São dois universos com as suas particularidades. De um lado, o gestor de fundo de pensão, naturalmente preocupado em alinhar ativos e passivo para pagar os benefícios pactuados. De outro lado, o executivo da patrocinadora, provavelmente o seu tesoureiro, cuja maior preocupação reside nos custos e em todo e qualquer impacto que atinja o patrimônio líquido. No meio dos dois, as normas contábeis que a Previc faz cumprir e o modelo internacional da IAS-19 que as empresas brasileiras devem seguir para calcular e contabilizar os benefícios pós-emprego em seus balanços, como são, entre outros, os valores pagos a aposentados e pensionistas dos planos patrocinados pelas companhias.
É um assunto não tão recente assim, mas ainda requer toda a atenção para não produzir ruídos. A IAS-19, que tem como objetivos básicos ajudar as empresas a produzir registros contábeis padronizados, transparentes e confiáveis, foi oficialmente adotada no Brasil a partir de dezembro de 2010, através da CPC-33 e CVM-600, o que significa dizer que caminha para completar quatro anos. Em 2013 sobreveio uma atualização, através da CPC-33 e CVM-695. Apesar da passagem do tempo, no entanto, a verdade é que os normativos aplicados às entidades e às empresas continuam a nem sempre conduzir aos mesmos resultados.
Isso de a contabilidade dos dois lados nem sempre estarem em sintonia não assusta Jorge João Sobrinho, consultor sênior de Previdência da Mercer e um dos instrutores dos cursos que a sua empresa dará a respeito nas próximas semanas, mas a seu ver exige cuidados em dobro. “Os números até podem ser diferentes, mas desde que haja uma explicação”, observa Jorge.
E para que haja essa explicação é imprescindível que o profissional do fundo de pensão assuma, na relação com a patrocinadora, o seu papel de especialista em previdência complementar. “Deve sem dúvida interagir com a empresa, oferecendo soluções”, resume Jorge. O que está longe de ser uma tarefa fácil, de vez que as regras de um lado e de outro não são a seu ver propriamente flexíveis.
Essa certa dificuldade para as regras de um lado e de outro conversarem entre si se soma, então, à inflexibilidade apontada por Jorge, segundo quem os resultados não são para comemorar e geram desafios como passivos inesperados, necessidade de maior controle das despesas, volatilidade na taxa de juros e a aderência das premissas atuariais e financeiras.
A falta de sintonia acontece em alguns casos, mas Jorge aponta os que julga principais. Como o fato de os fundos de pensão poderem precificar na curva, se assim o desejarem, quando as patrocinadoras estão obrigadas a fazê-lo a mercado. Disso, claro, resultam números diferentes, algo que requer explicações.
As taxas de juros utilizadas por um e outro lado também podem ser diferentes. Porque os fundos de pensão devem apurar conforme está escrito na IN Previc nº 7, enquanto as empresas precisam acatar as taxas do mercado (NTNs-B). “Isso dá bastante ruído”, nota Jorge.
Ao mesmo tempo em que as normas contábeis da empresa tem um único método atuarial aceitável, enquanto os fundos de pensão seguem vários.
Uma das recomendações de Jorge é se utilizar bem a ferramenta em que se transformou a IN Previc 7, entendendo-a como “um instrumento e não como como uma obrigação burocrática a ser cumprida”. Essa Instrução estabelece orientações e procedimentos a serem adotados na realização dos estudos técnicos que visem a atestar a adequação e aderência de hipóteses biométricas, demográficas, econômicas e financeiras dos planos.
Através dela, acredita o especialista da Mercer, é possível antecipar na medida do possível os impactos do passivo na contabilidade da empresa, evitando-se assim surpresas.
Ano passado - As mudanças na contabilização dos benefícios pós-emprego em 2013, aquelas que interessam mais de perto às entidades se concentram em questões como a eliminação do “critério do corredor”. Trata-se de uma alteração na estrutura das despesas, diferenças das taxas de juros e eventualmente outras premissas, além do tratamento do superávit e déficit.
O corredor a que se referem os especialistas é um intervalo de 10% para mais ou para menos dentro do qual se aceita que ocorram variações das hipóteses atuariais, sendo que a diferença entre o projetado e o realizado que excedesse esse limite de flutuação admitia-se até agora que fosse amortizada como despesa pela empresa no ano seguinte. Agora já não é mais assim. Tal diferença entre o passivo esperado e o ocorrido precisou a partir de 2013 ser contabilizado no próprio exercício, esclarece João Batista Pinto, da Deloitte.
Quanto às alterações na estrutura das despesas, explica João Batista, elas acontecem por conta não apenas das mudanças no “critério do corredor”, mas também através da unificação de duas taxas, uma de desconto e a outra sobre o retorno dos investimento. Neste caso o efeito conseguido é de uma simplificação, o que resultou sem dúvida positivo.
Fonte: ABRAPP, em 25.08.2014.