Reproduzimos, em seguida, artigo dos advogados Flavio Martins Rodrigues e Armando Adurens, ambos do escritório Bocater, Camargo, Costa e Silva, Rodrigues Advogados, reconhecido por possuir uma forte atuação em processos sancionatórios no âmbito da supervisão dos fundos de pensão e do mercado de capitais. O texto foi redigido a partir do fato de que foi dado fim ao recurso de ofício nos processos administrativos sancionadores do BACEN e da CVM, defendendo por isso que, por isonomia, o mesmo deveria acontecer ao recurso da DICOL-PREVIC para a CRPC.
“Há uma novidade para os processos administrativos do Sistema Financeiro Nacional (“SFN”) na seara dos mercados de moeda, crédito, capitais e câmbio: foi abolido o recurso de ofício, seguindo uma tendência ocorrida no sistema dos seguros privados.
A nosso ver, essa decisão faz todo o sentido e deveria ser aplicada no âmbito de uma necessária revisão do Decreto 4.942/2003, que regulamenta o procedimento administrativo na área da previdência complementar fechada.
No contexto dos processos administrativos sancionatórios, o recurso de ofício, também chamado de “remessa oficial”, “reexame necessário” ou “duplo grau de jurisdição obrigatório”, consubstancia-se na necessária reapreciação, pela segunda instância administrativa, da decisão de não imputação de penalidade pela instância administrativa de primeiro grau.
Vejamos como funciona a sistemática dos processos administrativos sancionadores no âmbito das áreas afins:
(i) no sistema relativo aos mercados de moeda, crédito, capitais e câmbio, as primeiras instâncias são: (a) os órgãos internos do Banco Central do Brasil (“BACEN”) para as questões relativas ao mercado de moeda, crédito e câmbio; e (b) a Superintendência de Processos Sancionadores da Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) para o mercado de capitais. A segunda instância, em qualquer caso, é o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (“CRSFN”);
(ii) no sistema dos seguros privados, a primeira instância é composta pelo (a) Conselho Diretor; e a (b) Coordenação-Geral de Julgamentos da Superintendência dos Seguros Privados (“SUSEP”) (“CGJUL”). A segunda instância é o Conselho de Recursos do Sistema Nacional de Seguros Privados, de Previdência Privada Aberta e de Capitalização (“CRSNSP”); e
(iii) no sistema da previdência complementar fechada, a primeira instância é a Diretoria Colegiada da Superintendência Nacional de Previdência complementar (“PREVIC”) (“DICOL”) e a segunda instância é o Conselho de Recursos da Previdência Complementar (“CRPC”).
A Lei 9.784/1999, que “regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal”, não prevê expressamente o recurso de ofício, sendo possível observar o seu desuso em alguns ambientes normativos.
No âmbito do sistema sancionador dos mercados de crédito, de capitais e de câmbio, a regra então vigente no Decreto 1.935/1996 – que aprovava o Regimento Interno do CRSFN –, estabelecia a necessidade do reexame necessário nos casos em que o primeiro grau concluía pela não aplicação de penalidades:
Art. 4º Compete, ainda, ao Conselho:
(...) II - apreciar os recursos de ofício, dos órgãos e entidades competentes, contra decisões de arquivamento dos processos que versarem sobre as matérias relacionadas no inciso I e nas alíneas "a" a "c" do inciso II do art. 3º;
Ocorre que, com a recente edição do Decreto 8.652/2016, foi afastada a competência do CRSFN para o julgamento do recurso de ofício. Tal entendimento está corroborado pelo novo Regimento Interno do CRSFN, aprovado pela Portaria 68/2016 do Ministério da Fazenda, que dispõe em seu art. 51 que somente serão julgados pelo CRSFN os recursos de ofício das decisões proferidas até 27.02.2016, em uma evidente demonstração de extinção do instituto.
Deve-se apontar que o sistema de seguros privados foi o primeiro a abolir o recurso de ofício em 2008. Antes disso, havia a previsão de reexame necessário pelo Conselho Diretor da SUSEP (segunda instância administrativa) das decisões do Chefe de Departamento (primeira instância administrativa) nas hipóteses previstas na Resolução CNSP 108/2004.
A partir da entrada em vigor da Resolução CNSP 186/2008, houve alteração das instâncias julgadoras dos processos administrativos, deixando existir o recurso de ofício, posição que permanece até hoje.
Vale dizer que a norma atual prevê que, em sede de primeira instância, exista em alguns casos a confirmação pelo Conselho Diretor da SUSEP de decisões da CGJUL, mas que não se caracteriza como um reexame necessário entre instâncias diferentes.
No âmbito da previdência complementar fechada, no entanto, o Decreto nº 4.942/2003, que regulamenta o processo administrativo para apuração de responsabilidade por infração no âmbito deste regime, prevê ainda a existência de recurso de ofício para a decisão que anular ou cancelar o auto de infração, bem como a reconsideração. Confira-se:
Art. 16. Será objeto de recurso de ofício a decisão que anular ou cancelar o auto de infração, bem como a reconsideração prevista no § 3º do art. 13.
Assim, há uma clara tendência à extinção do recurso de ofício desde 2008. Com a edição do Decreto 8.652/2016, passa a ser uma clara política regulatória de uniformização no âmbito dos “agentes do mercado financeiro”.
A justificativa principal liga-se à prestação pela Administração Pública de uma tutela administrativa mais célere, segura, precisa e objetiva, necessária para o balizamento e padronização da aplicação de normas no caso concreto e que possuem impacto decisivo do ponto de vista macro e micro econômico.
O reexame obrigatório no âmbito da previdência fechada acaba por se tornar um entrave burocrático, protelando as decisões e gerando insegurança para o administrado e para o sistema como um todo. É o prolongamento de uma situação de desconforto para todos a partir de uma decisão idônea da Diretoria Colegiada da Previc, que sempre tenderá a prevalecer.
Assim, a nosso ver, caberia a extinção do reexame obrigatório também no âmbito do sistema de previdência complementar fechada, cuja importância merece, ao menos, a isonomia com os demais agentes.
A CRPC, neste contexto, se debruçaria exclusivamente sobre os recursos voluntários, nos quais estivesse estabelecida uma contradição real entre os interesses da Administração Pública e do Administrado, que constituem o objeto precípuo para formação de jurisprudência no sistema”.
Flavio Martins Rodrigues é sócio sênior do escritório Bocater, Camargo, Costa e Silva, Rodrigues Advogados, mestre em Direito Tributário e Pós-graduado em Fundos de Pensão pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ex-presidente do RIOPREVIDÊNCIA e ex-presidente do Instituto de Certificação dos Profissionais de Seguridade Social (ICSS), ele é autor de livros e artigos sobre previdência complementar, além de editor da Revista de Previdência (Ed. Gramma). Também é associado da International Pension & Employee Benefits Lawyers Association-IPEBLA (entidade com sede na Holanda). Armando Adurens é advogado associada sênior do escritório Bocater, Camargo, Costa e Silva, Rodrigues Advogados, especialista nas áreas de direito da previdência complementar, direito bancário e mercado de capitais.
Fonte: Diário dos Fundos de Pensão, em 28.03.2016.