonista. A capacidade de ressarcir perdas a partir do pagamento de indenizações pelas apólices contratadas, como visto nos R$ 6 bilhões pagos em indenizações nas enchentes do Rio Grande do Sul em 2024[3], firmou a ideia do setor como um pilar de resiliência, permitindo a retomada da vida pessoal e empresarial. No entanto, a CNSeg aponta que o valor indenizado não chega a 10% das perdas totais, o que destaca a necessidade de expandir a cultura de seguros para a maioria da população e de expansão do alcance das coberturas.
Além de pagar indenizações, o setor de seguros tem um papel fundamental na prevenção e mitigação de riscos. Os critérios ESG (Ambiental, Social e Governança) são balizadores que podem influenciar práticas mais sustentáveis.
A Circular SUSEP 666/2022 estabelece requisitos de sustentabilidade para seguradoras na subscrição de riscos, incentivando a adoção de medidas preventivas. A política de bônus na renovação da apólice para segurados que se organizam e instalam mecanismos de proteção, ou mesmo a rescisão do contrato em caso de violação de compromissos, são ferramentas poderosas que tornam o setor agente de mudança.
b) Lei de Seguros, Produtos Inovadores e Iniciativas do Mercado;
A Lei 15.040/24, que entra em vigor em dezembro de 2025, por sua vez, é um passo crucial para modernizar o mercado de seguros e tornar os contratos mais transparentes.
A lei traz regulamentação para a fase de subscrição do risco, enfatizando a necessidade de transparência de informações e boa-fé entre as partes. Ademais, constatada a ocorrência do evento danoso, prevê a lei o "dever de minorar o prejuízo" ("duty to mitigate the loss"[4]), que exige que o segurado aja prontamente para reduzir os danos. Além disso, a lei busca acelerar o processo de regulação e liquidação de sinistros, estabelecendo prazos de 30 dias, mais 30, o que traz mais segurança e agilidade para os segurados, podendo estender o prazo para 120 dias em casos mais complexos[5].
Outra inovação importante do mercado é a modalidade de seguro paramétrico. Este seguro é ideal para eventos climáticos, porquanto alcança a indenização ao segurado quando da ocorrência de parâmetro objetivo e pré-definido (como níveis de precipitação ou magnitude de um terremoto)[6], sem a necessidade de verificar os danos em regulação de sinistro, o que reduz o custo operacional frente aos seguros tradicionais e torna o recebimento da indenização mais célere.
Ademais, merece destaque é a Consulta Pública 004/2025 realizada pela SUSEP- Superintendência de Seguros Privados, referente à Análise de Impacto Regulatório (AIR) sobre Cobertura de Alagamento e Inundação, que busca avaliar alternativas para ampliar sua penetração no mercado brasileiro[7].
A novidade mais recente, contudo, datada de 22 de setembro de 2025, é que a Superintendência de Seguros Privados (Susep) publicou a Portaria nº 8.432[8], que constituiu grupo de trabalho, de natureza consultiva, com a finalidade de discutir e propor diagnósticos e recomendações para o aperfeiçoamento regulatório e legal relacionadas a Seguros Catástrofe, que deve concluir seus trabalhos em até sessenta dias.
c) Segurança Jurídica: Desafios da Judicialização
A ocorrência de eventos climáticos em cada vez maior frequência e escala traz desafios significativos à judicialização.
O Judiciário gaúcho, por exemplo, diante das enchentes de setembro de 2023 no Vale do Taquari/RS e maio de 2024 em 478 Municípios do Rio Grande do Sul tem se deparado com a difícil tarefa de interpretar cláusulas de seguros em um contexto de "clamor social", cenário no qual cidades inteiras são destruídas. A falta de um entendimento jurisprudencial unificado pode levar a resultados divergentes, como mostram decisões recentes do Tribunal de Justiça. Enquanto um julgado nega a indenização por entender que a cláusula de exclusão para alagamentos era válida[9], outra decisão, em um caso semelhante sobre o mesmo evento danoso, considerou a mesma cláusula abusiva, com base na boa-fé objetiva e na proteção do consumidor[10].
Outro desafio que está sob análise do judiciário gaúcho é a recusa de seguradoras em renovar a vigência de apólice em áreas de alto risco, como visto no caso de um condomínio em Porto Alegre, levantando a discussão sobre liberdade contratual, abuso de direito, e a transparência no uso de informações de histórico de sinistros. Este processo, ainda em fase de instrução, merece atenção do mercado e da sociedade[11].
Em conclusão, o cenário de eventos climáticos extremos no Brasil representa um desafio complexo, mas também uma oportunidade estratégica para o setor de seguros.
O advento da nova legislação e a inovação em produtos pode fortalecer significativamente o papel do setor de seguros, posicionando-se como um pilar de estabilidade e resiliência que permite a retomada eficaz da vida pessoal e empresarial da população, mesmo diante de adversidades.
23 de setembro de 2025
[1] Advogada Especialista em Direito de Seguros pela Universidade de Salamanca/ Espanha. Sócia do Müller & Moreira Advocacia. Membra da Comissão de Direito de Seguros e Previdência Complementar da OAB/RS; Presidente de Grupo de Trabalho da Associação Internacional de Direito de Seguros - Seção Brasil.
[2] Estudo da Aliança Brasileira pela Cultura Oceânica, coordenado pelo Programa Maré de Ciência da USP, em parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, a Unesco e a Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. https://maredeciencia.eco.br/wp-content/uploads/2024/12/Brasil-em-transformacao-1-2024-o-ano-mais-quente-da-historia.pdf
[3] Dados CNSeg- Confederação Nacional das Seguradoras- setembro de 2024; https://cnseg.org.br/noticias/solicitacoes-de-indenizacoes-de-seguros-no-rio-grande-do-sul-ja-superam-r-6-bilhoes
[4] L. 15.040/2024: Art. 66:
[5] L. 15.040/2024, Art. 77:
[6] https://neweseguros.com.br/seguro-parametrico/
[7] https://www.gov.br/susep/pt-br/documentos-e-publicacoes/normativos/consultas-e-audiencias-publicas/consulta-publica-analise-de-impacto-regulatorio-air
[8] https://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-susep-n-8.432-de-4-de-setembro-de-2025-657016089
[9] Apelação Cível, No 50219792320238210015, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eliziana da Silveira Perez, Julgado em: 15-08-202
[10] Apelação Cível n.5001537-03.2024.8.21.0047, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mauro Caum Goncalves,Julgado em 23/07/2025
[11] Processo n. 5050177-44.2025.8.21.0001,11ª Vara Cível de Porto Alegre/RS.