Por Daniel Sibille (*)
Se existe hoje em dia uma solicitação que tira o sono ou o tempo dos profissionais de compliance é a acomodação das cláusulas de compliance nos contratos celebrados entre grandes empresas. Isto porque, após a entrada em vigor da lei brasileira anticorrupção, as empresas passaram a se preocupar cada vez mais em ter em seus contratos a obrigação da outra parte de sujeição ao seu código de conduta e demais políticas de compliance.
Na relação entre uma empresa multinacional, sujeita às principais leis anticorrupção, e uma empresa local, este raciocínio faz todo sentido, uma vez que a multinacional visa garantir que a empresa local, muitas vezes agindo em seu nome e possivelmente sem uma estrutura efetiva de compliance, se submeta aos princípios de seu código e muitas vezes às leis que esta submetida.
Entretanto, quando se trata de duas empresas multinacionais ou mesmo locais com mais recursos na área de compliance, costuma-se verificar uma verdadeira disputa entre os departamentos jurídicos/compliance com o objetivo de imposição de seus códigos, gerando desconforto entre as companhias, retrabalho e em algumas vezes, até uma não celebração do negócio. Neste último cenário, todos perdem, sobretudo os profissionais envolvidos que farão jus (corretamente) ao rótulo de funcionários do DPV – Departamento de Prevenção à Vendas, comumente conhecido os departmentos jurídicos e de compliance das empresas.
De uma forma objetiva, de forma a mitigar o desgaste e facilitar a construção de uma cláusula que seja aceita pelas partes, algumas perguntas deverão ser feitas: (i) quais legislações anticorrupção cada empresa esta submetida?; (ii) as empresas são listadas em bolsas de valores internacionais?; (iii) as empresas estão envolvidas em investigações públicas ou tem casos famosos de condenações ou acordos com as autoridades norte-americanas?; (iv) o código de conduta das empresas está disponível na internet?; e (v) o código de conduta da outra empresa possui os princípios norteadores de seu código, como sujeição às principais leis anticorrupção, enforcement e boas práticas corporativas?
A grande maioria destas questões poderá ser respondida com uma rápida pesquisa na internet, com a submissão de um questionário ou com uma leitura do código de conduta da outra empresa e facilitará em muito as negociações, já que ambas as partes poderão negociar conhecendo um pouco mais sobre a outra empresa. Para facilitar a vida dos leitores da LEC, recentemente eu me deparei com uma cláusula entre empresas de mesmo nível de governança que me pareceu muito bem equilibrada e, com alguns ajustes, transcrevo-a abaixo. Espero que aproveitem!
“As Partes declaram conhecer as normas de prevenção à corrupção previstas na legislação brasileira, dentre elas, a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992) e a Lei nº 12.846/2013 e seus regulamentos (em conjunto, “Leis Anticorrupção”) e se comprometem a cumpri-las fielmente, por si e por seus sócios, administradores e colaboradores, bem como exigir o seu cumprimento pelos terceiros por elas contratados. Adicionalmente, cada uma das Partes declara que tem e manterá até o final da vigência deste contrato um código de ética e conduta próprio, cujas regras se obriga a cumprir fielmente. Sem prejuízo da obrigação de cumprimento das disposições de seus respectivos código de ética e conduta, ambas as Partes desde já se obrigam a, no exercício dos direitos e obrigações previstos neste Contrato e no cumprimento de qualquer uma de suas disposições: (i) não dar, oferecer ou prometer qualquer bem de valor ou vantagem de qualquer natureza a agentes públicos ou a pessoas a eles relacionadas ou ainda quaisquer outras pessoas, empresas e/ou entidades privadas, com o objetivo de obter vantagem indevida, influenciar ato ou decisão ou direcionar negócios ilicitamente e (ii) adotar as melhores práticas de monitoramento e verificação do cumprimento das leis anticorrupção, com o objetivo de prevenir atos de corrupção, fraude, práticas ilícitas ou lavagem de dinheiro por seus sócios, administradores, colaboradores e/ou terceiros por elas contratados. A comprovada violação de qualquer das obrigações previstas nesta cláusula é causa para a rescisão unilateral deste Contrato, sem prejuízo da cobrança das perdas e danos causados à parte inocente”
(*) Daniel Sibille é Advogado especialista em Compliance e Combate a Fraudes. Atualmente é Diretor de Compliance LATAM da Oracle, empresa norte-americana com presença em 145 países e líder mundial no mercado de IT. Graduado pela Universidade presbiteriana Mackenzie e Pós Graduado em Direito Civil e Direito Empresarial. É professor do Curso de Pós Graduação de Gestão de Riscos de Fraudes da FIA, Coordenador do Curso de Preparatório de Compliance da LEC e Idealizador e co-fundador da Revista LEC – Legal, Ethics and Compliance.
Fonte: LEC, em 25.05.2016.