Em vigor há dois anos, a Lei Anticorrupção colocou a necessidade de combater a corrupção na ordem do dia, o que fez com que o Compliance passasse a fazer parte da realidade das empresas. O Compliance consiste no dever de cumprir e fiscalizar o cumprimento de regulamentos internos e externos impostos às atividades das instituições.
Assim como a Lei Anticorrupção foi inspirada nas leis americana e britânica, Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) e UK Bribery Act, o Compliance e as práticas anticorrupção no Brasil têm seguido também a tendência internacional “de estabelecimento de códigos de conduta e políticas rígidas, controles internos fortes e Governança Corporativa rigorosa, a fim de evitar ao máximo as práticas ilícitas. As normas norteiam as atividades e servem como balizadores para avaliar, premiar e punir condutas”, afirma Rogéria Gieremek consultora global do Programa de Compliance da Serasa Experian, presidente da Comissão Permanente de Estudos de Compliance do IASP e presidente da Comissão de Estudos de Gestão de Terceiros do Instituto Compliance Brasil.
Em entrevista ao Jus Econômico, a especialista diz que o comportamento das empresas e das autoridades públicas mudou, visto que ambos vêm se preparando para aplicação da lei. “As autoridades públicas vêm se preparando com afinco para aplicar a lei com rigor e as empresas, por sua vez, também têm se preparado no sentido de bem cumpri-la. Atualmente, é comum ver empresas nacionais buscando criar o seu código de ética, suas políticas e procedimentos”, porém, ressalta que apenas essas ações não bastam, embora sejam um ponto de partida.
Embora haja inspirações em leis e práticas internacionais, Rogéria destaca que o fator cultural exerce influência na forma de implementação do Compliance, que deve ser adaptado para cada país, mas sempre estabelecendo punições rigorosas para desestimular as práticas de infração e de modo que fique clara a aplicação das penalidades. Mas pondera, ao dizer que não existe “um povo mais honesto que o outro” e sim, países com estruturas mais maduras de combate à corrupção.
Rogéria Gieremek considera que a experiência internacional pode ensinar muito ao Brasil que ainda está iniciando seu processo de combate à corrupção. “A experiência internacional pode ensinar ao Brasil que as práticas devem ser claramente estabelecidas, em linguagem de fácil compreensão, no idioma do funcionário e possibilitar um canal de consulta para a retirada de dúvidas. Não pode ser só um "Compliance de Papel", sem efetividade”.
Jus Econômico – Que tendências as práticas anticorrupção e de Compliance já estão seguindo no Brasil?
Rogéria Gieremek - As práticas anticorrupção e de Compliance estão seguindo as tendências internacionais de estabelecimento de códigos de conduta e políticas rígidas, controles internos fortes e Governança Corporativa rigorosa, a fim de evitar ao máximo as práticas ilícitas. As normas norteiam as atividades e servem como balizadores para avaliar, premiar e punir condutas.
Jus Econômico - O que mudou desde a entrada em vigor da lei anticorrupção?
Rogéria Gieremek - A entrada em vigor da lei anticorrupção trouxe luz para o tema e fez com que essa discussão passasse a fazer parte da ordem do dia, o que é muito importante para trazer o Compliance para a realidade das empresas, dos funcionários e, por consequência, da população. Antes desconhecida da maioria das pessoas e mesmo empresas, hoje o Compliance faz parte (ou deveria fazer) de todo planejamento estratégico, compondo o orçamento e sendo considerado parte integrante dos negócios como o Jurídico, o Financeiro e o RH.
Jus Econômico - Como as autoridades públicas e as empresas vêm se comportando em relação à ela?
Rogéria Gieremek - As autoridades públicas vêm se preparando com afinco para aplicar a lei com rigor e as empresas, por sua vez, também têm se preparado no sentido de bem cumpri-la. Atualmente, é comum ver empresas nacionais buscando criar o seu código de ética, suas políticas e procedimentos. Claro que somente isso não basta. Mas, já é um começo. O treinamento é um forte aliado do Compliance, pois permite a disseminação dos conceitos e regras definidos pela companhia.
Jus Econômico - Como descreveria o panorama das práticas anticorrupção e de Compliance em países em que suas práticas são mais maduras como nos Estados Unidos e no Reino Unido, por exemplo?
