Por Patricia Bressan Linhares Gaudenzi (*)
Como disciplinado pela Lei Complementar nº 109/01, a entidade fechada de previdência complementar (ou “fundo de pensão” como costuma ser chamada) tem por objetivo executar e administrar planos de benefícios de natureza previdenciária, constituídos por patrocinadores (públicos e privados) ou instituidores, mediante contribuição de participantes, de empregadores ou de ambos, de acordo com os regulamentos dos referidos planos.
Por determinação legal, as entidades desta categoria não possuem finalidade lucrativa, havendo vedação expressa para a prestação de quaisquer serviços que não estejam abrangidos pela administração exclusiva de planos de benefícios.
Assim sendo, as entidades fechadas de previdência complementar são constituídas como instrumentos a viabilizar benefícios futuros de aposentadoria e pensão, tendo por objeto o recebimento dos recursos relativos às contribuições das pessoas físicas (chamados “participantes”) e, eventualmente, de seus empregadores (na qualidade de patrocinadores), e aplicá-los no mercado financeiro e imobiliário, a fim de criar condições de sustentabilidade destes trabalhadores, quando não lhes seja mais possível exercer ativamente suas funções laborais.
A fim de assegurar os benefícios de caráter previdenciário, são firmados, entre os participantes e a entidade, termos de adesão aos planos, que, em regulamento próprio, estabelecem as regras de seu funcionamento (cálculo das contribuições, benefícios assegurados, responsabilidades, dos participantes, entre outros), de modo que a entidade fechada de previdência complementar figura tão-somente como um verdadeiro veículo capaz de proporcionar a capitalização financeira dos recursos depositados pelos participantes durante o período de acumulação (atividade laboral) para fruição por meio de complementação de aposentadoria e pensão no momento de inatividade laboral.
Em outras palavras, a atuação da entidade fechada de previdência complementar está adstrita tão-somente ao pagamento de benefícios de caráter previdenciário, com base em reservas previamente constituídas, e regras fixadas contratualmente para com seus participantes, não se configurando exercício de atividade comercial ou empresarial.
Não há, pois, qualquer reversão de recursos financeiros para si, ainda que verificado resultado superavitário. Os ingressos financeiros registrados pelo fundo de pensão (decorrentes de contribuições de participantes, patrocinadores ou resultados das aplicações dessas contribuições) não são compatibilizados com o conceito de “faturamento”, por qualquer das dimensões (legal, comercial, contábil) possivelmente adotadas – o que por si só, é suficiente para afastar a possibilidade de incidência do PIS e da COFINS, com base na Lei nº 9.718/98.
Considerando, pois, que há, na lei, previsão objetiva sobre o espectro econômico de incidência das contribuições sociais em questão ser o faturamento, as disposições que visam trazer detalhamento de como se apurar a base de cálculo destes tributos estarão limitadas invariavelmente ao conteúdo semântico do termo faturamento.
Todavia não é o que se verifica.
Ao determinar que o faturamento corresponde à receita bruta da pessoa jurídica para fins de incidência do PIS e da COFINS, o legislador atingiu um universo significativo de receitas que não são “faturáveis”, não têm natureza retributiva – mesmo, e especialmente, para entidades que, por natureza, estão impedidas de faturar.
Com efeito, os ingressos positivos registrados pelas entidades fechadas de previdência complementar, como dito, não se originam de comercialização de produtos e da prestação de serviços, nem de qualquer outra atividade de natureza empresarial ou comercial, mas, sim, decorrem da sua atividade de gerir, sem qualquer remuneração para tanto, recursos dos membros de seus planos de benefícios, com o único e exclusivo objetivo de lhes proporcionar rendimentos de aposentadoria e pensão em caráter complementar à previdência social.
É de se destacar que a Lei determina que as contribuições recebidas pelas entidades fechadas de previdência complementar obrigatoriamente sejam destinadas à constituição de reservas para pagamento de benefícios de caráter previdenciário e demais despesas necessárias à manutenção da entidade e respectivos planos de benefícios. Tanto assim é que os registros contábeis mantidos pelas entidades apontam como contrapartida aos ingressos o registro de um “passivo”, isto é, uma dívida da entidade (provisão) para com os participantes, em decorrência do termo de adesão ao plano previdenciário.
Inexiste, pois, liberdade sobre a disponibilização dos ingressos financeiros no âmbito de um fundo de pensão (mantido por recursos públicos ou privados) – diferentemente do que ocorre com as pessoas jurídicas que exercem atividade econômica. Isso diferencia essencialmente as entidades fechadas das entidades abertas de previdência complementar e sociedades seguradoras.
Ora, se os ingressos positivos apurados pelo fundo de pensão não guardam qualquer vinculação com a administração dos recursos por ele administrados, estando baseados no cálculo atuarial dos benefícios previdenciários assegurados, não há que se cogitar considerá-los como faturamento.
Faturamento é simplesmente resultado do que se fatura, do que se vende. Pressupõe a correspondência como contraprestação ou “retribuição” paga por aquilo que se obteve de prestação (serviço ou bem), e, como tal, deve guardar estreita relação com a medida do serviço prestado. Impossível, pois, afirmar que determinada entidade fechada de previd6encia complementar “fatura” o custeio de suas despesas administrativas.
A verificação de que as entidades fechadas de previdência complementar não prestam serviços é, por si só, suficiente para afastar a cobrança do PIS e da COFINS incidentes sobre o faturamento.
(*) Patricia Bressan Linhares Gaudenzi é advogada, mestre em Direito Tributário pela PUC-SP e consultora jurídica da ABRAPP – Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar.
Fonte: Segs, em 14.10.2015.