Por Martha E. Corazza
A partir de 2017, com a vigência da Instrução CVM nº 561, 94 companhias passarão a usar o instrumento do voto a distância para permitir maior participação e votação dos acionistas em suas assembleias gerais, avanço mais do que importante para o mercado de capitais brasileiro. Entretanto, essa mudança traz também um desafio cuja implementação não será simples, conforme atestam já as primeiras experiências feitas por empresas que decidiram antecipar o mecanismo e pelos especialistas em governança.
O monitoramento da governança das empresas investidas é parte permanente das preocupações dos fundos de pensão como investidores institucionais, lembra o diretor de Investimentos da Valia e coordenador da Comissão Técnica Nacional de Investimentos da Abrapp, Maurício Wanderley. "A CTN deve incluir o assunto em sua pauta mais à frente, quando o mercado de renda variável voltar a ganhar peso nas carteiras das EFPC", explica Wanderley.
Atualmente, por conta da aversão ao risco que reduziu as posições em renda variável e pulverizou as alocações, que antes da crise eram mais concentradas, a questão das assembleias e outros itens de governança tem sido tratados com maior ênfase na órbita mais dos gestores externos. O plano BD da Valia, por exemplo, está com apenas 2,% de seus ativos totais investidos em renda variável. "A não ser que surja algum fato muito gritante, esse monitoramento por enquanto fica mais com os gestores", diz Wanderley. Mas ele lembra que os fundos de pensão tendem naturalmente a ter grandes posições nesse mercado e, portanto, tudo o que vier a contribuir para a melhoria da governança é sempre visto com bons olhos".
De acordo com o presidente da Amec, Mauro Rodrigues da Cunha, há dois temas relativos à governança das companhias de capital aberto que têm sido discutidos de maneira conjunta entre a associação e a Abrapp ,uma vez que são assuntos que interessam de perto aos fundos de pensão como investidores institucionais. São eles o novo Código de Stewardship da Amec, atualmente em consulta pública até o dia 15 de julho próximo, e a reforma do Novo Mercado na BMF&Bovespa. "O Código de Stewardship e o Código de Governança dos Investimentos dos Fundos de Pensão, que está sendo elaborado pela Abrapp como parte do projeto de autorregulação do sistema, tem total sintonia entre si", segundo afirma Cunha. Ele lembra que "os dois códigos se falam".
Amplo espectro de mudanças - Já o voto a distância é um dos pontos principais num amplo espectro de mudanças que o mercado de capitais brasileiro precisa assimilar para assegurar melhorias de governança e aumento da transparência na relação entre companhias e seus acionistas. Mas, além da questão do voto a distância, continuam presentes inúmeras dificuldades que ainda afastam os investidores das decisões. O tema foi discutido por especialistas, representantes de empresas e de investidores durante o workshop sobre as lições da temporada de assembleias 2016 e as perspectivas para 2017, realizado em São Paulo pela Associação de Investidores no Mercado de Capitais, Amec. “A principal lição este ano foi dada pela própria Comissão de Valores Mobiliários, provando que contamos com um regulador inteligente e que sabe ouvir o mercado, o que será muito importante para enfrentar o desafio da ICVM 561 em 2017”, afirma o presidente da Amec, Mauro Rodrigues da Cunha.
“Em dez anos de atuação no mercado, este foi o primeiro deles em que saí de uma assembleia com a sensação de satisfação por ter feito tudo o que precisava ser feito, o que mostra que o tempo nos ensina o caminho das pedras”, desabafa o gestor de recursos Guilherme de Morais Vicente, da Onyx Equity Management. Para ele, ainda há um longo trajeto a ser percorrido, entretanto, para ajudar o regulador a tornar esse caminho menos tortuoso, como por exemplo garantir o acesso à base de acionistas antes das assembleias, num esforço de comunicação que poderá contribuir para ampliar a sua participação. “Isso é fundamental porque hoje, na prática, as cartas ainda estão dadas de forma desproporcional e a principal bandeira a ser solucionada pelo legislador é o acesso à base de acionistas”, diz Vicente. O ativismo dos investidores é peça vital nesse esforço, acredita Vicente.
Lista e remuneração - Para multiplicar a ainda pequena presença dos acionistas em assembleias, ter acesso à lista atualizada de todos os acionistas é fundamental. “É preciso trazer os outros acionistas, aqueles que ainda não comparecem, para que possam exercer seus direitos, um esforço que tem sido feito por associações do mercado como Amec, Anbima e outras, mas que ainda tem muito a avançar”, lembra o gestor Fernando Tendolini, da Sul América Investimentos. Nesse esforço devem entrar também as discussões pré-assembleia, outro item relevante para compreender a dinâmica das discussões e orientar a conduta dos minoritários. Para resolver a questão da proximidade entre investidores e empresas, ele ressalta que é essencial ter presença constante: “Este ano participamos de 17 Assembleias Gerais Ordinárias (AGOs) e no passado já chegamos a participar de 24 assembleias por ano, esse é um enforcement a que nos propusemos como gestores”.