Rogéria Gieremek - A diferença entre um país cumpridor de suas leis e um que não as cumpre está diretamente relacionada ao pagamento de propina e ao resultado dessa prática. Assim, a maturidade de um país, mede-se pela clareza de suas regras, pela rapidez com que são dadas respostas aos seus descumprimentos e pela maneira como a sociedade reage a esse cenário. Em outras palavras: não acredito que haja um povo mais honesto do que outro! Acredito, sim, que existem países com estruturas mais maduras de combate à corrupção, em que a população já está acostumada com a resposta dada aos malfeitos: cadeia (para todos, independentemente da situação financeira e/ou social), pesadíssimas multas e divulgação compulsória de todo o processo. Sem dúvida, todas essas consequências e, ainda, o dano reputacional decorrente, que pode superar o montante pago e desestimular outros empresários a seguirem pelo mesmo caminho.
Jus Econômico - A lei anticorrupção brasileira é inspirada nas leis internacionais (como a dos EUA e do Reino Unido) poderia citar os principais pontos de semelhança entre elas?
Rogéria Gieremek - A lei anticorrupção brasileira é fortemente inspirada na UK Bribery Act e na FCPA americana. Em todas elas, há a punição à corrupção praticada contra funcionários públicos, diretamente pela empresa ou por meio de terceiros que ajam em seu nome ou em seu benefício. Entretanto, a legislação britânica pune também a corrupção praticada entre particulares. Todas elas estabelecem a observância de um programa de Compliance como salvaguarda da companhia em caso de um processo por corrupção, seja até mesmo para isentá-la da aplicação das penalidades, como ocorre na UKBA, seja para atenuá-las (caso das leis brasileira e americana).
Jus Econômico - E com relação às práticas o que a experiência internacional pode ensinar ao Brasil?
Rogéria Gieremek - A experiência internacional pode ensinar ao Brasil que as práticas devem ser claramente estabelecidas, em linguagem de fácil compreensão, no idioma do funcionário, estar disponíveis, e possibilitar um canal de consulta para a retirada de dúvidas. Não pode ser só um "Compliance de Papel", sem efetividade.
Jus Econômico - Em um artigo seu você levanta a questão sobre se há países mais corruptos do que outros. Retomando a ideia central do artigo, que fatores propiciam a corrupção?
Rogéria Gieremek - Acredito que os fatores que propiciam a corrupção são basicamente dois: a falta de controles e a certeza da impunidade. Se há controles falhos, se a facilidade para burlar as regras é grande demais, vale a sabedoria dos artigos: "A ocasião faz o ladrão ". Por outro lado, a certeza da punição rápida, efetiva e exemplar é instrumento capaz de desestimular a prática da corrupção.
Jus Econômico - A cultura de cada país influencia na forma de implementação do Compliance?
Rogéria Gieremek - Sem dúvida, o fator cultural não pode ser negligenciado. Há países em que o motorista, ao vislumbrar um sinal de PARE, para, quer veja ou não outros carros, conta até três e só então segue. Esse mesmo motorista, no seu próprio país, vê o mesmo sinal, reduz a velocidade e, se não vir outro veículo, segue, sem parar. E há países, ainda, em que esse sinal é solenemente ignorado pelos condutores de veículos. Claro que essas práticas vão se refletir na maneira de cumprir as leis, internas e externas de uma corporação sediada nos três países hipotéticos aqui mencionados. Portanto, o programa de Compliance deve ser adaptado para cada país, estabelecendo punição rigorosa o suficiente para desestimular a prática da infração, ter efetividade e Comunicação constante a fim de dar clareza a todos da aplicação das penalidades, obviamente, sem exposição pessoal capaz de caracterizar dano moral.
Jus Econômico - Qual o principal desafio para o Brasil para tornar o Compliance uma prática natural visto que nos últimos anos uma série de irregularidades e corrupção foram descobertas entre empresas e a administração pública?
Rogéria Gieremek - O Compliance se tornará uma prática natural no Brasil quando houver a certeza da punição pela falta de suas práticas, quando as empresas perceberem que não ter Compliance pode fazê-las perder muito mais dinheiro do que a implementação de um sólido programa poderia custar, quando as empresas seguidoras de práticas éticas forem vistas como modelos a serem seguidos. Há um longo percurso a ser percorrido, mas estamos no caminho!
Fonte: Jus Econômico, em 23.07.2015.