Por Jorge Wahl
A economia é a arena de luta onde são conquistados ou perdidos os recursos quase sempre escassos, ensina uma antiga definição da ciência econômica. E, se a escassez é a regra, a lição seguinte é que alguns ganham mais do que outros, havendo até quem perca, numa escala que vai dos muito pobres até os exageradamente ricos. Até aí a cena não mudou provavelmente nas últimas décadas e talvez até séculos, mas há algo acontecendo de diferente nos dias atuais. Alguns analistas usam cores fortes para anunciar o início do que chamam de “guerra de gerações”, da qual a saída do Reino Unido da União Européia (Brexit) teria sido o mais recente episódio. Como os fundos de pensão estão globalmente ligados a um dos lados da disputa, os participantes em geral mais maduros aos quais é prometida a preservação da renda na aposentadoria, esse é um conflito entre idosos e jovens ao qual cabe aos dirigentes estarem atentos.
O que está em disputa na verdade é mais que a renda disponível em si, é o próprio poder de desenhar o futuro. Os fundos de pensão poderiam até ser considerados um ponto de união entre as gerações, considerando que no regime de capitalização cada uma forma as suas próprias reservas para a aposentadoria e nesse processo os investimentos se transformam em empregos e prosperidade, mas a segunda notícia que vem do Reino Unido mostra uma realidade mais complexa.
É que vem também do Reino Unido um segundo exemplo de como, segundo os jovens, os mais maduros ou idosos estão tentando ficar com a maior parte do bolo. As empresas britânicas, mostra pesquisa da Inter-generational Foundation, estão gastando 20 vezes mais com as contribuições que fazem para as aposentadorias dos trabalhadores mais velhos do que com o que aportam para os mais jovens, nos planos de previdência complementar que patrocinam. Perto de £ 42 bilhões são gastos anualmente em contribuições para os trabalhadores mais velhos, geralmente participantes de planos de Benefício Definido. Em contrapartida, na modalidade da Contribuição Definida, onde o compromisso dos empregadores é menor, os empregados mais jovens de hoje custam apenas £ 1,8 bilhão por ano.
Por conta disso, a Inter-generational Foundation está propondo ao governo britânico que flexibilize as regras de modo a equilibrar um pouco mais as condições. O objetivo seria retirar um pouco dos mais velhos para fomentar a oferta de planos mais atraentes para os mais jovens.
Melhor exemplo - Voltando ao exemplo do Brexit, o resultado do referendo mostrou que cerca de 75% dos jovens entre 18 e 24 anos votaram para o Reino Unido permanecer na União Européia, enquanto mais ou menos a mesma percentagem de aposentados acima de 65 anos votou pela saída do país da UE. Uma clara divisão de opiniões entre as gerações, os jovens expressando a sua maior disposição para assumir riscos, maior grau de confiança, menor vulnerabilidade e abertura ao novo, já os mais maduros a valorização do mundo conhecido (“Old England”), apego aos valores tradicionais e maior prudência e fragilidade diante da ameaça do desemprego supostamente trazido pelos imigrantes.
Jochen Bittner, editor do semanário alemão Die Zeit, fala que se está armando a cena da “próxima guerra ideológica”. E fornece mais dados que confirmam tal polarização entre maduros e jovens, ao relatar pesquisa segundo a qual “o voto do Brexit foi em grande parte dos velhos contra os jovens”. O levantamento mostrou que apenas 35% dos eleitores entre 50 e 64 anos queria o Reino Unido dentro da UE.
Nada diferente - Não é muito diferente no Brasil, mesmo porque essa é uma constatação que se estende um pouco para o mundo inteiro. Para o professor Aloisio Pessoa de Araújo, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada, uma das vítimas da demora em se fazer a reforma da Previdência poderá ser o setor educacional, onde os jovens vão buscar o fermento para a sua vida profissional futura. Ele citou também o segmento da saúde como o outro que poderá sofrer estragos, diante da resistência em mexer nas regras de concessão dos benefícios previdenciários.
