
Nos últimos anos, o debate sobre investir no exterior tem oscilado conforme o câmbio. Quando o dólar sobe, o tema ganha urgência; quando recua, perde espaço. Mas esse olhar conjuntural ignora a verdadeira essência da diversificação internacional: ela não é uma aposta no dólar, e sim uma estratégia estrutural de equilíbrio, proteção e crescimento patrimonial.
Um cenário global em transformação
O ambiente econômico internacional passa por uma mudança profunda. A combinação de um ambiente mais volátil, regimes monetários andando em direções opostas e a reorganização das cadeias produtivas redefiniu as fronteiras do investimento global. Além dos Estados Unidos, mercados como Índia e Sudeste Asiático ganham relevância por sua demografia e ritmo de inovação. Setores ligados à transição energética, inteligência artificial e reindustrialização verde estão se consolidando como vetores de crescimento, moldando novas oportunidades para investidores que buscam exposição global. Em um contexto de maior interdependência entre economias e moedas, o câmbio deixa de ser apenas fonte de volatilidade e passa a representar um instrumento de gestão de risco e equilíbrio.
Câmbio: de fonte de risco a ferramenta de proteção
É comum que o investidor brasileiro associe a variação cambial à instabilidade. O real, de fato, é uma das moedas emergentes mais sensíveis a choques externos. Porém, essa mesma volatilidade pode desempenhar um papel de proteção natural.
Estudos da FGV mostram que cerca de 10% a 25% da cesta de consumo dos brasileiros está atrelada a produtos e serviços cotados em dólar — de combustíveis e medicamentos a eletrônicos e alimentos importados.
Quando a moeda americana se valoriza, o poder de compra doméstico é reduzido. Nesse contexto, investimentos com exposição internacional funcionam como um contrapeso: ajudam a preservar o valor real do patrimônio e a mitigar o impacto da desvalorização do real.
Segundo o mesmo estudo, para neutralizar os efeitos cambiais sobre o consumo, um investidor deveria manter ao menos 11% de seus recursos aplicados em ativos internacionais — proporção que pode chegar a 18% dependendo da faixa de renda e do padrão de consumo analisado.
Diversificação internacional: evidência prática de eficiência
A teoria da diversificação é clara: o benefício surge quando ativos não se movem na mesma direção. Isso significa que, ativos locais podem ter comportamento próprio independente daquele observado nos ativos internacionais, suavizando o risco total da carteira.
Essa diferença traduz o ganho estrutural da diversificação global: melhor relação risco-retorno e maior estabilidade nos resultados.
O diferencial de juros
Com o Brasil ainda operando em um momento do ciclo monetário diferente daquele observado em outras geografias, alguns investidores podem optar por exercer a sua tese de investimento internacional sem ter a chamada proteção cambial em todo o seu investimento. Isso permite combinar exposição internacional com o diferencial de juros entre Brasil e Estados Unidos, feito através de estruturas que combinam por exemplo contratos futuros de S&P500 (um dos principais índices de ações do mercado americano) com títulos do Tesouro Selic (os títulos que oferecem rentabilidade pós-fixada).
A decisão de manter ou não o hedge deve ser dinâmico, ajustada ao ciclo econômico e ao perfil do investidor. Não existe uma verdade absoluta. O importante é que o investidor se atente as possibilidades e alternativas de compor o seu portfólio com estratégias de investimentos internacionais.
Conclusão: o câmbio muda, o equilíbrio permanece
O câmbio continuará oscilando, mas o papel da diversificação internacional é perene. Ela funciona como uma ponte para novas oportunidades e ferramenta de preservação de poder de compra.
Investir no exterior não é mais um movimento tático, mas um pilar estrutural de gestão de risco e de construção patrimonial no longo prazo. O investidor que compreende o papel do câmbio e da diversificação global deixa de reagir ao dólar do dia e passa a construir carteiras que resistem a qualquer cenário — ancoradas em equilíbrio, proteção e visão de futuro.
*Renato Eid Tucci é Head of Beta Strategies & Responsible Investment no Itaú Asset
Fonte: https://eaesp.fgv.br/sites/eaesp.fgv.br/files/u784/impacto_do_cambio_no_consumo_do_brasileiro.pdf
Fonte: Abrapp em Foco, em 07.11.2025.