
O Brasil enfrenta uma combinação de fatores que desafiam o modelo de financiamento público e ampliam a necessidade de poupança privada: restrição fiscal, envelhecimento populacional e mudanças no mercado de trabalho. Esses elementos tornam indispensável a redefinição da dinâmica da previdência no país.
Nas últimas décadas fomos beneficiados pelo chamado “bônus demográfico”, que significa que temos muitos jovens contribuindo para a previdência e permite pagar as aposentadorias dos mais velhos, já que estamos no modelo de repartição. Esse modelo fica cada vez menos viável quando a população envelhece, e é isso que está acontecendo. Em menos de 20 anos, o número de pessoas com mais de 65 anos dobrará, enquanto a produtividade seguirá contida (IBGE e Tesouro Nacional).
Além disso, mudanças do mercado de trabalho, com maior informalidade por conta do aumento crescimento dos serviços de aplicativos também prejudicam a contribuição para a previdência.
Em paralelo, a previdência é a principal despesa no orçamento da União, que está cada vez mais desafiador à medida que os anos passam. Foi feita uma reforma recentemente, em 2019, mas com as contas desequilibradas e com essa dinâmica de envelhecimento populacional é de se esperar uma nova reforma em alguns anos. É claro que isso dependente da organização das contas públicas e de discussões como o nível de indexação do orçamento ao salário mínimo e sua repercussão no gasto previdenciário (gráfico 1). Note que em 20 anos a despesa de previdência como proporção do PIB fica em trajetória insustentável. Menos trabalhadores ativos, mais aposentados e um Estado com restrições fiscais colocam em risco o modelo tradicional de proteção social.

Para compensar o fim do bônus demográfico, o aumento da informalidade e a pressão das contas públicas, é essencial fortalecer a poupança doméstica. Dessa forma, a previdência complementar assumiria papel estratégico: além de garantir proteção individual, contribuiria para formar uma poupança estável. Para cumprir essa função, porém, o sistema precisa ser sustentável e adaptado às novas formas de trabalho, marcadas por informalidade e vínculos flexíveis (Banco Central do Brasil). Isso exige soluções que acompanhem a mobilidade do trabalhador moderno.
A reforma previdenciária trouxe algum equilíbrio às contas públicas, mas não resolveu o desafio de longo prazo. A previdência pública tende a se tornar uma rede mínima de proteção, enquanto a previdência privada deve preencher a lacuna de renda e bem-estar. Para que esse movimento se consolide, é necessário avançar em políticas que incentivem a poupança e ampliem o acesso à previdência complementar, especialmente entre jovens e autônomos.
Nesse processo, a tecnologia pode ser um vetor essencial. Recursos digitais, como automações e inteligência artificial, podem reduzir custos, aumentar a eficiência e ampliar a transparência na relação com os participantes. O futuro da previdência precisa da integração entre inovação, governança e propósito social – elementos que, juntos, podem transformar a previdência em um hábito cultural e garantir sustentabilidade em um cenário de envelhecimento acelerado.
O futuro institucional da previdência complementar
O quadro institucional da previdência complementar também requer atenção. Apesar da longevidade crescente e da clara necessidade de planejamento financeiro, o número de entidades de previdência fechada no Brasil tem diminuído ao longo dos anos e o ritmo de crescimento dos participantes segue tímido (RGPC 2T2025).
Hoje, os planos das entidades fechadas atendem menos de 2 milhões de pessoas, cerca de 1% da população brasileira (RGPC 2T2025). O patrimônio, de aproximadamente R$ 1,4 trilhão, representa cerca de 10% do PIB de 2023. Trata-se de uma proporção muito inferior quando comparado com países com sistemas mais maduros, como Chile e Estados Unidos, onde a previdência complementar chega a representar entre 50% e 60% do PIB.
Esse cenário reflete mudanças no perfil do trabalhador, que valoriza a flexibilidade e troca de emprego com frequência, somado à predominância de pequenas empresas – o que tornam as regras tradicionais da previdência pouco atrativas. Exigir longas permanências na mesma empresa para garantir benefícios, por exemplo, não dialoga com essa realidade. Além disso, a complexidade regulatória e operacional encarece a manutenção de planos próprios, especialmente em um ambiente marcado por fusões e aquisições.
Fundos multipatrocinados são uma alternativa eficiente para enfrentar esses desafios, pois oferecem ganho de escala, diluição de custos e governança compartilhada. Para dar sustentabilidade ao sistema, é necessário avançar na transferência de risco atuarial, criando mecanismos que permitam o repasse de riscos de longevidade e solvência entre entidades e seguradoras. Outro ponto essencial é simplificar a portabilidade, garantindo que o participante leve seus recursos ao mudar de emprego e preserve sua poupança de longo prazo.
Também é preciso avançar na agenda da desacumulação, isto é, a fase em que o participante transforma a poupança em renda. O sistema brasileiro precisa de soluções mais flexíveis e inteligentes para garantir que o aposentado viva mais, com qualidade e estabilidade financeira, sem esgotar seus recursos precocemente.
Do ponto de vista regulatório, há espaço para discutir medidas de incentivo. Uma delas é a criação de mecanismos compulsórios de poupança previdenciária, seja por meio de planos empresariais obrigatórios em empresas de determinado porte, seja pela adesão automática dos trabalhadores, com possibilidade de saída voluntária. Experiências internacionais mostram que a adesão automática é um dos instrumentos mais eficazes para ampliar a cobertura previdenciária.
Finalmente, a comunicação também precisa evoluir. A previdência deve ser apresentada como um instrumento de liberdade financeira e realização de objetivos. Não apenas como um meio de garantir renda na aposentadoria. Para os jovens, isso significa dialogar sobre autonomia e construção de futuro. Para os mais maduros, tratar de segurança familiar e legado. Para os autônomos e empreendedores, de blindagem patrimonial e estabilidade em tempos de incerteza.
O desafio é transformar a previdência em um hábito social, um elemento da cultura financeira do país. Só assim o Brasil conseguirá alinhar crescimento, sustentabilidade e bem-estar em um contexto de envelhecimento rápido e profundas mudanças econômicas.
*Bruno Funchal é CEO da Bradesco Asset (foto à direita)
*Estevão Scripilliti é Diretor da Bradesco Vida e Previdência (foto à esquerda)
Fonte: Abrapp em Foco, em 13.11.2025.