Por Antonio Penteado Mendonça
A maioria das obras públicas está atrasada e fica a pergunta: até que ponto as seguradoras não são responsáveis pela entrega dessas obras, já que elas têm seguro de garantia?
O Brasil está numa crise séria, disfarçada pela maquiagem das contas públicas e do congelamento forçado de preços administrados, como combustível e Transporte urbano. Como se não bastasse, o dólar deve continuar a se valorizar em relação ao real.
O melhor sinal de que a situação é delicada foi o aumento dos juros básicos pelo Banco Central menos de uma semana depois das eleições. Se estivéssemos num mar de rosas, com tudo caminhando bem, não haveria razão para elevar o juro básico; ao contrário, a lógica seria a sua redução.
Mas além da crise econômica, decorrente da falta de competência do governo nesse campo, o país atravessa outra crise, tão ou mais grave, decorrente da incompetência do governo na gestão administrativa e operacional da nação.
A maioria das grandes obras em andamento, contratadas ao longo dos últimos 12 anos, está atrasada. Outra parte significativa nem saiu do papel e um terceiro bloco está completamente abandonado, como é o caso da transposição do Rio São Francisco.
A questão é que estas obras foram licitadas e o vencedor deveria apresentar seguro de garantia para assinar os contratos. Ora, se elas foram licitadas, mas nem saíram do papel, ou foram abandonadas, ou estão atrasadas, configura- se uma série de sinistros eventualmente cobertos por estas apólices.
Qual o grau de comprometimento do setor de seguros diante desta situação? Com certeza, no total, o comprometimento não deve ser significativo.
Não são muitas as seguradoras que operam com este tipo de risco e as que o fazem têm limites de retenção relativamente pequenos, o que joga o problema para suas resseguradoras. Muitos especialistas dizem que a responsabilidade pelos atrasos é do governo. Mas se o governo licitou e empresas privadas venceram as licitações, assinando os contratos e assumindo os compromissos legais deles decorrentes, até que ponto a responsabilidade não passa a ser delas, dando ao governo o direito de acionar os seguros dados em garantia da execução dos contratos, nos prazos e preços avençados? Pode ser que existam situações em que, pela dinâmica contratual, os seguros estejam cancelados em função de ações ou omissões do governo e dos contratados. Um exemplo fácil para explicar esta situação é a repactuação do contrato sem anuência da seguradora.
Caso tenha ocorrido, a seguradora fica isenta da obrigação de pagar qualquer indenização. Mas e nos casos em que a repactuação dos contratos sem anuência da seguradora não tenha acontecido, ou ela tenha anuído, como ficamos responsáveis pelas obras não realizadas, abandonadas ou atrasadas?
Dentro da regra geral aplicável a estes seguros, trata-se de situações com alto potencial da configuração de sinistros cobertos, ou seja, situações em que as seguradoras poderão ser acionadas para completar as obras ou pagar empresa capaz de realizá-las, nos termos e condições dos contratos originalmente garantidos pelas apólices.
Isto pode significar sinistros cobertos na casa das dezenas de bilhões de reais. Como? Qual o valor do contrato para construção de uma hidroelétrica? Qual o valor do contrato para a transposição das águas do Rio São Francisco? E assim sucessivamente, nas dezenas de obras fora do organograma original.
Não é certo que todas tenham seguros para garantir a execução. Não é sequer certo que tenham algum tipo de garantia em favor do governo.
No universo opaco das contratações de obras públicas nos últimos 12 anos é muito difícil se saber seja lá o que for, como vem sendo demonstrado pela apuração dos escândalos que abalaram a Petrobrás. Importante frisar que, em caso da constatação de ações dolosas por parte dos segurados e dos garantidos, a seguradora também fica livre do pagamento das indenizações. Isto é muito importante para elas, porque, se forem colocadas diante dos valores a serem assumidos, a conta pode ficar muito cara e algumas resseguradoras podem não querer comparecer com sua parte.
Fonte: O Estado de São Paulo, em 24.11.2014.