“A situação exige uma reforma da Previdência urgente, com ganhos fiscais imediatos, para evitar que a expansão das despesas com aposentadorias e outros benefícios previdenciários comprimam os gastos com educação e saúde, algo inadmissível”, disse Aloisio falando ao O Globo.
Turbulência natural - Ao Diário dos Fundos de Pensão, Ana Fraiman, psicóloga, escritora e pesquisadora do Núcleo de Estudos do Futuro da PUC-SP, nota que tanta turbulência nas relações integeracionais é na verdade algo natural, considerando as transformações pelas quais o Mundo passa. Cerca de século e meio após o surgimento da Previdência na Alemanha, a expectativa de vida mais que dobrou e as pessoas também passaram a perceber o mundo e os benefícios previdenciários de uma forma totalmente diferente, mas as instituições não acompanharam mudança tão extraordinária.
Antes algo que evocava o social e a atitude solidária, observa Ana Fraimam, que tem os programas de preparação para a aposentadoria para participantes de fundos de pensão entre as suas especialidades, a Previdência deve agora atender às demandas de pessoas ensinadas para o individualismo, a valorização dos interesses pessoais, o que significa dizer da pessoa em si e de sua geração.
Em artigo na Folha de S. Paulo, o escritor e psicanalista Contardo Galligaris assim expressou essa defesa do interesse particular: “um plebiscito sobre a reforma da Previdência daria algo análogo ao Brexit. Os idosos pensarão em garantir os seus “direitos”, ou seja, a melhor aposentadoria possível e, se isso implicar que os jovens terão que pagar a metade do seu salário em contribuição para o INSS ou que o Brasil quebrará em 20 anos, pois bem, danem-se”. Na outra ponta, nada permite supor que os jovens seriam por sua vez menos “egoistas”.
Para Ana Fraiman, a culpa disso é em boa parte do mundo que, ao ensinar o consumismo como parâmetro de sucesso pessoal e qualidade de vida, levou muitas pessoas a perder o diálogo e o respeito ao outro como valores maiores a serem conservados.
“Algo precisa ser feito para estimular o debate intergeracional”, propõe Ana Fraiman, preocupada em antes de mais nada afastar o mal “da cultura da exclusão”.
Capitalismo inclusivo - Linde-Eling Lee, Chefe Global de Pesquisa da MSCI, traz reflexões em cima de estudo produzido a respeito por sua empresa. Ela começa lembrando que, para alguns investidores institucionais, a expressão "capitalismo inclusivo" pode parecer apenas um “slogan político morno e distorcido, quase desprovido de sentido”. Mas o Brexit veio mostrar que não é bem assim, veio revelar que devemos nos preocupar sim com o sentimento de que existem vencedores e perdedores nos mercados globalizados. Isto é não apenas no Reino Unido, mas potencialmente toda a Europa e os EUA, onde populistas e sentimentos nacionalistas estão cada vez mais evidentes nas urnas. Alguns benefícios da abertura das fronteiras e a livre circulação de pessoas, know-how e do comércio revertem para alguns mais do que para outros. Muitos vêem os seus salários estagnados e as perspectivas parecem diminuir em meio a um afluxo de pessoas de outros lugares, algo que altera não apenas a paisagem econômica, mas também seus bairros, suas escolas e suas identidades culturais.
Para muitos investidores de longo prazo, como fundos de pensão, prossegue Linde-Eling Lee, torna-se cada vez mais necessário, nas decisões de investimento, considerar um conjunto mais completo dos riscos relacionados às tendências sociais e ambientais, em horizontes de tempo mais longos.
Nessa linha de pensamento, nota Linde-Eling Lee os que "têm contra os que não têm" é algo que ganhou relevância para alguns investidores como exemplo de tensões a serem consideradas nos investimentos. Os aposentados estão entre os potenciais perdedores.
“Embora seja difícil prever acontecimentos políticos e sociais extremos, é possível construir modelos para testar uma carteira contra eventuais choques. Alguns investidores têm indicado a importância de considerar as consequências da desigualdade e descontentamento popular em sua visão do risco”, assinala Linde-Eling Lee, referindo-se a um novo tipo de demanda que vem crescendo nos mercados.
Fonte: Diário dos Fundos de Pensão, em 12.07.2016.