Como exemplo das melhores lições de 2016, Tendolini cita o tema da remuneração paga pelas empresas aos seus executivos. “Assumimos uma postura pró-ativa este ano na questão da remuneração, conferimos esse item nas nossas 25 maiores participações verificando a remuneração das companhias diante da situação de crise econômica e identificamos alguns casos em que talvez não houvesse alinhamento”, explica o gestor da Sul América. Como resultado, as companhias foram cobradas em relação a esse possível desalinhamento e alertadas sobre a não concordância dos investidores. “Conseguimos, desse modo, reduzir a verba de remuneração e as empresas listadas no Novo Mercado se abstiveram de votar nesse assunto, o que permitiu um alinhamento importante obtido graças à presença constante e atenção dos investidores”, conclui Tendolini. De modo geral, diz o gestor, a lição mais importante do ano foi a da discussão de verbas de remuneração. “Mas ainda há muita coisa por fazer, como o acesso à lista de acionistas e as questões ligadas ao voto múltiplo, discutir a responsabilidade dos conselheiros e a cobertura dessa responsabilidade, enfim é uma luta em que damos constantes murros em ponta de faca e a faca continua ganhando”.
Ativismo - Falar cada vez mais com os conselhos e com os acionistas para ter uma ideia mais abrangente dos stakeholders é a receita recomendada por Cesar Mezomo, da Victoire. “Empresas bem alinhadas e organizadas tendem a performar melhor, por isso atuamos junto às empresas e participamos de cerca de 14 assembleias este ano, indicamos 14 membros para os Conselhos Fiscais e quatro para Conselhos de Administração”. A participação ativa é indispensável para derrubar a barreira dos controladores que ainda se sentem “donos” da empresa e as situações em que os conselhos e a pauta das assembleias estão “nas mãos” das empresas. “Uma vez que conseguimos ultrapassar essas barreiras, consegue-se navegar bem e as empresas tem demonstrado satisfação com as indicações que fizemos”, assegura Mezomo. Ele lembra que o engajamento é sempre bom para o investidor e faz parte do dever fiduciário dos gestores.
As dificuldades enfrentadas pelos investidores para participar de assembleias gerais, sejam eles grandes ou pequenos, permanecem como uma barreira séria, analisa o especialista em governança Renato Chaves. Como acionista pessoa física, ele testou 11 assembleias este ano para verificar a qualidade da governança em relação à participação dos investidores e as conclusões são lamentáveis, diz Chaves. “Tive problemas inimagináveis que incluíram, por exemplo, a dificuldade física de acesso a assembleias realizadas em plantas industriais enormes e sem a devida sinalização de localização, o que atrasou a chegada das pessoas ao local. Como resultado, e para dificultar ainda mais, houve casos em que cinco minutos de atraso foram suficientes para impedir a entrada, o que depende de decisões de presidentes de mesa que têm poder absoluto”. Procurações não aceitas, atas feitas na forma de sumário e que nada informam, nomes escritos a lápis e até empresas que pediram aos acionistas o RG autenticado para permitir o ingresso na assembleia são alguns dos pontos assinalados por Chaves.
Há casos em que os CEOs não participam das assembleias porque não estão preparados para responder as perguntas dos investidores. “Assembleia no Brasil ainda é apenas um procedimento para cumprir tabela; a não participação do CEO é inimaginável em outros países porque é preciso poder conversar e interagir com a empresa”, critica o especialista. Nesse ambiente, o voto a distância poderá enfrentar sérias dificuldades operacionais, acredita Chaves: “Evoluímos bastante mas muitas empresas ainda tratam a assembleia como um procedimento burocrático e a má vontade com os minoritários é potencializada, então é preciso mudar esse modus operandi nas empresas que ainda tratam o investidor como inimigo”.
“Participamos de todas as assembleias das empresas em que investimos, mesmo que não tenhamos obrigação legal, e a maior parte dos problemas nas AGOs é com a eleição dos conselhos – CF e CA porque ainda existe uma cultura muito forte de controle e de resistência dos controladores em aceitar a opinião de “outsiders” mesmo que o discurso da companhia seja outro”, afirma o gestor da Guepardo, Rafael Moraes.
Fonte: Diário dos Fundos de Pensão, em 28.06.2016.