Por Maria Maximina Borba Cartaxo (*)
Em 01 de Março do corrente ano saiu a notícia de um acordo realizado entre a Qualcomm e a SEC (U.S. Securities and Exchange Commission) a respeito de uma violação ao FCPA (Foreign Corrupt Practices Act) ocorrida, a qual também envolvia despesas de brindes, presentes, e entretenimento. O ocorrido cai como uma luva para justificar o quão importante e perigoso é o assunto dentro de uma empresa.
Muitas vezes brindes e presentes são estratégicos para fidelização de clientes e posicionamento de um produto; no entanto devem ser usados de forma correta, de uma maneira que não tragam riscos para a empresa. Por este motivo, esta política deve ser clara, objetiva e transparente; bem como andar lado a lado com as outras Políticas da companhia, para evitar qualquer tipo de dúvida ou interpretação errônea.
O caso da Qualcomm é interessante por ser uma violação ao FCPA em duas frentes. A primeira é muito parecida com o caso do BNY Mellon (leia sobre o caso aqui: https://www.sec.gov/news/pressrelease/2015-170.html); onde a Qualcomm contratou parentes de Oficiais Chineses, que tinham poder de decisão sobre indicar o uso dos produtos da empresa na China, e isso ficou patente no curso das investigações que era uma forma de obter vantagens indevidas no mercado Chinês pela Qualcomm.
No entanto, a segunda parte da violação é a que cabe no assunto hoje trazido à pauta. De acordo com a SEC, a empresa oferecia frequentemente presentes, refeições e entretenimento, incluindo passagens de avião para esposas e crianças, e presentes de luxo, sem nenhuma ligação com os negócios da empresa, para Oficiais Chineses, com o intuito de influenciar suas decisões. Também ficou comprovado que a empresa não tinha controles internos suficientes para detectar e parar este tipo de despesa.
Dada a importância do assunto e o estrago que ele pode causar, toda empresa precisa de uma Política clara e concisa sobre brindes, presentes e entretenimento. Cabem aqui algumas considerações.
O Oferecimento de presentes e brindes deve sempre respeitar seu Código de Ética, Políticas Anticorrupção, Conflito de Interesses, Viagens e brindes, e quaisquer outras que existam em sua empresa e toquem no assunto. O oferecimento de brindes e presentes tem que respeitar certas regras para que não configure o oferecimento de uma vantagem indevida, pela tentativa de influenciar decisões sobre os negócios da empresa; ou da empresa diretamente ou de seus funcionários. Também, em programas internacionais, possa vir a ferir regras locais. Isso tudo deverá ser observado e incorporado em suas políticas.
Seguem algumas situações que devemos sempre prestar atenção:
Linguagem
Já falei sobre isso anteriormente em meu blog, e é um ponto de uma simplicidade absoluta, e que pode destruir seu programa inteiro. Pessoalmente acredito na simplicidade da linguagem, evitando todo e qualquer “legales” ou linguagem rebuscada; ou ainda, aqueles documentos revisados por todos os departamentos que viram verdadeiros Frankensteins linguísticos, ou pior ainda (RS) “copy and paste” de outras Políticas que não pertencem ao ambiente de sua empresa. Simplicidade! Isso não quer dizer mediocridade, mas sim algo eficiente sem enfeites e rebuscamentos.
Exemplos claros
Forneça exemplos para seus colaboradores. Situações reais, onde eles possam facilmente identificar se o presente ou oferecimento de entretenimento está dentro das regras da empresa.
Crie um FAQ (Perguntas Frequentes)
Crie este documento e o distribua via e-mail, ou deixe em um link facilmente acessível em seu Portal de Compliance. Aqui você pode incluir os exemplos também. Quanto mais próximo da vida real, mais facilmente seus colaboradores identificarão as situações que violam sua Política. Este FAQ pode estar em qualquer lugar que os colaboradores tenham fácil acesso, seja via impressa se for o caso de sua empresa, ou na net; mas que seja acessível a todos. Muito importante: dê publicidade ao FAQ, isso te poupara de inúmeras consultas, desafogando suas atividades. E acredite, quando se trata de Brindes e Presentes, quanto mais ajuda do seu programa você tiver, mais fácil é sua atuação.
Valores de Presentes e Brindes
Pessoalmente eu prefiro estabelecer valores. Tanto de presentes a serem ofertados, como de presentes e brindes que os colaboradores podem ganhar. O que deve ser possível é um caminho de exceção, onde caberá a um Diretor ou o Comitê de Ética autorizar ou não o presente acima do valor estipulado como limite. No entanto, você, Compliance Officer deverá ter ciência da decisão, e caso ela não cumpra a sua Política por outras razões que não o valor, você terá de aconselhar. A decisão nunca deverá ser sua, este não é seu papel, sua obrigação é atentar a possíveis violações.
Quem recebe o presente
Fique atento se quem recebe o presente, efetivamente pode receber presentes. Muitos agentes públicos não podem receber presentes, ou somente podem receber presentes até um certo valor. Se seu programa é internacional, cuidado dobrado!
Devolução dos Presentes
Quando não há como evitar, e um presente precisa ser devolvido, (se for o caso da sua empresa) mantenha exemplos de cartas que deverão ser utilizadas na devolução. Todos sabemos que esta situação é sempre delicada, e de forma alguma sua empresa quer criar animosidade com os seus clientes. Por isso as cartas devem contem um agradecimento, e explicar que tal presente viola as Políticas da empresa, e por isso a devolução. Manter cartas para serem utilizados como templates facilitará sua vida, e trará robustez ao seu programa.
Treinamento
Treinamento, treinamento e mais treinamento; com casos ocorridos na sua empresa, com casos da SEC, com situações reais e fáceis de serem compreendidas. Treine sua Política de presentes, faça workshops, o que você quiser e achar que toca seus colaboradores. Mas, treine-os!
Registro de Presentes e Valores
Lembram que a Qualcomm foi acusada de não ter mecanismos para rastrear e impedir que tais presentes fossem ofertados aos Oficiais Chineses? Mantenha um bom controle sobre presentes, brindes e entretenimento pagos a Clientes, principalmente. E de forma alguma estes pagamentos devem ser registrados de forma confusa ou mascarados em sua contabilidade.
Eu não pretendo esgotar o tema; e estas são somente dicas que podem ajudar outros colegas em suas árduas tarefas do dia a dia como profissionais de Compliance.
Finalmente, aos que tiverem curiosidade, eu recomendo a leitura do caso da Qualcomm aqui: https://www.sec.gov/news/pressrelease/2016-36.html
E vocês, quais práticas adotam nesta passional Política?
(*) Maria Maximina Borba Cartaxo é Consultora na área de Compliance, sendo certificada pela Society of Corporate Compliance and Ethics (SCCE) como Profissional de Compliance Internacional (CCEP-I). Anteriormente atuou como Compliance Officer e Advogada Corporativa em empresas multinacionais de grande porte. É especializada em Direito Tributário pelo IBET-USP, e estudou Propriedade Intelectual e Antitruste da Comunidade Europeia na Faculdade de Direito de Lisboa.
Fonte: LEC, em 29.03.2016.