
Nos últimos anos, o debate sobre sustentabilidade e responsabilidade corporativa deixou de ser periférico para tornar-se um eixo estratégico de governança em todas as organizações. No sistema de previdência complementar fechada (EFPC), o tema ASG — sigla para Ambiental, Social e Governança — ganha contornos ainda mais relevantes, pois conecta o propósito previdenciário à necessidade de geração de valor de longo prazo. A gestão responsável dos recursos, a integridade na condução dos negócios e o impacto social positivo constituem, hoje, pilares inseparáveis da perenidade das entidades.
O desafio, entretanto, está em incorporar critérios ASG nas decisões de investimento, na gestão institucional e na relação com participantes, o que exige planejamento, cultura organizacional e indicadores mensuráveis. O contexto regulatório recente reforça essa necessidade, em especial com a publicação da Resolução CMN nº 5.202/2025, que consolida princípios de investimento responsável no âmbito das EFPC e representa uma evolução na governança, gestão de riscos e estratégia de investimentos do setor, o que indiretamente impulsiona a consideração de critérios ASG de forma mais estruturada.
O que significa ASG para as EFPC
ESG é uma abordagem que amplia o conceito tradicional de desempenho corporativo. Além do retorno financeiro, considera-se o impacto ambiental, social e de governança gerado pelas decisões da organização. No caso das EFPC, essa visão ganha dupla relevância: primeiro, por tratar-se de instituições que administram recursos de longo prazo; e segundo, por seu papel social na promoção de segurança financeira e bem-estar dos participantes.
A agenda ASG nas EFPC abrange, portanto, desde a gestão dos investimentos até as práticas de governança e relacionamento com stakeholders. O componente Ambiental envolve a consideração de riscos climáticos e a destinação responsável dos recursos. O aspecto Social refere-se à promoção de diversidade, equidade, inclusão e bem-estar dos colaboradores e participantes. Já a Governança concentra-se em ética, transparência, gestão de riscos e conformidade com as melhores práticas de controle institucional.
Da Política de Investimentos à Gestão Institucional
A Resolução CMN nº 5.202/2025, introduziu de forma mais explícita a necessidade de as entidades fechadas de previdência complementar incorporarem critérios ESG nas suas políticas de investimento. Essa exigência, além de regulatória, é um movimento global de alinhamento com as diretrizes do PRI (Principles for Responsible Investment) e com a Agenda 2030 da ONU. Ao considerar fatores ESG, as EFPC não apenas reduzem riscos de longo prazo, mas também ampliam oportunidades de investimento sustentável e de impacto positivo.
Na prática, a integração da mentalidade ASG pode ocorrer em diferentes níveis. No nível estratégico, envolve a definição de princípios e metas institucionais claras. No nível tático, implica revisar a política de investimentos, introduzindo métricas de sustentabilidade e indicadores de desempenho não financeiro. No nível operacional, requer a adoção de metodologias de análise ASG, seleção de gestores e fundos comprometidos com critérios de responsabilidade socioambiental e a criação de comitês ou estruturas de acompanhamento.
Mas a adoção do modelo ASG nas EFPCs vai além da política de investimentos. Ela se manifesta também na governança — com ênfase na ética, transparência e accountability — e na dimensão social, ao considerar o impacto das decisões sobre os participantes e o corpo funcional. Entidades que estruturam programas de integridade, diversidade, inclusão e educação previdenciária fortalecem a confiança e a reputação institucional.
Desafios e Caminhos para a Implementação
Apesar do avanço regulatório e do interesse crescente, a consolidação do modelo ASG nas EFPCs ainda enfrenta desafios significativos. O primeiro deles é a padronização de métricas e indicadores. A ausência de parâmetros uniformes dificulta a comparação entre entidades e a mensuração dos impactos reais das ações ASG. Outro desafio é o amadurecimento da cultura organizacional — incorporar a cultura ASG não pode ser um projeto isolado, mas sim parte da identidade e da estratégia institucional.
Além disso, muitas EFPC ainda possuem limitações de estrutura e recursos humanos para desenvolver análises aprofundadas sobre riscos e oportunidades ASG. Isso exige investimento em capacitação, tecnologia e parcerias estratégicas. A colaboração com consultorias especializadas, associações setoriais e órgãos de governança pode acelerar esse processo.
Um caminho promissor é a adoção de frameworks reconhecidos, como o SASB (Sustainability Accounting Standards Board) e o TCFD (Task Force on Climate-related Financial Disclosures), que ajudam a estruturar relatórios de sustentabilidade e demonstrar compromisso com a transparência.
Transparência e prestação de contas
Um grande avanço está ocorrendo na revelação de informações ASG e padrões internacionais têm sido propostos e adotados e, num processo de convergência, estão em discussão normas correlatas no Brasil. Nesse contexto, a Previc, inclusive, colocou em consulta pública documento sobre o tema, gerando novas expectativas.
Os padrões internacionais são dois: o IFRS S1, que exige que as empresas divulguem informações sobre governança corporativa, estratégia, gestão de riscos e métricas e metas; e o IFRS S2, que requer divulgações detalhadas sobre riscos físicos, riscos de transição, oportunidades climáticas, cenários climáticos e métricas de emissões de gases de efeito estufa (GEE).
Assim, espera-se que os relatórios das EFPC passem por mudanças significativas em curto espaço de tempo, introduzindo as expectativas dos relatos sobre a cultura ASG, incluindo os temas ambientais, sociais e de governança em suas publicações.
Conclusão
A incorporação de critérios ASG na previdência complementar não deve ser vista apenas como uma exigência regulatória, mas como uma oportunidade estratégica. Ao adotar e comunicar práticas ambientais, sociais e de governança responsáveis, as EFPC reforçam seu papel social, protegem o patrimônio dos participantes e contribuem para um sistema mais ético, sustentável e resiliente.
O verdadeiro desafio é, portanto, transformar o discurso em prática — e isso começa pela liderança. Conselhos e diretorias precisam assumir o ASG como um tema de governança, incluir metas mensuráveis e integrá-lo às decisões estratégicas. O futuro das EFPC, assim como o da sociedade que as sustenta, depende de organizações capazes de equilibrar retorno financeiro, impacto social e responsabilidade ambiental.
O CNPC e a Previc têm sinalizado maior atenção às regras e à supervisão de práticas ASG, o que reforça a necessidade de as EFPC se prepararem desde já.
*Chico Fernandes e Maria Paula Aranha são Sócios da PFM Consultoria e Sistemas
Fonte: Abrapp em Foco, em 10.11.2025.